**QUIÇÁ SOB AS ÁGUAS E O FOGO** PINTURA: Graça Fontis SÁTIRA: Manoel Ferreira Neto



Águas de março fechando o verão... Um rio de águas límpidas...


As águas, aos poucochitos, aos poucochitos, perdem a circulação que vivificava a terra. Perdem, perdem, perdem. As montanhas - não é espetáculo mágico ao alvorecer estarem cobertas de neblina?! - abatem-se e diminuem, os rios carreiam, o mar enche-se e eleva-se, as ondas terminam na praia, as gaivotas alimentam-se das iguarias, tudo, insensivelmente, tende ao nível, contudo a mão do homem retém essa tendência e retarda esse progresso, sem esses tudo, ou quase tudo, não o sei, aconteceria com uma rapidez sem precedentes e a terra já estaria quiça sob as águas.
O antes fascina, extasia. excita. E como foi antes? Quisera responder, mesmo equivocado de tudo, aquele equívoco sem precedentes, quase tornando-se verdade inconteste. Ousar, aventurar, eis o segredo.


Antes do trabalho humano, as fontes, mal distribuídas, espalhavam-se mais desigualmente, fertilizavam menos a terra e saciavam com maior dificuldade os seus habitantes. Os rios frequentemente eram inacessíveis, com bordas escarpadas ou pantanosas; como a arte humana - a arte não é o espírito das trans-formações, a transparência dos mistérios e inauditos? - não os retinha nos seus leitos, comumente abandonavam-nos, extravasavam para a direita e para a esquerda, mudando a direção e o curso, dividindo-se em inúmeros braços. À vezes secavam, às vezes areias movediças impediam de abordá-los e, assim, morria-se de sede no meio das águas.
Morrer de sede no meio das águas? Isso é inconcebível. Fora ousadia, aventura, imaginar o antes, dei com os burros e a carroça na areia movediça.


Se se morria de sede no meio das águas, forçoso é pensar que se morria de fome também. Como cozinhar os alimentos. Alguns alimentos não são comidos crus, como a carne, por exemplo, o estômago e o intestino humanos não são feitos para digerir carne crua. E com que se cozinha as coisas? Nada mais, nada menos que com o fogo. O fogo, além de ser útil para cozinhar os alimentos, ainda apraz à vista e seu calor é agradável ao corpo. Quê esplendor, que magia a visão das chamas, fazem os animais desembestarem na corrida, fugindo, mas atrai o homem. Atrai? Como atrai o homem? A água sempre foi livre, o fogo teme a água, apaga-o. O fogo atrai os homens no sentido de reunirem-se em torno de uma fogueira comum, aí se fazem festins, ai se dança. Cozinhar sem água é impossível, mas assar plenamente possível, carne assada, por exemplo, que delícia. E a sede depois da gula? Os agradáveis laços do hábito aí aproximam, insensivelmente, o homem de seus semelhantes e, nessa fogueira rústica, queima o fogo sagrado que leva ao fundo dos corações o primeiro sentimento de humanidade.


Na poenta senda do horizonte,
vejo trilhos,
Na maresia do mar esplendendo-se no bosque,
Sinto o calor dos raios solares, alumiando as
Vegetações rasteiras, um espetáculo de brilho,
enquanto à noite, nos barcos, na areia
dorme o andarilho.


Sussurram-me as líricas das rosas da existência,
Dos cânticos da vida, que, às vezes,
Tantas lágrimas me custam,
Sensibilizado que fico com os sentimentos
Que se me re-velam, de amor pelos verbos
Que desejo pronunciar com euforia e êxtase,
Verbos de minhas verdades latentes,
Manifestas, inconscientes,
In-verdades de meus verbos manifestos,
Lúcidos, lúdicos,


Infelizmente, terei de remontar isto de o fogo leva ao fundo dos corações o primeiro sentimento da humanidade ao passado. Ao redor de uma churrasqueira, carne e bebida à revelia, os homens se comem com os olhos, recitam e declamam as mazelas dos outros, dão escândalos, isso quando não termina em pancadaria. Hoje, então, o fogo desperta os instintos das desavenças humanas, atrai mazelas em confronto? O fogo é o elemento da transformação que opera sobre as duas outras massas que formam o mundo – o mar e a terra. As coisas se consomem no fogo e se criam a partir dele, o fogo e as coisas se permutam como as mercadorias e o ouro. A natureza do fogo parece dotada de um princípio diretivo em relação à matéria (o corpo), uma vez que é capaz de moldá-la; além disso, o corpo vivo é quente, ao passo que um corpo morto se torna frio porque a alma se desprende dele. As almas virtuosas têm destino diferente do das almas comuns: enquanto estas se diluem em água com a morte do corpo, aquelas sobrevivem para unir-se definitivamente ao fogo cósmico.


A obsessão pelo elemento fogo,
o que vai iluminar a metafísica poética.
É noite lauta para fomes definidas,
para sedes inauditas e ininteligíveis,
para carências seculares, e outra lauda desfia-se incongruente no teclado surdo, na caliência das utopias,
Numinam de cores do arco-íris os auspícios da colina,
Onde os lobos uivam livres e serenos,
Uivam os mistérios fervoros ímpar em total mescla Às derivações da essência Incessantemente em regeneração genuína Concebo um adulterado termo A esta existência encanto Fenecimento acolá do fenecimento, em síntese
Onde as serpentes perscrutam as adjacências,
Um grito ímpar dos sinistros mistérios de seus instintos,
Rogando o verbo da vida em total mescla
Às derivações da essência
Incessantemente em regeneração genuína
Concebo um adulterado termo
A esta existência encanto, o encantamento de suas utopias, Fenecimento acolá do fenecimento, em síntese.


Tempo de re-colher do incógnito,
In-audito,
Miríades de inspiração para a balada da liberdade.
Tempo de a-colher nos recônditos dos sonhos
que con-duzem à caverna das idéias
o que solsticia horizontes.


#RIODEJANEIRO#, 24 DE MARÇO DE 2019#

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