#VÁRZEAS DE VENTOS VÃOS💧# GRAÇA FONTIS: PINTURA Manoel Ferreira Neto: PROSA E DESENHO



Quem me dera a "anima" de inspirações leves, suaves, tranquilas, serenas de sensações e intuições que inscrevem no tabernáculo do templo a vida do espírito, a face da alma, ad-versa à do corpo, face de semblante e fisionomia sob a luz das contingências, qual as mulheres quando acariciam o ventre onde trazem a vida a ser dada a luz, sentem o além, o infinito, o uni-verso, horizonte sil-esiado de muitos sonhos...
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Várzeas vãs de ventos,
Várzeas de ventos vãos,
Voejam volúpias,
Volitam vertentes,
Vociferam perspectivas
Comprometo-me ao extremo,
Combino encontros a que nunca comparecerei,
Pronuncio palavras vãs, falta-me o vernáculo
cujos sons despertam o signo da alma,
e dos vãos das palavras,
Minto dizendo: "Até de repente...",
Pois não há "de repente"...
A boca distingue, escolhe, julga, absorve,
Passa um arrepio de violino ou vento. Não é a morte...
No espelho, as ondas de som do silêncio desfilam,
Tocando-o, nas paredes deslizam,
Instante final, antes e depois de hoje,
Contínua vida incansável,
Onde não há pausas,
Síncopes, sonos,
Tão macio na noite é o sono,
Em cujos interstícios, sem mistificação, voo...
Acima do nível do mar uns dois mil e trezentos metros,
Sem olhar a terra abaixo, voo simplesmente...
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Há momentos em que,
mesmo aos olhos serenos da razão, insolentes do intelecto, o mundo de nossa triste Humanidade pode assumir a imagem de Inferno, mas a imaginação do homem não é Carathis para explorar impunemente todas as suas cavernas.
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Deter-me, por átimos de instante que sejam, em qualquer concessão a essa idéia é estar inevitavelmente perdido, sem chão de por baixo dos pés, a reflexão ordena que fuja sem demora e, portanto, digo-o, é isto mesmo que não posso fazer, com súbito esforço recuar da beira do abismo.Não há na natureza paixão mais diabolicamente impaciente como a daquele que, tremendo à beira dum precipício, pensa dessa forma em nele se lançar. Dia tenso, ensimesmado e mudo de outono, em que nuvens baixas amontoam-se opressivamente no céu, percorro trecho de bosque singularmente triste, e finalmente me encontro, quando as sombras da noite se avizinham, à vista da melancólica Casa de Chamone. A imagem do universo. A casa significa o ser interior, seus cômodos, seus andares, seu porão e sótão simbolizam diversos estados de alma. O porão corresponde ao inconsciente, o sótão à elevação espiritual. A casa é também um símbolo feminino, com o sentido de refúgio, de mãe, de proteção, de seio maternal. A vida dentro da casa está protegida, segura, inabalável. Dentro da casa nada de ruim pode entrar e afugentar quem nela se encontra e se abriga. A casa é uma espécie de cavalheiro, de mãe zelosa e acolhedora.
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Coração de ouro e diamante, o vazio esvaiu-se, esvaece-se de por trás das constelações do universo! Eu me lembro... eu me lembro... Portões abertos dessa inteligência, indiferentes aos corais ardilosos, pueris, a lógica quanto às variantes perspectivas d'um horizonte luminoso, recortada bizarramente de arvoredos...
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O sol raiava, era inverno, no inverno o raiar do sol é sempre diferente. Tudo era festa em volta de minha casa. Cantava o galo “crista” – nome que lhe dei por sua crista enorme cair-lhe no olho esquerdo – alegre no terreiro, o mugido das vacas misturava-se ao relincho das éguas no pasto que corriam de crinas soltas pelo campo aberto da fazenda, aspirando o frescor da manhã, a cadela Turka parindo no celeiro, sentimento quase agradável na sua poesia, com o qual a mente ordinariamente acolhe mesmo as imagens... Imagens também despertam aperto no coração: corredores escuros e intrincados; excessiva antiguidade; descoloração; sombrias tapeçarias nas paredes; negrura de ébano dos assoalhos; fantasmagóricos troféus; mobiliário incômodo.
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O que passou não retornará. Sombras no âmago.
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Passarinhos do céu, brisas da mata, patativas saudosas dos coqueiros, fontes do deserto, ventos da várzea!...
#RIO DE JANEIRO(RJ), 04 DE MAIO DE 2020, 12:21 a.m.#

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