**NÁUSEA DO VAZIO/VAZIO DA NÁUSEA - IX PARTE** - Manoel Ferreira


Manhã. O tempo nublado. Em pé na porta, encostado ao portal, olhando o nublamento do tempo. Acordei por volta das quatro e meia da madrugada. Não mais consegui dormir. Rolando na cama de lado para outro.
O reencontro com Berenice, tendo ela viajado, está de férias de seu trabalho, não diria haver sido frio, mostrou-se ela sensível, sentiu saudades de mim, sou importante em sua vida. Beijou-me tão entregue de si, acariciou-me o rosto com ternura. Quisera cor-res-ponder à sua felicidade e alegria, o meu beijo foi exatamente o de cena cinematográfica, beijo prático, técnico, pura re-presentação de amor pleno, absoluto, amor para sempre até que a morte separe, vida de muitas alegrias, contentamentos; desejava sentir esse amor por ela, mas não conseguia, não acontecia em mim dentro.
Após o beijo, a carícia no rosto, deitou-se na rede. Olhei nos seus olhos. Percebi que ressentiu o meu beijo. Pelo brilho deles, intuí perfeitamente desconfiava de algo, o que teria acontecido comigo, estava muito diferente. Não sabia de minha crise. Se me perguntasse a razão de estar tão diferente, não saberia res-ponder, não saberia descrever a crise, não teria palavras. De algum modo, teria de lhe dizer a verdade. Fizesse-me o favor de não tocar no assunto, ficaria agradecido.
- Amor, adorei estes quatro dias na fazenda de Gomes Sampaio - dissera-me sorrindo. Quem dera ela tivesse a capacidade de descrever os prazeres que tivera! - Não vai acreditar. Fui pescar com a Helenice. Não tive paciência de esperar o peixe fisgar o "mimo". Larguei o anzol no chão. Pulei no rio e nadei, nadei, nadei. Como que Helenice iria continuar a pescaria, se estava eu nadando. Tambem ela pulou e nadou. Passamos a tarde inteira deitadas sobre a toalha de banho, na grama, colocando as fofocas em dia. Não quis ir, perdeu a oportunidade de um bom passeio, diversão.
- Não gosto de estar em contacto com a natureza - acendi um cigarro, dei um trago longo e forte - Sinto-me angustiado.
- A natureza faz tão bem à alma. Sentimentos e emoções grandes, alegria, contentamento. Particularmente, sinto a vida, desejo de realizar muitas coisas, esperanças, sonhos. A natureza é mágica, Sérgio. Mas por que não gosta de estar em contato com a natureza?
Nunca ouvi dizer de um escritor não apreciar a natureza. Em verdade, são apaixonados por ela. Por que não se sente bem? Por que a angústia?
- Não sei explicar, Beré...
- Não sabe explicar.
- Não sei mesmo. Soubesse, diria.
- Nem quer saber, não é? De que você gosta, Sérgio? Tenho minhas dúvidas se realmente gosta de mim, ama-me.
- Isso não é verdade. Não, não é. Amo você, benzinho - senti impulso, ímpeto de dizer-lhe estava enrolando o tempo com ela, era um modo de não estar sozinho, não podia fazê-lo. Iria sentir-se magoada, ressentida. Não merecia ouvir esta verdade. Gostava dela sim, de seus carinhos, de sua entrega incondicional a mim, sincera, digna, honrada, verdadeira. Ademais, se lhe dissesse, diante ao ressentimento, à magoa, efetivamente terminaria o namoro.
- Como não é verdade, Sérgio? - levantou-se da rede, estava deitada, sentou-se nela. Olhou-me fixamente - Agora mesmo, no nosso beijo, senti algo muito estranho. Indiferença aos meus sentimentos. O que está acontecendo?
- Acontecendo? Como assim: acontecendo? - apaguei o cigarro pela metade no cinzeiro ao meu lado.
- Algo aconteceu com você para estar tão diferente.
- Nada aconteceu, Beré. Estou bem.
- Sinto, quando não quer me dizer as coisas. Você não é um homem de gestos, atitudes carinhosos, não é? De vez em quando, dá-lhe aquelas euforias, abraça-me, beija-me com fervor. De vez em quando... Com as palavras é um amor, diz do amor de modo tão sensível, poeticamente. Mas fico me perguntando se não é criação sua, afinal é escritor, sabe lidar com as palavras, mas na verdade fala de um amor distante de você, como se quisesse muitíssimo sentir este amor, mas não o sente.
- Nada disso, Beré. Amo você sim. O que lhe digo é expressão de meus sentimentos e emoções. Não sou hipócrita.
- Está vendo, Sérgio. Quando começo a dizer as suas coisas, você logo se exaspera, até a sua fisionomia muda. Não disse que você é hipócrita, meu amor querido. Amo tanto você e queria participar de sua vida, saber de você. Você não permite. Sempre trancafiado no seu mundinho.
- Trancafiado no meu mundinho? Berenice, desde que nos conhecemos, há três meses, deve ter percebido que não sou de gestos fáceis.
- O que chama de "gestos fáceis".
- Impulsos, ímpetos, compulsividades.
- Benzinho, isto tudo faz parte do amor, de uma relação. Isto é a entrega. Você não se entrega, não permite que o outro entre no seu coração. De que tem tanto medo, Sérgio? Seja verdadeiro.
Hora "H"... Dona Marelise chegou no alpendre com uma bandeja, um lanche. Biscoito de queijo, suco de morango, pão de forma, presunto, o Kobu que é a sua especialidade na quintada, uma delícia.
Tomamos o lanche juntos. Berenice havia dito de sua pescaria que em nada deu. Não teve paciência de esperar o peixe fisgar o "mimo". Mas não disse sobre ter andando a cavalo, aquela cavalgada com Helenice, conversaram sobre os planos futuros; ela estava pensando em casar-se logo, quatro anos de namoro, estava na hora, tinha certeza de seu amor por Henrique, tinha convicção do amor dele por ela. Fora o assunto do lanche.
Embora toda a alegria em descrever os seus dias na fazenda, percebi uma mágoa muito profunda, tentou esconder da mãe. Amava-me tanto e não sabia de meu amor por ela. Seria que a amasse?
Como dissera antes: após o lanche, chamou-me para assistir ao filme MORRO DOS VENTOS UIVANTES. Aceitei, sabendo de antemão às revezes que teria de assistir ao filme ao seu lado. Não poderia sair. Não sei o porquê de nunca ter conseguido assistir a esta película.
Não demorou muito estava produzida. Vestido branco longo, brinco caindo nos ombros, sapato de salto. Estava linda. Saímos de mãos dadas.



Manoel Ferreira Neto.
(28 de março de 2016)


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