DOCE IMPRESSÃO DE AGUARELA# GRAÇA FONTIS: PINTURA Manoel Ferreira Neto: PROSA


Epígrafe:
"Pretéritos perdidos no tempo afloram sinfônicos saudosismos no presente" (Graça Fontis)

"De vozes que ecoam nos lamentos, os cânticos de melancolias..." (Manoel Ferreira Neto)

Falas silenciosas, vozes mudas...
Falácias contra-dictórias, verborreias dial-écticas...
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O domingo amanhece esplêndido e preguiçoso numa soberba de tentação de azul, fresco e transparente. As montanhas da baía, o Pão d´Açúcar, os Orgãos, e, lá longe, o Corcovado, sem um floco de nuvem branca ou escura no topo, desenham-se na eteral limpidez do ar calmo, dão a vista uma doce impressão de aguarela. Bela manhã para um bródio sobre a água! Quiçá os benefícios dos dons e talentos para dar a este domingo umas tintas de paleta rembrantesca! Dou-lhe todas as perspectivas de meu sonho que especula, e lhe colo metafísicas, enigmas, mistérios, causas primevas e primeiras - o azul do mar, nele a imagem de um rosto, observando o azul do céu, ao redor símbolos, signos...
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Sabe, viajante do sublime, acreditava poder ser feliz, jogando glórias fora, esbanjando conquistas. Acreditava num mundo grande, onde os homens pudessem se saber solidários, compassivos, humanos, onde de mãos dadas se satisfaziam com as conquistas dos outros. Acreditava que a minha rua daria nas estrelas... a fresta de uma árvore, em verdade, uma mangueira, daria no infinito, na eternidade. Cria que o portão de entrada de minha residência fosse vista para a estrada de ferro, assistisse à Maria-fumaça passando, vagões de passageiros, onde observaria este espetáculo no crepúsculo. Sonhara esta noite com alguém me dizendo sobre as andanças, quantas já não fizera, e encontrara a terra onde me instalara e sentira bem, a terra-mãe. Talvez neste portão já me habitassem as andanças, preparasse-me, embora longínquas e distantes estas revelações.
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Fios de outono nos anéis do orvalho, centelhas de primavera na floração orquidisíaca do amanhecer de simples estesias, pormenores tão menos são cobras que se auto-devoram pelo rabo, nuanças de dores e sofrimentos adentro longas noites de insônia, vigília de letras e sons, de cores e imagens, luzes e contra-luzes, de vozes que ecoam nos lamentos, os cânticos de melancolias, nuances de verdades e vazios que se entre-cruzam, blues, countries, rock´n´roll, românticas acompanhando, uma boa película de Farwest, espairecendo das idéias.
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Que saudades têm os homens da fronte em busca do poente, do riso atirado na luz de orquestra e flores. Que saudades residem no âmago dos homens que lhes são húmus para outras andanças. Que saudades têm os homens do antiquíssimo fora de si, do turbilhão lento de velhas canções, serestas, serenatas, vesperatas, na imaginação sobre os olhos da vida regrada, acompanhada de linhas que traçam a essência da Vida revelada como Amor, um amor total destituído de todo egoísmo, particularismo, sentimentalismo, solipsismo – é este amor absoluto de um homem por outros seres, onde reside o poder de criação, mergulhando raízes na mais Verdadeira Tradição, a glória de intenções da estesia das utopias sin-estéticas.
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Somente quem se tornou livre de si mesmo pode empenhar-se altruisticamente pelos outros. Somente quem entendeu e compreendeu o eu só se faz enfiando a mão na cumbuca, no fogo consciência das contradições e nonsenses, através delas procurar modo e estilo de artificiar a existência.
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Arrebiques de raios de sol crepuscular incidindo na soleira da montanha onde as ondas tocam, batem, que espetáculo de fino esplendor, poente de imagens nas nuvens, pássaros sobrevoando o oceano, parece um homem passeando ao léu... quiçá o talento de plasticiar na tela a pintura desta re-velação artística-espácio, recolheu-se, outras nuvens cobrem o espaço, outra imagem se a-nuncia.
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Falas silenciosas, vozes mudas...
Falácias contra-ditórias, verborreias dial-écticas...
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Imagine, viajante do sublime, é no sublime que me sou, que sobro, arquitetei dizer o que habita a alma em todas as suas dimensões, arquitetei ouvir o silêncio, ouvir-me sendo. Arquitetei, de passo a passo, descer os degraus da escada, arquitetei o conhecimento de quem sou, de onde a-colher, re-colher as seivas de sonhos e utopias, do espírito da vida. Arquitectei aquela calma e tranquilidade de uma tarde, êxitos somando às pencas, bebericando, saboreando bom vinho, aos poucochitos, como saudoso amigo dissera, há-de tomar aos poucos, sentindo o seu sabor, aquela re-flexão terna e meiga das vias por onde trilhara a existência, nada de saudosismo, nada de futurismo, apologia ao que há-de vir ou ser. Cri poder compor a sinfonia da liberdade, phylarmonica do verbo ser.
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Peregrino estelar, seguindo a luz diáfana em ondas de raios faiscantes, luminosos, a busca itinerante de a-nunciações de estrelas cadentes que mostrem o sítio inicial de outras definições, concepções, acepções da verdade, regências e conjugações do verbo-ser poético, in-versas metáforas e estesias dos princípios de relíquias do eterno-divino, liberdade absoluta à luz dos tempos.
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Assoma-me que só subsisto em momentos de ápices eternamente in-vulgares. Alvoroços e sensibilidades são distintos. Como se experimenta no mundo, a veracidade é o isolamento. É o ser quem aporta sofrer e comover-se, estremecer-se mesmo, estrebuchar no chão de tanta dor. Terá aprofundado por integral em seu âmago, "Integrado" dele, pesaroso. Isto a que cognominam jazer-se, é-me in-executável encavacamento, exíguo confrangimento. Atinjo-lhe a profundeza, submergindo mais e mais no que está despontando em mim. Não alcanço perceber mais o termo isolamento. É através dele que me sinto, o que me habita consciente e inconsciente, consciente das coisas do mundo, da farsa pia dos homens e da humanidade, livre para decidir esta ou aquela ideia de mim seguir, compor as canções que me embalem os sonos.
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A comparência breve no tempo. Agencio a singularidade no imo e alma. Atalham-me de achar um adeus genuíno, causais a plangência e a insipidez de tão imensuráveis são.
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"Repousaria nalguma serrania do futuro longínquo,
Remoto, nalguma subterrânea,
Quando aliciaria mercês à incomparável locução que me consome,
A que meu coração não verbaliza imensuráveis são...
Falas silenciosas, vozes mudas...

Falácias contra-ditórias, verborreias dial-écticas...
#riodejaneiro#, 21 de julho de 2019#

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