//**ANTES POUCO DO QUE NADA**// - Manoel Ferreira


Assim anda a humanidade: quando não é agarrado no rabo do capeta, é nas pontas de seu tridente. Santa inteligência: ao longo dos séculos a humanidade andou raspando o vazio, raspando com a faca de seus desejos de glória e poder o lodo das virtudes e dos valores eternos, esperando assim atingir o nada. E o "nada" não se a-nunciou, não se re-velou. O abismo sim veio à superfície com toda a sua pernosticidade.
Antes o nada vazio do que nenhum nada. "O vazio re-colhe, a-colhe o múltiplo" - assim me dissera com todo o orgulho de sua intelectualidade um doutor em Literatura para quem os "corruptos" no poder é sinal da proximidade do Apocalipse, quando a humanidade alfim viverá seus valores e virtudes dignamente. Nada é para sempre, pode até demorar um pouco, mas o nada será preenchido de outros nadas, o nada completo, cheio, pleno atrai como o capeta, atraído o capeta, a vida se transforma, vivem-se tantas coisas ótimas e maravilhosas.
O capeta no nada extasia as perspicácias, destrezas, espertezas das falcatruas, tripúdios com o absoluto, divino, momento de excelência para sarcasmos, ironias, cinismos com os dogmas das chamas do inferno crepitando as almas até para além da consumação dos tempos. O nada habitando a essência diá-bolica do capeta alimenta, nutre os seus chifres pontiagudos e cauda extensa, de fio a pavio além do mal e viperino, e assim ele dança lindo o perfeito da ópera do apocalipse, ele artista principal e coadjuvante do medo de sempre estar figurando, pre-figurando entre os caldeirões e chamas, o deus da iluminidade das trevas, a memória lhe mostrando o anjo divino que era. Deus no genesis era um déspota, tirano. E ele nem por ínfimo instante de imaginação fértil criou o Hades, Deus o fez e jogou-o nele sem dó nem piedade. Oh, destino, oh, vida, quê desgraça perene!...
Mas o capeta do nada, o nada dele nas sendas e veredas das estradas empoeiradas, mata-burros de légua em légua, deixa passos e traços no ofício de ossos, conjugado à alma de cinzas ósseas que desejam impreterivel e irrevogavelmente a luz das chamas ardentes a incidirem seus raios no pretérito do eidos do sofrimento e dores do efêmero da ressurreição e redenção dos vaticanos princípios da luxúria e consciência livre dos pecadilhos da solidariedade do bem que posterga a morte do mal nas frinchas do eterno...
Antes o nada do capeta, antes o capeta do nada do que o absoluto de Deus, a essência do divino-eterno, da etern-idade divina. Antes o "O" do que o "A". O "u" fica a critério do fogo da lareira que crepita as linhas da fugaz etern-idade da morte na vida que nasce sem razão. As outras vogais ficam à mercê dos subjuntivos pretéritos do particípio da vida que é ser-para a morte.
Antes pouco do que nada. Amo o nada, sou apaixonado por ele. Venero-lhe, só não o espero na porta do cemitério, o nada é o eidos, o cerne, o núcleo da vida que é concebida no caos, gerada no abismo, dada à luz no ad-vir do efêmero-fuga, do fugaz-efêmero.
Antes catar uma côdea de pão na calçada, no saco de lixo jogado na porta de uma residência do que pedir a alguém um pedacinho de linguiça ou torresmo de porção num botequim, os fregueses olharem-me com indiferença, sou nada para eles que precisam de beber para fugir da desgraça em que vivem, do nada da vida. A fome é digna, valendo a morte, diante da luxúria da sociedade morta de sensibilidade, morta de espiritualidade. Antes a fome do que a esmola luxuriosa da sociedade. O nada da luxúria não alimenta o pleno da fome.
Por que o pouco antes do nada? Ou antes que o nada?



Manoel Ferreira Neto.

(11 de março de 2016)

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