DIMENSÃO DO ONÍRICO/REAL, ERÓTICO/VIVENCIAL, NA OBRA DE Albérico Agripa - Manoel Ferreira


Conto - Diário dos amantes.
(Albérico Agripa)



O contista se revela no que tange à narração, que não se sabe se onírica, se realística, síntese do onírico e do real, digressão do personagem: ora consciente; ora na digressão... A linguagem e o estilo, neste sentido, tem as suas "curvas", e o autor sabe lidar com elas, abrindo panoramas para a história. O cronista se re-vela no que tange à sensibilidade da narração, é quando ele mergulha profundo na alma do personagem, mostrando a sua sensualidade, sexualidade. Trata-se de uma crônica erótica. O erotismo hoje se tornou vulgaridade, vulgarismos. Mas o erótico nesta obra conto/cronica é dimensão da espiritualidade, simbolo, signo do ser. O uso das figuras de linguagem que são abundantes e elegantes retira qualquer possibilidade, mesmo no inter-dito, da vulgaridade erótica. Onírico/real, erótico/vivencial. Impressionamente: o onírico está na linguagem do texto, a linguística, o real está no estilo, a semântica. Daí, este texto ser OBRA-PRIMA DA LITERATURA CONTEMPORÂNEA.



Manoel Ferreira



Conto - Diário dos amantes.
(Albérico Agripa)



Se quiseres uma coisa bem feita faça você mesmo!
É assim que começo a contar os fatos que me ocorreram: reais ou não. Futuro ou passado, sei lá...
Mas, é algo que, a princípio, não existem palavras que definam, realmente, os sentidos; menos, ainda, a indefesa dos sentimentos.
Acredite ou não, ainda hoje meus pensamentos são reflexos de um vídeo tape fiel que, mesmo após uma eternidade, relataria cada segundo desta expoente realidade.
Pensei em entregar tudo a um poeta, para os contar, em prosa e verso...
Falar do olor das rosas que nascem solitárias nas montanhas mais altas do planeta, apenas para glorificar a lua, em noites estreladas...
Quem sabe a um músico, que cantaria, em poucas palavras, uma melodia harmoniosa.. Isso, talvez, faria a todos entenderem...
Mas, preferi ,com minhas simples palavras, definir, com sinceridade, o que nenhum deles conseguiria. Mesmo que fosse escrito num livro de mil páginas.
Apenas nunca me peça para explicar o que não consigo entender, pois, não sei mais aonde estão os rumos dos meus dias...
A abertura suavemente se fez a minha frente. A madeira empurrada sutilmente pela delicadeza de suas mãos. Ela apenas virou seu rosto e sorriu, disfarçando suas emoções. Seria a atuação perfeita de uma atriz profissional, não fossem seus verdes olhos entregando-se ao fulgor da alma.
Bati a porta as minhas costas. Eu a segui, guiado pela sua mão fortemente agarrada à minha. O som de seus saltos ecoava naquele quarto, fortes como goteiras de chuva no alumínio escorregadio dos telhados. Fiz-me de pura convicção. As quatro paredes à minha volta, esconderiam, do mundo, tudo aquilo que eu iria presenciar.
Ela me acompanhou até a mesinha de duas cadeiras. Arrastou uma para que eu sentasse. Caminhou sutilmente até a pequena geladeira. Retirou a garrafa de vinho. Abriu e derramou na taça. Pôs-se a dançar no ar em pequenos círculos como uma bailarina profissional. Agitou o líquido e bebeu num gole sutil. Vi sua língua vermelha e molhada levemente tocar o fino cristal. Com os olhos fixos nos meus, andou em minha direção, alumiada. Parecia um anjo de luz!
Com o sorriso disfarçado em pequeno traço no canto da boca, esticou o braço antes de chegar próxima demais e me entregou a taça para eu beber. Engoli, angustiado, em apenas um gole, feito um lobo sedento de sangue. E, como folhas secas carregadas ao vento, despojei a fina taça sobre o escuro mármore.
Confesso que meu sangue corria desajeitado em minhas veias, descordando com as fortes batidas de meu coração. Ansiedade e curiosidade, adicionadas a um pouco de maldade. Ela afastou-se. Abriu a bolsa jogada em cima da cama e retirou um pedaço de tecido. Eu não fazia a menor ideia do que seria. Por pouco tempo...
Andou ao meu encontro e, com ele, vendou meus olhos.
Tentei pronunciar qualquer palavra, alguma silaba, um suspiro, sei lá... Mas, fui impedido pelo toque de seus dedos em meus lábios. O silêncio imperou. Ela parecia o grande deus da guerra, autoritário e imparcial, escravizando todos os seus descendentes. O ar entrava e saia de meus pulmões, sufocados pelo desejo inatingível das ninfas dos bosques. Tentei prestar atenção a cada pequena mudança do ambiente, mas nada percebi. Até que de repente: uma dose de ar quente se aproximou. Era sua respiração em meu pescoço e, como a borboleta, amante das flores, pousou sua boca em leve toque. Meu corpo empalideceu de arrepios duradouros. Frios e calafrios percorreram desinibidos pelo meu incontingente consciente. Engoli minha saliva forçando-a duas, três vezes a descer pela minha garganta seca. Em disparos descompassados da alternada pulsação, suspirei. Senti suas mãos roçar minha face e, com muito cuidado, a venda foi retirada.
Ávido, tentei virar o rosto para olhá-la e bruscamente, fui impedido. Ela o desenredou. O perfume de seu corpo passou por mim e entrou pelas minhas narinas. Loucos acordes entoados de aromas sutis das folhas primaveris do cedro. Descalça. Como plumas tocadas na leve brisa das madrugadas, ela deslizou em direção à cama. Sentou-se olhando para o chão. Pareceu-me levemente entristecida. Uma mescla de incertezas e pecados marcava seu olhar distante. Muito além das profundezas daquele piso. Seus braços esticados e abertos apoiavam seu corpo ao colchão. Cabelos presos, tal qual a uma bela e sensual gueixa.
A face, irresolutamente rosada, duplicou a indecisão de sua delicada roupa: uma leve blusa branca e transparente apenas amarrada na cintura, mostrava, desleixadamente, a dose de loucura mais perfeita. Sua pequena peça, a mais íntima de todas, forçava-se, ao máximo, para esconder todos os segredos do mundo: a delícia de seu prazer.
Servi-me de um pouco mais de vinho e o bebi, ofegante.
Senti, naquela hora, que iria perdê-la... Minha vontade foi de gritar, implorar para que me deixa-se noutro dia, mas, não naquele!
Porém, calado, não quis falar, não quis ajudá-la e muito menos tentei influenciá-la em suas decisões. Ainda não consigo discernir o rumo de meus pensamentos. Fiquei indefeso diante de sua beleza! Deixei a emoção rasgar meu peito como um furacão fluindo de um horizonte sem explicação. Fiel, eu apenas me preparei. Sabia, tinha a certeza de que eu iria de qualquer forma, por qualquer de suas decisões, enlouquecer. E, por fim, vagaria, perdido pelo universo... Decidiu-se. Determinada, ergueu sua cabeça. Sorriu timidamente como um pedido de desculpas e subiu à cama. Ajoelhou-se de frente para mim, bem ao centro, sentando-se sobre seus próprios calcanhares. Curvou o corpo levemente para frente e se observou por completo. Como se ela própria estivesse fascinada com sua beleza. Com sutileza, suas mãos se encontraram no ventre, e suavemente se separaram em transcendentes carícias. O vislumbre autêntico dos calafrios, dissipados por toda sua extensão, era perfeitamente visível em sua felpa ouriçada.
Uma das mãos se afastou, tomou o rumo de seus seios amimando-os com delicadeza. Seus movimentos se fizeram um emaranhado de curvas sem começo, sem meio e sem fim. Na mesma hora salientaram o fino e transparente tecido que os ocultavam. Ela me olhou. Mordiscou seu lábio inferior. Eu a observava suspirando profundamente. Atrevido. Com uma fera insaciada que se avolumava em meu ser, decidida a tomar todos os espaços, rugia vorazmente. Sua sensualidade satisfez-se a me ver desconcertado. Fixou ainda mais seu olhar no meu. Eu precisei de um motivo para entender, e ele chegou com todo atrevimento possível. Sua outra mão, sem nenhum apego, sem nenhum pudor desceu de seu ventre e ganhou o infinito. Mulher insana, devoradora da razão, tocou seu prazer. A boca abriu em um sorriso de pura satisfação ao ver-me preso à cadeira. Seu corpo ergueu-se e desceu em única convulsão de entusiasmo. Os olhos se fecharam e sua cabeça foi para trás. O gemido veio de dentro, do mais profundo abismo. Por um momento desanuviei minha mente, percebi sua feição, não era nem de perto a mesma mulher que eu havia visto minutos antes. Estava sedenta por prazer. Apertando os ombros, sentiu que sua mão tomou conta de todas suas entranhas, traçando o longo caminho ao paraíso de seu corpo. Lentamente se contorcia em movimentos de cavalgadas extremas.
Meu coração acelerou à velocidade da luz. Um animal rebelde, enjaulado se retorceu latente, pronto para dar o bote em sua gritante sensação de desespero.
Respirei, respirei e respirei novamente. Minhas mãos apertavam o mármore da mesa com tanta força que branquearam os nós dos dedos. Meus olhos paralisados não piscavam. E meu corpo? Ah meu corpo. Catatônico. Períodos de passividade ,alternando aos momentos de excitação extrema. Tornei-me indecisamente feliz.
Ela percebeu. E isso a excitou para além dos limites da razão. Sua mão alterou seu movimento sem pudor. Frenético, fugaz, louco e derradeiro ao ponto de olhar-me, com aqueles olhos que se misturavam ao verde das matas, pela última vez.
Parecia que o mundo que conhecemos iria findar-se naquele exato momento...
Como furacão, inspirou todo ar do quarto em apenas uma golfada, e o soltou urrando desde dentro de sua alma. Jogou seu corpo para trás em contração violenta e involuntária de seus músculos. Perdeu seus sentidos. Suas forças, esvaíram-se e seus braços ganharam a cama junto de seu corpo. Suas pernas desinibidas. Um mar aberto para eu navegar. Lugar em que sua minúscula peça umedecida tentava esconder a enchente de seu prazer. E sem poder perguntar se ela estava preparada para me receber, entrei em parafusos. Meus olhos fixos. Garganta seca, sedenta de beber o néctar do Oasis de Damasco. Sem pensar, lancei-me enfurecido como um predador feroz. Encontrei-me na insuportável reação de ganância, de poder e de possessão. Tomei-a com minha boca e a bebi.
Bebi e suguei até sua última gota possível. Fiquei perdido, vagando entre o céu e a terra, no mundo dos irreais sonhos banais. Insaciável língua frenética, louca e desvairada bailarina, vulgar e decadente.
Aos poucos eu a revivi. E ao delinear minha loucura, suas mãos seguraram minha cabeça. Sua cintura se ergueu e eu me deliciei cada vez mais de seu sexo, úmido e lambuzado pelo prazer inescrupuloso de seu maná surreal. Eu, um total demente jogado ao extremo da culpa sem desculpas. Ela gemia e crepitava. Contorcia-se como uma víbora sobre a areia escaldante do deserto a cada roçada de minha língua. Eu a beijava como se beijam os amantes em seus eternos encontros imorais, marcados pela culpa. Já não podia mais fugir. Ela, sublime, com a armadilha de suas mãos ao me puxar para cima de si. Naquela hora fui seu homem, seu protetor, amante sem escrúpulos. Pensei em quantas vidas ainda teria para chegar ao fim. Relutante, apenas segui seus conselhos, seus desejos e vontades. Inconsciente eu fui liberando as amarras que me sufocavam. Libertei meu ser mais íntimo. Prisioneiro que pulsava sacudindo abruptamente sua jaula. Demônio devorador e dominador, voraz aberração, gritante e impulsivo. Insaciável dono da razão, certo ou errado; tantos adjetivos. Mas, continuei a segui-la. E o tempo se perdeu no caminho, esqueci-me de mim e bebi cada centímetro de suor de sua pele. Deliciosas lágrimas salgadas de um gozo insaciável, doce pele rosada, arrepiada e imaculada. E antes que minha boca tocasse a sua própria boca, ouvi um sussurro de desespero. Um rogo em forma de oração na fala cansada e distante:” – Me ame antes que eu desfaleça de uma vez...” Não pude entender as últimas sílabas que saíram de sua garganta. Num caminho sem volta a beijei fortemente. Tentando achar o meu eu, encontrei sua língua. Acariciei-a com a minha. Meu sexo, minha alma tal uma rocha sem nenhuma piedade penetrou em suas entranhas. Abriu caminho, forçando, impondo as ordens como a um ditador cruel e imparcial. Porém, na verdade, indeciso, ser irresoluto em suas idas e vindas. Até querer e não querer explodir como um vulcão. Minha torrente tempestade de prazer invadiu seu úmido e quente covil. Nossas almas gritaram desordenadas em cenas obscenas de ânsias loucas. Arrancamos todas as etiquetas, rasgamos os preços e gratuitamente nos entregamos. Misturamos nossos corpos, nossos cheiros em uma paixão impulsiva...
∞∞∞
A garota sozinha em seu quarto. Em suas mãos o diário dos amantes. Fixa e ofegante denegriu seus maliciosos pensamentos em cada linha, a cada palavra. Esqueceu-se dos pontos e das vírgulas que enfatizavam sua verdadeira história, excitou-se.
Um livro largado e abandonado no chão. Um leve toque em sua sensibilidade. Pequenas carícias de volúpias intensas. Um prazer profundo. Uma pequena lembrança em um sorriso sem pudor de prazer saciado e o adormecer...



Albérico Agripa.



(14/03/2016)


Comentários