*RELINCHANDO CIÊNCIA GAIATA# TÍTULO E PINTURA: Graça Fontis AFORISMO: Manoel Ferreira Neto ====



EPÍGRAFE:
Girulika e Zé Pastel
Pirulitaram do mundo,
Felizes e satisfeitos com a vida,
Pirulitaram num carrossel,
Levando na mochila
Duas garrafas de dois litros
De mel.
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Se é que se pode dizer ser eu pensador - mas o que é "ilso", eu pensador? -, o que penso não vai além da colina pequena, de pouca altura, que corre pelos campos, quebrando a uniformidade das planícies, dos fenos nas coxias, no trabalho árduo de fazer fretes, levar os Neves ao passeio dominical numa carruagem; se alguém pudesse se comunicar comigo através da língua, da voz, não compreenderia a autenticidade dos instintos...
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As raças trabalhadeiras encontram enorme dificuldade em suportar a ociosidade. Foi um golpe de mestre do instinto inglês santificar e tornar o domingo de tal modo aborrecido – domingo pede cachimbo - que o inglês deseja inconscientemente os seus dias de trabalho da semana – como uma espécie de jejum inteligentemente engendrado e calado, como o que se encontra também do Mundo Antigo – conquanto não propriamente a respeito do trabalho, como é óbvio nos povos meridionais. Precisa haver jejuns de muitas espécies. E por toda parte onde reinam instintos e hábitos poderosos, os legisladores devem intercalar dias em que um desses instintos seja acorrentado e aprenda de novo a passar fome. Tomando em consideração outra visão, quando os que lutam arduamente são de caráter que não é preciso ficar ansioso, na expectativa de quem será o vencedor, prudente que se alie a um dos lados, assim ajuda na ruína de um, na glória do outro, vós deveis permanecer nas vossas mãos.
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Lembrou-me de algo contado por senhor moreno, roupas bastante tradicionais, – se ele pudesse sentir que lhe envio cordialmente uma homenagem por haver sido o momento específico em que comecei a relinchar sobre a ciência, envio-lhe um coice nos países baixos, sei o gozo que sente com coice terno e sereno nesta região tão sensível. A coisa não anda muito bem no mundo dos humanos com a ciência, isto desde tempos imemoriais, tempos que os tempos ainda não tiveram oportunidade de conhecer, relinchemos assim. A Ciência é o objeto de auxílio às carências da humanidade, e, no entanto, são objetos de interesses os mais viperinos, e a humanidade carente de condições para sobreviver.
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A grande sacada seria os homens procurarem não ser infelizes. Aí sim evitando dissabores, problemas, empregando meios para evitar doenças, em tudo aquilo que possa interferir no que se costuma definir como princípios de bem viver. A monotonia é um estado de coisas que põe as pessoas deprimidas e insatisfeitas com o que quer que façam. Em Atenas Atéia, ouvia alguns comentários de esquinas, nas margens de ruas, recitarem uns versos interessantes, para afugentarem os sentimentos negativos em situações complexas e trágicas: "Girulika e Zé Pastel pirulitaram do mundo/Pirulitaram num carrossel/Levando na mochila duas garrafas de dois litros/De mel..." Com os pelos do rabo, ficava a matutar o que isto podia dizer.
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Não relincho absurdos... Pode até ser ininteligível, enfim o que desejo expressar, a amplitude dos instintos. É o que penso. Haveria um da espécie que pudesse contra-relinchar isto? Não há. O risível não está nesta falta de senso das coisas que relincho? Estaria, se não houvesse qualquer perda de compreensão do sentido dos relinchos, orelhas abanando, o rabo inerte, os miolos saturados de tantos pensamentos, idéias, sentimentos, o coração cheio de baques, rebaques... Sou asno. Devo reconhecer com toda a imponência e prepotência sou capaz de fazê-lo. Não é isso que se espera de mim?
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Se diante de um tribunal, estaria sendo julgado por ser pensador, e tudo contribuía para a ciência ásnica, contrária aos cânones da Ciência real, alguém perguntasse: “Se você é tão intelectual como imagina, pensa e sente, porque não fora capaz de pensar um modo de contribuir com a sabedoria milenar”. Para ser asno, é preciso mostrar, convencer e persuadir que as asnices proferidas superam obras já imortais por ter personalidade e caráter. Não responderia a isto, mesmo que me pusessem para girar um catavento, pois que a indagação só comporta uma visão do que intenciona dizer, a minha raça ser interditada de razão, intelecto, sentimentos, emoções, só instintos, até as sensações são instintivas, sendo que a coisa tinha outro sentido. A Justiça está tão apodrecida, que o seu odor fétido está sarapalhado por todos os cantos e recantos, quê fedentina! Jamais poderá ter alguma noção do que estou a dizer. O que irá salvar-me da pena de prisão num estábulo para o resto de meus dias, caso ponha-me a discursar aberta e livremente neste tribunal. Não seria que até criasse plenário neste tribunal para assim sentir-me à vontade para dizer o que relincho da Justiça da Humanidade nestes tempos hodiernos.
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Como um sibilo de vento para além de entre as montanhas, as emoções vão alegres e felizes. O caminho passa fora da grade do portão. Antes de me tornar um asno esclarecido, as margens do rio já não eram margens do rio e as luzes que iluminavam as ruas e avenidas já não eram as luzes que iluminavam as ruas e avenidas. Agora que me tornei esclarecido, sem ler nada, sem pensar em nada, sem imitar os gênios, nem cochilar por segundos em noites claras, as margens do rio voltaram a ser margens do rio e as luzes que iluminavam as ruas e avenidas voltaram a ser as luzes que iluminavam as ruas e avenidas. Creio no mundo como numa samambaia, creio na vida como numa rosa branca que desabrocha logo ao nascer da manhã, porque os vejo, contudo não penso no mundo nem na vida, porque pensar é não compreender os desejos e esperanças, é não entender o espaço que separa olhar e realidade, consciência e sensação, pensamento e intuição, que o meu verbo cínico e irônico se canaliza e se articula. O Mundo não se fez para pensar nele – pensar é não cristianizar a nossa compreensão de Deus, é não bestializar o nosso entendimento das tragédias da existência -, mas para con-templarmos todos os sonhos que há no Amor. O caminho para a ingenuidade – pouco me importa a mim se o relógio ocupa toda a noite, se o pêndulo bate as horas certas, - para a inocência – os meus instintos são simples e não pensam, - para o in-criado – na eternidade, não há tempo. A eternidade não é mais que um momento, cuja duração não vai além de um sorriso muito mal esboçado no rosto, - para Deus – uma porta que se abre e entra a vida para mim, - não se dirige para trás, mas sim para a frente.
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Que destino!... Não falo, nada escrevo, ninguém que possa ler-me nos beiços. Penso, sinto, só isto. Para quê? Para nada... Enquanto asno mais novo, muita estrada à frente, não me conformava com o fato de o que penso, sinto vão morrer comigo. Não seria o caso de relinchar a satisfação de haver homens que intuem que penso, percebem através de minhas atitudes, modos de olhar, relinchos, prestar atenção às conversas com interesse acompanhado de cinismo e ironia, vistos à luz dos valores que os homens insistem e persistem em conservar ao longo de caminhadas desde o nascimento até à morte...
#RIO DE JANEIRO(RJ), 15 DE DEZEMBRO DE 2020, 12:01 a.m.#

 

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