**EQUILÍBRIO DE SOMBRAS E LUMINOSIDADE** - Manoel Ferreira


A alma é uma plenitude de mistérios.
Quem nasce é ainda nada. Mas quem morre é a infinitesimal aparição, é a plenitude, a pura necessidade de ser. Um homem só é perfeição, só se realiza até aos seus limites, após a morte o não poder surpreender e anestesiar. É assistir à aparição de ventos de aquéns-em-aléns, na madrugada, mesmo que, por breve instante, enquanto raios de luzes emergem da espessura em que deslizam os dedos, pessoas tagarelam o cotidiano de todas as conquistas e louvores, de todas as amarguras e reconhecimentos.
É assistir à aparição incandescente dos próprios sentimentos, ver o jorro fulgurante que sai de mim e não ficar cego ou mudo, não ficar atordoado e disperso. Contemplar o instante presente, este em que toda a alma se sente em harmonia com as alegrias e tristezas, este em que todo o espírito deseja o encontro com o ser eterno - ser eterno é ser testemunho da vida, condição fundamental da eternidade de um homem, de um indivíduo.
Ver no próprio estar sendo, no original estar sentindo a vida, seus revezes e também suas realizações as mais divinas e esplendorosas, esta irredutível e necessária absurda claridade que sou eu iluminando e iluminando-me, esta categórica afirmação de o ser se fazer continuamente, na afirmação de ser quem não consegue imaginar o ter nascido, porque o eu sou não tem limites no puro gesto do estar sendo, esta evidência que me aterra.
Ardente desejo de uma conversazinha, de nossas infâncias, da minha e da sua, de anos bem anteriores à puberdade, em que a capacidade de amar se estende não só por todo o universo, mas sobre tudo o mais, o intuitivo e o espiritual e tudo fica impregnado de sensações amorosas e da prodigiosa capacidade de mudança, que só é dada aos eleitos e aos poetas, satisfazer o desejo de conhecimento mui freqüentemente nos momentos extremos de suas caminhadas.
É sim verdade que a alma é uma plenitude de mistérios, em que se faz de todo fundamental e intransigente que busque eu o equilíbrio de sombras e luminosidade, lembrar-me de um palco em estilo artístico, as sombras em cada instância das falas e dos gestos, dos sentimentos e emoções, sofrimentos e prazeres, a luminosidade em cada estância da imaginação e da re-criação, o equilíbrio entre elas se torna límpido, quando o homem é testemunho de sua vida.
Reconheço que, nalguns sentidos e interpretações, não deveria inserir nesta fala nenhum elemento exterior, não deveria dizer que necessitei de dar uma caminhada por meia hora, no máximo, para poder colocar a imaginação e a intuição em perspectiva de uma visão, mesmo que quase imperceptível, necessitando, claro, da experiência de um tempo de conhecer o mundo, os homens: mas não pude me furtar ao prazer de complicar um poucochinho, fazer com que os doutos espremam os seus miolos à cata de uma compreensão e entendimento, o que faz com que sejam doutos e intelectuais, são os mestres em não mergulhar no íntimo do autor, dizem de seus conhecimentos adquiridos no mundo, mas não experienciam o que é isto de inspiração pura, inocente, ingênua, e sou eu quem a torna ambígua, dúbia, um jogo de vida e de sonhos.
Teria de me referir à pequena caminhada que fiz no sentido de a inspiração pura se me revelasse em seus esplendores e resplendores. O que acho sobremodo interessante é que os senhores doutos tenham intuído uma dimensão do jocoso, e, recentemente, ouviu ele uma piada que o influenciou na criação deste texto. Dizem eles que um proprietário de barzinho, o mais famoso de toda a cidade, com algumas fazendas com umas três cabeças de gado, ótimo para quem começa, instalado na vida, independente financeiro, faleceu por causa desconhecida. Chegando ao céu, de imediato, explicou a São Pedro que era proprietário de barzinho, assim fizera sua vida; São Pedro, sabendo de sua dignidade e honestidade no mundo, permitiu que continuasse a vender suas bebidas, com exceção da cachaça. Começou o seu negócio, vendendo num único dia duas mil latinhas de cerveja. Feliz com o resultado decidiu ampliar seus negócios, vendendo também no inferno. Conversou com o demônio, quem lhe permitiu também exercer sua profissão. O demônio, inclusive, ganhou de oferta uma latinha de cerveja.
Por cinco dias, tentou, tentou, tentou... Nenhuma latinha. Intrigado, foi questionar ao demônio o porquê de ninguém ter comprado uma única latinha. O demônio respondeu: “O que você queria, meu amigo?! Aqui só tem crente!...” Isto seria dispensável, deixasse que os doutos fuçassem o que estou dizendo. Inclusive, se dissessem acerca desta piada, poderia negar, fazendo-lhes pensar um poucochinho mais. Achei que não escrevo para os doutos, mas para quem tem uma sensibilidade pura para perceber que este equilíbrio de sombras e luminosidade significa tão unicamente a busca, o sonho, e nesta busca há algo de risível, um estilo jocoso; talvez alguém pense que estou a ironizar a igreja, enfim no céu bebeu-se duas mil latinhas de cerveja num único dia, no inferno, em cinco dias não foi vendida uma única latinha. Estou apenas a me referir ao fato de esta pequena piada, aliás, muito sutil e venenosa, serviu-me de inspiração para a criação da imagem do equilíbrio de sombras e luminosidade.
O mundo não se fez para pensarmos nele, pensar é não cristianizar a nossa compreensão de Deus, mas para com-templarmos todos os sonhos que há no Amor. O caminho para a ingenuidade – pouco me importa a mim se o relógio ocupa toda a noite, se o pêndulo bate as horas certas, - para a inocência – a minha alma é simples e não pensa, - para o in-criado – na eternidade, não há tempo; a eternidade não é mais que um momento, cuja duração não vai além de um sorriso muito mal esboçado no rosto...
Amigos, aprendam o sorriso da eternidade!...



Manoel Ferreira Neto.
(26 de setembro de 2016)


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