#SUBMERGIDO EM MISTÉRIO**

PINTURA: Graça Fontis

PROSA: Manoel Ferreira Neto

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Quarenta anos,

Trocentas bandeiras unidas sobre os campos,

Efígies em seus pedestais nos templos e igrejas,

Onde o sendeiro pastor lamenta

Homens desesperados, mulheres desesperadas, divididas

Abrindo suas asas sob as folhas de outono que caem,

Esvoaçando sobre a natureza, mares,

Voo rasante, a natureza não dá saltos.

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Apanho da pena.

O homem, fora.

Fora das muralhas do exílio.

Fora das grades do cárcere.

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Re-corda-me, pulsa o coração poucochito acelerado,

Com o pé direito no primevo degrau do ônibus,

Sentira que a liberdade precede a metafísica do verbo,

Sentira que o vazio antecede o in-fin-itivo do sujeito,

Revela-se o Amor,

O tempo saberá o instante...

O ec-sistir patenteará o momento,

O tempo afiará as lâminas do sonho e do eterno,

O amor pleno e suave da entrega e das conquistas.

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A Fortuna chama. Deixei as sombras para trás e fui ao Super-mercadão Box, comerciantes e ladrões, com sede de poder, as calçadas da avenida entupigaitadas de lixo urbano, meu último contrato injustamente quebrado.

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Diches tem perfume doce como os prados onde nasceu,

Na véspera do solstício de verão, perto da torre de cujos sinos altissonantes ouvem-se as algazarras dos humanos.

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Con-templava as crianças pelas ruas, brincando,

Os seus brinquedos, as pipas no ar, os peões rodando,

Os desejos eram outros, as vontades, os sonhos,

Achava estranho correr atrás de uma bola,

Até o presente não a toquei com o pé, chutei, coloquei-o encima.

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Tumbas a brasas eriçadas esgalgam ódios últimos, sorrindo fúnebres as derradeiras lembranças. Covas a chamas esfoladas esganiçam vinganças. Goles tirados a tempo curto re-movem possibilidades cuja força é ser efêmera. Sepultura íngreme cobre de nada as hipocrisias primeiras, ironias retiradas a esmo, cinismos re-postulados, a falsa modéstia é nonada absurda a copos emborcados, os nós do nada são co-protagonistas do tal-agora-aqui acompanhado de contradicções, nonsenses, requerendo reflexões. Sete palmos, as cinzas esfalpadas abrem letras que esmiuçam tentáculos. Medusa tece pedras cruas cujo olhar fundamenta o barro nu de nossas ansiedades. Prometeu troca dedos de prosa com os urubus sobre todos os benefícios que o fogo por ele doado aos homens é capaz de proporcionar, inclusive nas Artes, o fogo da inspiração, depois de se empaturrarem com mais pedaços de seu fígado, aquilo seria eterno, os urubus abaixando a cabeça, mas eles serão eternos por causa de Prometeu, são-lhe mucho gratos.

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O sangue-frio da lua. O capitão espera acima da celebração,

Enviando os seus pensamentos, carências e idéias para a donzela amada, cujo rosto de ébano está além da comunicação. O capitão está triste, cheio de tensões, mas ainda crê que seu amor será correspondido.

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Compreendo a estranheza. O exílio não existirá sem o corpo, sem a ausência No entanto, constitui um impasse. Impasse para o infinito. Viver o imortal. Pensava que as muralhas fossem a liberdade – nem mesmo o desejo de atingi-la, alcançá-la.

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Seren-itudes de seren-idades serenas

O amor é tudo

De serenas seren-idades, seren-itudes,

De seren-itudes de suavidades, a ampulheta

Diante do infinito, dos in-fin-itivos, o eu que flora

Na floração do verbo e de suas regências,

O amor haverá de ser, quando

Sentir na alma, no instante de o espaço

Separar-se do tempo,

O verbo ser a ação.

Nas soadas dos verbos emudecidos, mudos, calados,

O som rumina, uiva desalentos, inseguranças, medos,

Nas sombras, astúcias para iludir as disposições de sensações,

Intuições, percepções, inspirações, o despertar de outras visões,

O espírito goteja flúmenes, a alma sente os pingos de orvalho

Caindo-lhe no íntimo dos sêmens de sonhos,

Os cofres da inconsciência entoam a plangência desolada,

Ressentida, introspectiva,

Focos de luz expressionista eivando as vontades de voos, viagens.

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Tropecei, catei cavacos na Avenida Brasil, sob os olhares de transeuntes, cavalguei por ruínas em valas, inda remendadas sob tatuagem em forma de coração. Padres renegados e bruxas jovens traiçoeiras

Distribuíam as flores que eu havia dado à amada.

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No exílio, sou ser sem sentido. Fora, a ausência de sentido é o sentido da ausência. É a mãe que está distante do filho, mesmo com ele no útero; longe dele, embora o cordão umbilical não tinha sido extirpado. Está à distância dele, após o cordão umbilical haver sido cortado.

Descobrir a liberdade. Exteriorizá-la no mundo.

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Caixões esmorecem tintas que apagam a incólume memória de anos rasgando a seda presa no fio oblíquo de fumaças, obtusas de neblinas e neves. A cal cofia ambíguas vestes de linho, o medo de terras recalca o andar cambaio. O ressentimento de tijolos pisa os pés descalços. A amargura de cimento ressoa o silêncio.

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O palácio de espelhos, onde os cães soldados se refletem.

as prostitutas a esmo nas calçadas observam a promiscuidade deslavada dos homens. A estrada sem fim e os lamentos dos sinos, os quartos vazios onde a memória é protegida, onde as vozes dos anjos sussurram para as almas de tempos antigos cânticos e fábulas.

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O mundo é o exílio. Pensava encontrar um lugar em que descansar os ossos. A liberdade é para não estar fora do mundo. Livre, cadáver de uma perdiz ou de um faisão abatido por caçador furtivo. Todas as possibilidades são no sentido de o corpo estar estendido num fosso ou por trás de uma moita, os joelhos dobrados, os cabelos sujos de terra.

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Engraxei os sapatos, sujos não dizem nada a quaisquer figurinos das vestes, movi montanhas e marquei as cartas,

mas o Éden está em chamas, então preparem-se para a eliminação ou então os corações deverão ter coragem para a troca da guarda.

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Haverá de poster-iciar(o que é início tornar-se póstero, vice-versa)

As conquistas, quiçá glórias

De serenas "seren-itudes" de criações, re-criações,

O sabor da seren-idade do verbo de sonhos, utopias...

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Desejos da verdade, sublimes mergulhos no nada,

Angústias, náuseas, o desejo de outros becos, ruas,

Sonhos do absoluto, con-templar nonadas à luz do efêmero

Vontades do Belo, criar esperanças, re-criar fantasias da fé,

Ousadia de avassalar nos cantos e re-cantos ocultos,

Nos sítios e lugares obtusos, oblíquos,

Nos cursos de perspectivas, prospectivas, de claridade e harmonia,

Nos cantinhos de sentimentos e emoções do há-de ser,

Nos contornos e nos ocasos, ocasiões de fascínio, volúpia

Que flanam como neblina sem rumo para rabiscar a minha encenação,

Re-presentação,

Ausentar-se tudo con-templa, ausentar-me con-templo,

Sensibilidades que me travam o intelecto

Insolências, rebeldias, revoltas, prepotências, mazelas

À quimera da solerc-idade o que a idade, o vivido, o vivenciado

Possuem para facultar,

O intelecto trava-me o facultar,

Atulham-me de perplexidade os fachos de luzes

Incidindo-se na chuviscaria da harmonia do tempo, do verbo, do vento,

Percebo e sinto o cogitar as dubiedades do póstero e perene

Com a existência, outroras e pretéritos, passados,

Utopias da Beleza, re-fazer os verbos do eterno

Estesias do Saber, uno-verso da gnose, sapiens,

Conjugados de vazios

Contemplando a manhã de chuva,

Nublado, ensimesmado o tempo

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A existência procura inserir-se na morte para não se extinguir. Do termo da transparência do medo das trevas, da claridade da majestade da escuridão alastram-se, da aragem a tristeza resultante da depressão é muito mais que um tipo de emoção centralizada apenas e exclusivamente na psique: afeta todo o corpo. Ela é sentida tão agudamente e causa tanta dor quanto um apêndice supurado – talvez mais.

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A paz virá

Com tranquilidade e esplendor, leveza do ser

Nas rodas de fogo,

Trar-nos-á, contudo, nenhuma recompensa quando seus ídolos falsos, seus deuses hipócritas caírem. A morte cruel se renderá, e seu fantasma pálido recuará entre o Rei e a Rainha de Espadas.

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Lembra-me isto... Talvez não possa denominar uma lembrança, chamar assim. Não consigo penetrar na significação deste termo, no sentido deste símbolo. Diria recordação mesmo. Fora das diversões, brincadeiras, pentelhices com os brinquedos, bater figurinhas com os companheiros, peões, bolas de gude, pipas... Laços infantis cortados, ceifados, as con-versas dos adultos sobre a morte, os problemas existenciais, de saúde, sentimentos e emoções tão diferentes, outro sentir as coisas. E deste tempo tenho consciência do que intenciono dizer.

Início.

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Ilusões, espectros de quimeras

Vir-a-ser do além, porvir do finito

Nas bordas lúdicas de subjuntivos

Do pleno efemerizadas nos temas do silêncio

Silêncio do deserto, o nada per-vaga

Na cintilância das estrelas,

Deserto da solidão, as carências

Passeiam no brilho resplandecente da luz

Nas contingências do nada a luz

Fosforescente dos abismos abissais da alma

Fronteiras de solstícios da verdade...

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A odisséia do tempo, a epopéia dos verbos e metáforas,

Inscritos a primor, excelência, o porvir arquitetando,

O há-de vir de sensações redigindo,

O há-de ser de idílios rabiscando, de desejos da verdade, o rabisco,

Haverá-de ser às contro-vérsias das conjunturas,

Re-versas das ideologias, hipocrisias, aparências,

In-versas de etiquetas de virtudes, glórias,

Reversas de clichês de quedas,

In-vertidas de intelectuais de plantão, idéias e ideais servem à hipocrisia, uma luva de seda arábe,

O eu-póstero que se alimenta do néctar de sua

Verdade si-mesma, ao longo do tempo, das circunstâncias

O amor poster-crescer as seren-idades

Das regências de verbos outroras sonhos,

Das conjugações de tempos verbos,

E das chamas secretas das achas na fogueira,

Integralizando-se e con-cebendo a baila dos espíritos

Intros-pectivos, circunspectos, errantes,

Luz na varanda solitária...

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É próprio do espírito sentir e experimentar dentro de si, como ressonância, todos os seres e o Ser. Lamento sobremodo nada poder dizer-vos, senhores de tão colossal, magnificência, um templo de cento e vinte anos de existência, de mais rejubilante no tangente ao pretérito, porque o amor que age, comparado com o amor contemplativo, é algo de cruel e de atemorizante. O amor contemplativo tem sede de realização imediata e de atenção geral. Chega-se ao ponto de dar sua vida, com a condição de que isso não dure muito tempo, e que tudo se acabe rapidamente, como no picadeiro, sob os olhares e os elogios. O amor atuante são o trabalho e o domínio de si, e para alguns toda uma ciência, é o "nós" que, enlaçados de utopias, fantasias, quimeras, verdades da contingência, cria o destino, as alamedas por onde trilhar, e para outros estilos, linguagem, a arte do verbo e do sujeito.

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Desejo redigir com a afabilidade dos verbos e o eu em conflitos, carregando na mochila as requerências, requerenças, exigências no sendo a vida, In-[vestig}-ação, vestígios que se posterizaram, não se perderam na ação, na ação do verbo dentro do tempo. Redigir desvarios, devaneios, não de demandas dos revérberos, trocas de diplomacias de pósteras hipocrisias, vaidades, o sonido de tudo, con-templando-me ao longínquo, ao alhures, a fragrância das volúpias, das utopias, dos sonhos e verbos. A gustação do há-de ser, há-de porvir, ad-vir.

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Até mesmo o deserto adquire um sentido? Sobrecarregá-lo de musicalidade, de ternura, de ensino de Línguas, nacional, estrangeira, as utopias da entrega à educação. É um lugar consagrado por todas as dores do mundo, por todas as peregrinagens na meditação, na reflexão, o sentimento profundo do silêncio que precede talentos, dons, e que concebe as melopéias das serestas e serenatas, melancolias, nostalgias, algazarras das conquistas e glórias, suavidade do violino dos sonhos. Instam nos verbos que teimam a per-sistir, in-sistir, ousar na continuidade, sem-fim da poesia-logus do saber e do intelecto, avançar com a existência.

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Contradizem-me o espírito e a alma, entre encalços e tropeços inscritos, prescritos, proscritos, que vou entregando em mão do pretérito e de outroras

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Mas o que o coração necessita e reclama em certos momentos, ao invés disso, são justamente lugares constituídos de poesia. Lera no poema de inestimável amiga um excerto, "... a existência é engalfinhar-se que nós a desenleamos com a exultação e erudição..." da memória, e redigi tempos imemorais.

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O sol está nascendo, próximo de correntes quebradas, do louro da montanha e das pedras rolantes. Imploro para saber que medidas agora ele tomará.

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Quiçá ladear os perímetros, extensões, amplidões da ec-sistência seja a inspiração de uma pintura de um menino à volta com os seus brinquedos, atrás dele, ao lado, um rosto perscrutando a cena e o cenário, encostado ao parapeito da sacada, sobre ele um tapete persa enrolado, cogitando, refletindo, meditando as vivências, o vivido; o rosto atrás de si é a criança que não fora, lembrando-se do pretérito, alamedas de poeiras, becos de cascalho e areia, ruas de pedras e avenidas de asfalto, praças públicas, recostado numa porta fechada os brinquedos, representação, o imaginário, mas ficava no seu quarto às voltas com os deveres de casa, os estudos, e antes o baile do alfabeto e suas inúmeras performances, aglutinações, as palavras, as pronúncias, a leitura, o encanto.

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A memória dividida entre Júpiter e Apolo. Mensageiro chegou com um rouxinol preto. A eterna agência de correio, "passando por debaixo de problemas..." O rouxinol trinando seu canto pousado no trapézio da gaiola. Vi na escada a sombra refletida de mim, e eu não pude deixar de segui-la até perto da fonte onde levantara o véu.

#RIO DE JANEIRO(RJ), 17 DE DEZEMBRO DE 2020, 09:39 a.m.#

 


 

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