CRÍTICA DA ARTISTA-PLÁSTICA(PINTORA) AO TEXTO /**RESTOS DE MIM**/ - Manoel Ferreira


RESTOS DE MIM
Manoel Ferreira Neto.



Fantástico! Já li e reli e quanto mais leio o acho intrigante e desafiador...discorrendo dentre manhã, tarde e noite num misto sutil de mistério onde o existencialismo presente em plenitude e nostalgia deixa-nos intrigados quanto à alma em estado de torpor e um espírito intenso e inquieto sem respostas aos tantos questionamentos. se alguém que ..Você que está lendo este belo e complexo texto pode expor sua opinião sobre o que o autor quis tão habilmente subjetivar...que comente. Muito bom Poeta! Parabéns sempre. ..



Graça Fontis



O termo de que você utiliza, "Subjetivar", chamando a atenção do leitor para in-vest-igar a profundidade, o seu mistério, está muitíssimo bem realizado no seu comentário, pois que antes você se referiu ao "existencialismo presente", e existencialisticamente é sim subjetivar; A intenção foi subjetivar o verbo do tempo, "sou mulher sustentando um corpo", o verbo do tempo aqui é o corpo. Com o desdobramento da personalidade da protagonista, a mentira e a verdade se revelam nitidamente. Já que o tempo vai envelhecendo o corpo, por que não também a psiqué. A protagonista chega ao instante-limite em que se lhe a-presenta a verdadeira face deste desdobramento da personalidade, uma vida em absoluto absurdo, não mais sabendo distinguir a verdade da mentira, mas ela escolhe continuar este caminho. Creio eu que no fundo, no fundo, ela desejava com isto mergulhar na loucura, conhecê-la, sabê-la, vivê-la.
Aliás, encenei uma peça teatral de minha autoria RESTOS DE MIM. Mas é diferente do texto. Na peça, é um palhaço que ficou anos e anos longe de sua filha. Ela o encontra e lhe envia uma missiva. A peça começa com ele entrando em conflito com o sentimento de culpa, remorso, arrependimento, torna-se crise existencial. É um monólogo. Esta peça foi encenada três vezes na cidade de Diamantina, 25, 26 e 27 de setembro de 2003, uma vez em Curvelo em 2003, 16 de janeiro de 2004.
A crise do palhaço são o arrependimento, culpa, remorso, da protagonista deste texto é a crise existencial pela consciência de que é uma mulher mentirosa, não é mais em âmbito psicológico como fora a peça. A crise dela é puramente existencial. Só mais tarde é que vim a escrever o texto.
Parabéns pelo seu comentário. De excelência.



*RESTOS DE MIM*



Não toco as pirâmedes de Queóps. Dedos tamborilam cinzas e fumaças.
Hora. Tempo. Oito horas e quarenta e cinco minutos. Alvorecer de cânticos de pássaros em con-sonância com os raios de sol. A distância, o morro afiguram-se desfeitos.
Mar de demônios... Lanço a corda e alguém devia descer para retornar com a mulher. Lavo os pedaços rudes de pedras. Um prazer estranho penetrando a luz pelas frinchas da janela. Muita palavra para o pobre muro de cimento.
Solto o ar no fim do dia. Gestos amargos na boca. Perdi a amargura da solidão. Reliosa solenitude desta noite. A deusa é um riso. Imagens de voz fazem oscilar a luz da lâmpada. Galgar e vagar de mortais.
Vísceras. Reticências mudas e surdas lançam recursos a prazeres ilusórios. Água empanada de risos e gargalhadas. Taça nas águas. Sonho povoado de expressões. Apoteose. Nostalgias. Luzes. Voz soprando nas longas alamedas do sono. Rosto navegando barcos de brinquedo.
Sinto saudades. Relembro passos. Revejo o sorriso, o olhar. Ouço letras desconexas. Vontades. Esperanças. Vidraças. Encruzilhadas. Feições expressivas se eliminam ao reconhecerem o lugar em que iniciaram imagens.
Abro a torneira do chuveiro. Deixo a água cair. No chão, vários produtos de beleza e higiene pessoais. Tão pequena esta casa de banho. Fecho um pouco a torneira. Detesto água fria ou morna. Puxo a cortina de plástico. Ensabuo o corpo.
Devo fazer um esforço para dissipar-me. Olhar cheio.
Registrar o que em nada esclarece. Sou mulher sustentando um corpo. Beleza. Sensibilidade. Nada... remete-me ao futuro. Negando o racional e rejeição. Se não mostrar sou capaz de um último ato em nome de ser a minha verdade. Confessar esta atitude causa-me prazer em todas as dimensões.
Mulher.
Deixo a água escorrer no corpo. A voz sai da boca. Expressa-se na parede. Desliza-se. Escorre no ladrilho, buscando o chão. Mistura-se á água que escorre. Ouço. Não a sei dizer...
Ouço palavras. Nada compreendo. Não posso entender o que dizem. Deixo os olhos irem deambular no interior da voz. Solitários, sendo a leveza de estar solta. Não há angústia. O carinho anda cambaio pelas arestas. Loucura. Seduções.
O corpo frouxo no chão. Ladrilhos amareliçados. Vago a esmo pelo universo das coisas às avessas.
Quem sou?
Os dedos da mão não se mexem. Nunca desejei encontrar-me. Com que propósito? Encontrar-me não me liberta de haver sido a mentira. De ir residir numa sepultura.
Encontro-me de pé.
Olhos de lágrimas. Abatimento. Amenizo o mover dos pés. Vago no jato de luz morta. Arrasto a sandália pelo chão da casa.
Porque estar no mundo? Nada pode explicar como fui escolher a mentira. Guardar a paixão. Nada sou. Não posso perceber. Dimensões sensíveis perdidas por haver escolhido...
Um abraço de despedida. Acenar de mãos. Voz. Manhã do desconhecido. Um arrastar de formigueiro vem de muito distante. Restos de mim erguem-se brancos e brandos.



Manoel Ferreira Neto.
(02 de junho de 2016)


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