**FRONTISPÍCIO GÓTICO DA LUZ - II PARTE** - Manoel Ferreira


Epígrafe:
"Cada alma desesperada possui um útero de esperança que está pronto a lutar pela realização dos desejos e sonhos, pela sobrevivência e imortalidade..." (Manoel Ferreira Neto)...



Estou aqui onde me crio, re-crio,
Onde me invento, faço-me.
De tinta são os meus traços, caracteres,
De gótica caligrafia são os sentimentos e buscas
Nos mistérios e matagais das contingências.
A folha é de papel, linhas, margens,
As letras são cursivas, in-cursivas, des-cursivas.
Esboço um sentimento que retiro de mim dentro,
Garatujo uma emoção que me perpassa o íntimo
Delineio uma idéia que se me a-nuncia,
Burilo um pensamento que se me re-vela:
Ainda não são os originais, não é a verdade minha.
Re-crio-lhes as bordas e ad-jacências,
Recomponho-lhes a imagem, re-faço a face.
Evoco o abstrato, invoco o transcendente,
Faço das perspectivas a minha raiz,
Faço dos ângulos o meu ser,
Das linhas a alma, das entre-linhas o espírito.
Farto de mim, distancio-me, fico à espreita,
Constato: na vida ou na arte,
Em carne, osso, caneta ou lápis
Onde estou-sendo não é quem sou,
Onde sou não é quem estou sendo,
Onde estou não é sempre, não é eterno,
Onde sou não é absoluto, não é para sempre
O que sou é por um lince do olhar.



Temos raiz e temos abertura. Somos como uma árvore, fundados no chão que nos dá força para enfrentar as tempestades. Mas também temos a copa, que interage com o único, com as energias cósmicas, com os ventos, com as chuvas, com o sol e as estrelas. Sintetizamos tudo isso, transformamos em mais vida a nossa abertura. E se não mantemos a abertura - a copa -, o mundo estiola, as raízes secam e a seiva já não flui. Morremos. A dialética consiste em manter juntos o enraizamento e a abertura. Imanentes, mas abertos à transcendência.



Águas re-fletindo imagens
Sob raios numinosos do sol
Lírios brancos à mercê de vento suave,
Belga pousado no arame farpado
Da cerca, trinando seu canto,
Nuvens brancas deslizando no azul celeste
Pétala perdida de rosa vermelha sendo
Levada a esmo pelo rio sem pressa de sua jornada.



Sentimentos leves perpassando o íntimo,
Carinho,
Ternura,
Afeição
Ouço o pulsar do coração, extasiado de emoção,
No que em mim trago dentro, as volúpias da alma
Transcendem as elegias do instante de sonho,
Transelevam as sorrelfas compactas do momento de vigília,
Em mim sentindo íntimo, a alegria conjuga versos
A felicidade recita de rimas as fantasias
do amor correspondido,
do amor sentido profundo,
do amor saboreado,
do amor entre-laçado de corpos
em busca do clímax absoluto e pleno
No que em mim deseja de Verdades
As regências verbais tecem de erudição
A estética do estilo sensível, espiritual
As metáforas conjugam de imagens
A linguística do eterno, a estilística do fugaz,
As regências nominais desenham
No horizonte as perspectivas
Da linguagem do Ser e Tempo
E nos interstícios da alma de verbos alucinados,
Esperanças delineiam de perspectivas
Cânticos solenes em uni-versos líricos
Plen-itude de êxtases compõem de estesias
Alhures de sentimentos à busca
De subjetivas verdades
Algures de desejos de felicidade à busca
do espírito de con-templar o absoluto
sentido efêmero,
sentido volátil,
sentido nítido nulo,
sentido susceptível,
sentido volúvel,
sentido estrela cadente,
sentido lua adjacente,
sentido vazio
Sonhos do belo, beleza de re-fazendas conjugam
imagens e intuições,
perspectivas e inspirações,
criatividade e percepções,
re-criando da memória o movimento,
literalizando da recordação os instantes,
no poema do espírito a presença viva
do eterno feito amor,
do efemêro feito desejo



do há-de ser feito querência
do simples feito grandeza
do nada feito travessia para o além...



Travessia do dia e noite, o sono que me vem revelar o desejo de sonhos que se manifestam em imagens. As janelas de guilhotina, de todas as casas, mesmo aquelas em que ninguém mais habita, estão fechadas, e aquelas que, desabitadas, pela ação do tempo, estão caindo, restam apenas escombros, por dentro conduzem inerente à vontade à Cruz do Cruzeiro que mostra à cidade a redenção e ressurreição, e isto é alcançado com o retorno ao amor que fecunda e gera a compaixão e misericórdia. A palavra é o espírito da vida. Deus, Iluminação, Amor, Misericórdia, Ágape, Nous, Theos, Inner, Numinoso, Assunção. Creio que diante de tantas dimensões divinas e humanas, o homem está cheio do Amor de Deus, e por isso mesmo é um ser humano, hospitaleiro, gentil, em demasia cínico, irônico e sarcástico, mas isto devido ao fato de que é um homem que busca, que deseja, tem vontade do Sublime e do Sagrado.
Há procissão de águas na moldura da vidraça. Encontro o sentido do amor e da amizade. Numa refração de ouro claro, surge o momento em que palpitam as asas de uma águia, recolhendo a sin-fonia de águas revestidas de silêncio. Surpreendo a sombra e o deserto sob a ambigüidade. A face dos ventos arrasta e dispersa as nuvens, agora tudo se amassa em encantamento ou em indiferença ou em absurdo, e faz sair um brilho nos olhos, que experimenta a vereda, que evoca com as asas ensopadas, o horizonte em que me encontro é a distância verdadeira, sigo-o como cumpre fazê-lo. O sol deita-se e as nuvens azuis colorem os terraços brancos. Afigura-se-me haver distendido uma mola no interior. Parece-me, em princípio, haver sentido uma eclosão, por haver dito com o mais singular, manifestando-me para além do inteligível. Na límpida transparência das águas, a luz segue o itinerário sem limites, sem pressa, sou eu quem aspira e ins-pira a vida, à procura da fonte originária que a busca do mar alcança, que a emoção das ondas sensibiliza. Ás vezes penso que o desejo de amor só vive de entrega, com saudades, são estas o rosto da eternidade refletido no rio do tempo, com ternura, e sou eu quem desperto o infinito e o profundo, desejando a Vida.
O vento, que ainda me ascende as saudades, des-cende melancolias e nostalgias, faz-me ouvir o sibilo num abraço à liberdade, numa saudade que me faz caminhar, ir a busca de quem sou, de mim mesmo, como se fosse eu poesia, a página de um sonho que desejo contemplar, saciar a minha sede de conhecimento.



Manoel Ferreira Neto.
(20 de setembro de 2016)



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