**VIGOR E NATIVIDADE DA FLORAÇÃO** - Manoel Ferreira


Nas arribas do inferno, almas tresloucadas ardendo-se nas chamas. Nos terrenos da alma, nada de baldio. Nos becos sem saída, entulhos, boêmio sentado na tora de madeira, inspirando-se para compôr balada para a amada. Nas praças públicas, transeuntes em trânsito, aposentados sentados trocando dedos de prosa com os amigos, casais envolvidos com as promessas do eterno amor à luz das estrelas e da lua. Nas mesas nas calçadas de bares, homens bebem, falam da vida alheia, futebol, da corrupção política, dos casos com as vadias, da intimidade com a mulher nos mínimos detalhes, piadas picantes e de salão, um cliente sentado numa mesa afastada, sozinho, inventariando as coisas da vida, carências e ausências.
Na porta das escolas, estudantes nas suas baguncinhas peculiares, risadas altissonantes, gritos, esperando o sinal para entrarem e irem se alimentar dos conhecimentos mais que retrógrados e demodês - a palavra "professor" só existe mesmo no dicionário; jamais conheci um que realmente merecia este nobre título, verdadeiros papagaios do conhecimento, repetem ipsis litteris o que aprenderam, e aprenderam mal - vontades, sonhos, fantasias, esperanças. No portão das casas, mulheres e maridos sentados, falando das coisas da vida, dos filhos, das alegrias, felicidade, tristezas, angústias, cumprimentando os amigos que retornam do trabalho. Na amurada da ponte de um córrego, alguém recostado ao parapeito observando a água que segue a sua trajetória livremente.
Na cadeira de balanço, recostado, cachimbo na boca, ouvindo músicas, sem qualquer idéia, pensamento, sem qualquer assunto, desafio-me a construir frases aleatórias, escrever na mente um texto qualquer; quem já foi capaz de escrever prefácio de livro sem haver lido a obra do autor, escrever na mente não é nada difícil. Na vida, tudo é possível de acontecer.
Com flores nos encontramos por toda parte. Nas sebes e nos jardins, à beira das estradas e ao longo de caminhos silvestres, nas casas, nos mercados e praças se dão flores de todas as cores e feitios, para todos os gestos e tipos, para todas as atitudes. E, sem pretenderem nada. Não desejam coisa alguma, nem mesmo sobreviver à poluição do homem moderno. A rosa não necessita de por quê? nem de para quê? Despetala-se ao despetalar-se. Floresce ao florescer. Já tem o ser de flor na própria florescência, no vigor e natividade da floração. Causa e efeito não a preocupam. Está toda ocupada com a flora de flor. Sem ciência nem consciência, sem gnose nem lógica, a rosa é somente flor. Recolhida ao mistério de ser, floresce sem porquê na franqueza de uma ternura de flor.



Manoel Ferreira Neto
(03 de setembro de 2016)


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