**NÁUSEA DO VAZIO/VAZIO DA NÁUSEA - XXII PARTE** - Manoel Ferreira


Nada fácil colocar seis drágeas de remédios na mão feita concha... Sente-se que está vivendo de medicamentos. Contudo, é necessário. Berenice colocou-os num pires de xícara na minha frente.
- E é para tomar os remédios, Sérgio - disse-o categoricamente, sem qualquer chance de recusa - Estou vendo a sua carinha, olhando para eles. Você precisa de tomar os remédios. Quer ter um verdadeiro AVC e ficar com sequelas? Quer isto?
- Não quero. Deus me livre das sequelas que deixa o AVC. Deus me livre.
- Então, tome os remédios direitinho. Vai tomá-los nos horários prescritos pelo médico. Cuido disso.
- Está bem, meu amor.
Após o café da manhã, como estava uma manhã de sol ameno, agradável, fomos para o jardim. Berenice agarrada a mim: abraçando a minha cintura.
Sentamo-nos na mesa de mármore, lado a lado.
- Sérgio, posso lhe dizer uma coisa muito séria? Posso, meu amor querido?
- Pode dizer tudo o que quiser.
Beijou-me a face direita, beijo molhado de saliva. Sabe aquele friozinho que percorre todo o corpo? Senti esse frio perpassar-me por inteiro.
- Enquanto preparava o nosso café da manhã, estava me lembrando de quando nos conhecemos. Passei algumas noites pensando em você. Sinceramente, querido, angústias e vazios trituravam-lhe a alma, faziam de você um verdadeiro "zumbi". Estava sim perdido no mundo. Não via respostas para nada de sua vida. E insistia em viver isto. Não sabia o que fazer! Percebia que as coisas tinham de ser como você queria que fossem. Pensei comigo: "Vou deixar as coisas acontecerem. Esse casmurro de meu namorado vai ter de mudar..." Senti profundamente quando você sentiu o amor em você, e senti também que estava tenso, amedrontado. Deixei acontecer.
- Sim... Fiquei amedrontado. Lutei muito interiormente com isto. Luta ferrenha, Beré. E quanto mais lutava, mais dores e sofrimentos, mais tensões. Chegou ao limite.
- Já me disse o porquê de suas recusas em aceitar o amor por mim, admitir que me ama. Mas creio que também era por o vazio, as angústias serem dimensões de sua vida literária, queria vivê-los inteiramente, mergulhar neles, conhecer-lhes. Mas se esquecia do homem.
- O homem não é uma ilha. Desculpe-me o lugar-comum, mas é isso mesmo. Sem a dimensão do amor que habita o homem, ele nada é. Mas sei perfeitamente disso.
- E agora está se sentindo renascido? Angústias e vazios não lhe pegam mais, não é? Vive agora um amor real, humano.
- Sei que a solidão em que estava mergulhado nela fazia de mim um zumbi.
- A sua situação estava, era muito grave, Sérgio - riu - Essa Berenice aqui é do balacobaco, Sérgio.
- Oh, se é... Uma coisa foi muito importante, amor. Você não fez exigências, não pegou no meu pé para mudanças. Deixou as coisas acontecerem naturalmente. Digo-lhe: com exigências, faço tudo da mesma forma, ainda pior. Não aceito exigências.
- Sempre soube disso. Você, amor, é um perfeito "casmurrão". Sou mulher. Tenho os meus jeitinhos de lidar com as coisas.
- Rendi-me ao amor, mergulhando no meu estado de humanidade a viver a vida.
- Agora é viver a vida na sua dimensão humana, verdadeiramente humana. Era disso que você estava precisando: encontrar sua identidade humana, um norte. Sou o seu norte, sua bússola, sua companheira, sua mulher que o ama demais, ama muito mesmo.
- Não encontrei apenas uma bússola, um norte. Encontrei uma mestra para me seguir, uma mestra do amor.
- O amor transcende a tudo. Amor da essência de que é feito o ser humano. A insustentável leveza do ser pode-se traduzir ao transbordamento da felicidade, não acha?
- Do vazio à plen-itude do amor.
Levantei-me da mesa. Andei um pouco pelo jardim. Berenice ficou me olhando. Senti os seus olhos nas minhas costas. Havia intuído algo que iria dizer. Por isto, levantei-me da mesa. Achei muito precipitado o que me ocorreu. Com ternura, acariciei uma rosa branca.
- Sérgio - chamou-me - Por que não diz o que está pensando? Diga, meu bem... Estou aqui para ouvir.
Virei-me. Estava naquela posição tão a si peculiar: cotovelos nos joelhos, amparando o queixo com as mãos, olhando-me fixamente. E no olhar a espera de algo.
Levantou-se da mesa, foi ao meu encontro. Abraçamo-nos. Beijamo-nos. Maravilhosos os sentimentos, lindos.
- Então, meu amor...
- Então, o quê?
- Vai me dizer ou não o que está pensando?
- Fico admirado como você me conhece, conhece profundamente. Está dentro de mim, escarafunchando-me.
- Meu amor, deixe de rodeios... Precisa de parar com estas escapadelas.
- Está bem...
- Diga...
- Quer se casar comigo verdadeiramente? Casamento como manda o figurino.
- Meu amorzinho querido...
Pulou no meu pescoço de um modo que caimos no chão. Rolamos na grama, abraçando, beijando, amando-nos.
- Era tudo o que eu queria ouvir, Sérgio... Sim, vamo-nos casar como manda o figurino. Agora, amor, preciso ir aos afazeres. Tenho de fazer umas compras no centro da cidade. Acho que não tem problema de irmos juntos. O sol não está quente.
Fomos nos produzir para sair.



Manoel Ferreira Neto.

(31 de março de 2016)

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