#SABOR DA MAÇÃ# GRAÇA FONTIS: PINTURA Manoel Ferreira Neto: PROSA




"... nós, os outros, com sede de razão, queremos olhar bem nos olhos de nossas vivências, com tanto rigor quanto numa pesquisa científica, hora a hora, dia a dia."(Nietzsche)


A lua vai, alfim, aparecer. A neblina alastra ao meu horizonte sem fim, aos meus uni-versos por serem, os olhos doem-me da nitidez estéril, do nítido nulo, da aparência frígida, da folha limpa por escrever. Timbre de prata, flutua. As cordas da lua tremem. Passam a legenda e os anjos, passam os mitos e as fadas.


Passam os ritos e as bruxas. Passam as lendas e feiticeiras.
Passam os mitos e os sacis-pererês. E as coisas que deveriam ser resolvidas antes não passam, trans-literalizam-se no tempo, ficam à mercê das imensuráveis interpretações e jamais haverá uma res-posta plausível. Que é que isto quer dizer? Ou nada quer dizer? Devo estar velho, a solidão ec-siste insuportável. Ou quê por ela? De repente a vida ficou muito mais extensa. Os olhos deambulam muito longe, a longitude da cor-res-pond-ência entre o horizonte e o infinito, entre a náusea e o sabor da maçã. Tão extensos, tão longe que tudo atrás fica lendário, tudo atrás é conto do vigário, é estória da carochinha, profecia de monsenhor. Respiro devagar, trago a fumaça do cigarro lentamente. Como se me balanceasse o corpo ao ritmo sereno do universo. Noite ofegante, olho-a. Pela janela, ao alto, sobre o negrume dos pinheiros, silencioso céu. Estendo-me na rede, extenuado das memórias do dia, do cão que latia incansavelmente por estar preso pela corrente, do barulho da água que enchia o tanque de lavar roupas...


#RIODEJANEIRO#, 19 DE MARÇO DE 2019#

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