**NADA DO VAZIO/VAZIO DO NADA - XVIII PARTE** - Manoel Ferreira


Poesia. Po-esia. Poema. Po-ema
O que entender? Entender não é mister, o importante é viver.
Viver com o sapato nas portas da morte, salto solto arrastando pelas ruas, bico furado, o dedão do pé esquerdo à mostra, sem dizer que plenamente sujo. Sonhei isto esta manhã. Mostrava a uma pessoa, dizendo que estava precisando urgente de um sapato. Havia outro sapato, quase o mesmo do outro, a diferença é que tinha buraco no solado. Quem andaria nos meus sapatos? Só se andasse em cima dos meus pés descalços. Ninguém o faria.
Creio a razão específica deste sonho ser por, namorando Berenice, deitado numa toalha no jardim de sua casa,observando a grimpa de uma árvore frontosa à soleira do portão, onde tiramos algumas fotos, disse-lhe iria comprar sapato novo, um sapatênis, assim estava começando a modificar o meu layout. Respondeu-me que sim, haveria de cuidar dele com todo esmero. Visto-me muito bem, mas estou precisando usar camisete, camisa de manga curta, a vida inteira só manga comprida, estou sendo o mesmo. Sou ainda jovem, minhas vestes estão mostrando um homem velho. Vestir calça jeans e não apenas sociais. Vivendo juntos, cuidará de meu estilo. Serei outro homem. "Mas não se esqueça de que é compromissado, você tem uma mulher. Nada de se envolver com assédios". . Quem pensar em ciúmes, multiplique três vezes, encontrou o nível do ciúme.
Na missiva que lhe escrevi, confessando o meu grande amor por ela, referia-me à crise do vazio. De imediato percebeu, mas preferiu não tocar naquele assunto. Era o momento de nossa intimidade, curtirmos o nosso amor.
- Sérgio, você anda bem diferente. Sei que aconteceu alguma coisa. Até quando pretende esconder isto de mim - dissera-me isto, deitando a cabeça no meu peito, acariciando-me o rosto - Você teve uma crise de vazio, não teve? Não escreveria como escreveu a cartinha para me confessar seu amor, sobre essa crise, se não a houvesse tido? Não é verdade?
- Sim. Isto aconteceu um dia antes de você viajar para a fazenda de seu amigo. Não quis lhe dizer para não viajar preocupada? Não. Não quis lhe dizer porque sabia que iria desconfiar dos meus sentimentos de amor por você haviam sido a razão desta crise. Tive essa crise sim, meu amor. Simplesmente mergulhei no abismo de "ponta-cabeça".
- O medo de me amar causou tudo isso?
- Exatamente.
- Sou a sua alma, não é, meu amor? - dera um sorriso, levantara a cabeça de meu peito. Saiu dançando na grama. Estava de shorts curtinho azul com bolinhas pretas, camiseta branca decotada, sem soutien, os cabelos castanhos caindo-lhe no ombro. "Sérgio me ama... Sérgio me ama... Aí, amor, consegui o que queria: queria que se confessasse, mostrasse-me o seu amor.
- Essa Berenice, hein!
- Pois é...
Contei-lhe que numa manhã de chuva, estava com um paletó cinza. Lembrei a Berenice de nosso encontro com meu irmão Saulo. Encontramo-nos com ele no restaurante. Jantamos juntos Após o toque de mãos, disse-me na "lata: "Sérgio, que paletó desgraçado de feio. Jogue isto fora. Passe lá em casa, vou-lhe presentear com um paletó. É paletó para ocasiões especiais. Sérgio, você está namorando com uma mulher bem mais nova que você. Precisa entrar no ritmo dela." Realmente, após alguns dias presenteou-me. O outro coloquei no saco de lixo e joguei debaixo da árvore frente ao meu casebre, uma casa de quatro cômodos. Tenho uma secretária que arruma a casa, faz almoço. Só trabalha na parte da manhã. O carro da prefeitura sempre passa para recolher o lixo. Noutra ocasião fora passar uma camisa de nylon, queimei a entrada do bolso, queimado pequeno. Poderia tirar o bolso. Daqui à casa de Saulo com ela. De imediato: "Como você tem coragem de sair com uma camisa queimada de ferro, Sérgio?! Tome vergonha nesta cara, homem! Cuide de sua imagem. Um escritor famoso, andando nestas condições? Jogue esta camisa fora, Sérgio". Não a vesti mais, ficou dependurada no cabide do guarda-roupa. Após muitos dias, fui tirá-la para tirar os bolsos, conferi o colarinho puído. Joguei-a fora.
Quando fui receber um diploma como Colaborador no tablóide Urutu, sessenta e cinco outros receberam em diversas categorias, fui com um paletó marroso horroroso, parece aqueles paletós que as pessoas pobres compram para usar nestas ocasiões, barba branca grande:
"Ora essa, Sérgio. Estava com seu amigo, Gregório Pindes, oitenta e nove anos, estava parecendo pai dele. Tinhamos tido uma discussão. Sem querer, chamei-o "embusteiro". Você não gostou. Chamou-me a atenção seriamente. Mas sabia que era sim: Tinha alma sim, sabia que tinha. Queria não tê-la. O sentimento de amor foi amor, meu amorzinho. Ficamos três semanas sem nos encontrar. Não o procurei. Fiquei no meu canto. Teria que assumir o seu amor. Ficou barbudo. Quando vi sua foto publicada na Linha do Tempo no outro dia, logo que entrei na Internet, deu-me vontade de esganar você, Sérgio. Quando vivermos juntos, vou trazer você num cinchado só. Tome atenção homem!"
Acordei-me por volta das oito e meia. Olhei-me no espelho, quando escovava os dentes: "Berenice preocupada com as minhas vestes, a seteira japonesa mais que acentuada, rugas nos cantos dos olhos." Dei uma risada que penso até na Cochinchina se lhe ouviu. Dizem que a água quente envelhece a pele. Tomei banho nágua abaixo da morna.
Sou mais velho que Berenice vinte e dois anos. Ainda é muito jovem, trinta e três anos. Daqui a dois anos graduar-se-á em História.
- Amor, desde que você e eu retornamos a Marília do Natal, dediquei-lhe alguns poemas, pela manhã enviei post de rosas, tulipas. Sempre mimos e poemas.
Estava sentada no banco de mármore no jardim, eu ainda deitado na grama.
Era tardinha de sábado.
- Sérgio, posso pedir uma coisinha? - levantou-se do banco e se aproximou de mim, ajoelhou-se ao meu lado - Pode, amor?
- Pode... O que é?
- Quero ir ao shopping... Você me leva?
- Vá tomar banho e se arrumar.



Manoel Ferreira Neto.
(30 de março de 2016)


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