#ANTROPOFAGIA ANTERIOR A QUAISQUER PSICODÉLICAS IMAGENS# GRAÇA FONTIS: PINTURA Manoel Ferreira Neto: SÁTIRA ***



Bem, deixe-me estar sobremaneira livre e descontraído, deixo as letras sublimes deslizarem nas pontas dos dedos, nestes dedos que trocam palavras, brincam com os movimentos da digitação ao inscrever idéias, pensamentos, sarcasmos, ironias, cinismos nos sarrabiscos das linhas, às vezes amenas, às vezes duras, em tons simples, por vezes agressivos, esquecendo-me destas antigas dissipações, dissipações responsáveis por, num estilo coevo e póstero, linguagem antropofágica e anterior a quaisquer psicodélicas imagens, estes sentimentos e emoções que sinto, perpassando o íntimo do espírito e alma, serem capazes de exercer o ministério de nova aliança de responsabilidade e apreço. Felizmente, as mãos são destras em tecer linhas; são responsáveis por me haverem feito amadurecer, crescer, sabendo de antemão e revezes que a consolidação do “verbo satirizar” ainda se encontra muito distante.
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Enfim, era de intenção dizer coisa sem coisa, a preocupação de um sentido, de uma imagem, deixei-a descansar-se por momentos na outra cadeira de poltrona, confortável, tranquila, na inerência de templos e origens, olho-a e comovo-me. Reclina-se, então, na cadeira, desembainha um olhar afiado e controverso, e deixa-se estar. Ao tempo em que olhava só, ora fixa, ora móbil, levando a astúcia a ponto de olhar às vezes para dentro de si, o meu olhar continuava o seu ofício de tentar entendê-la e compreendê-la, remexendo de dentro a alma e a vida.
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Interessantíssimo o olhar da preocupação em articular, delinear as idéias, não deixando nesgas inúteis em seus lábios. Acredito até haver uma compaixão um pouco disfarçada: deseja amparar-me, não me identificar, posto à parte dos acontecimentos e situações, por não saber por que caminhos trilho; muita generosidade, não esperava tanta; pode, sim, contribuir na construção das imagens, intensificá-las, aumentá-las, sem limites e fronteiras, identificar-me os vestígios da beleza, visto ser ela o de que mais careço.
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Acrescendo que, talvez, haja nela muita dissimulação, e que o melhor modo e estilo de fechar as pestanas aos sustos e às dissensões é aceitar a ideia concebida antes de iniciar, dizer coisa sem coisa, entregar-me ao absoluto nada, embora nesta ideia que já vai longa não haja a mínima crença de que esteja dizendo coisa sem coisa, há muitas dimensões desconhecidas no interior de cada palavra, de cada pensamento.
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Parece-me a vida indistinta quer atardar-se no sono autêntico, intenciona adiar-se no adormecimento autêntico. De não permito palavras lançadas. Dizer o que sinto, nem mesmo a terra, os restos mortais, irá separar: a individualidade está consumada. Rumo ao mundo, à humanidade, uma felicidade incomensurável, a estética imenso feliz por haver abraçado a plenitude.
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Há uma certa sensualidade num amplexo estético. Os olhos sentem os instantes de tristeza: servem-lhe profundamente na atitude de vislumbramento e entrevisão. A sensualidade greta-se com o suave como para dar mais bem acolhida à nobreza de sentimentos. Encontro o sentido do amor e da amizade. Nenhuma forma de vida detém a totalidade mais tempo do que lhe é necessário para se dizer.
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Digo isto com o tom inocente, ingênuo e, por que não, sobremodo preguiçoso de quem não cuida em mal, e o sorriso que me derreia os cantos da boca traz aquela expressão de candidez da juventude, não de toda ela, manifestou-se tão poucas vezes que necessito espremer os miolos para uma imagem simples destas manifestações havidas outrora.
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E, palavra!... A letra dá vida, o espírito é que é objeto de ambigüidades e controversas, de interpretação, de pedidos de desculpas e, conseguintemente, de amor e esperança. Há-de se pensar que muitas são as vezes em que a interrogação de que amor é este, de que esperança é esta se manifestem contundentes, podem ser tantas as respostas que o universo inteiro se sinta completo e pleno, não havendo única nesga de vazio, de abismo nele.
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Excito-me. Perdoe-me também, o que continuo a rogar, para mim isto é uma situação nova de nossas relações íntimas, alguma coisa que me faz adormecer a consciência, não me esquecendo, contudo, de resguardar o pundonor. Eu mesmo, até então, tinha-a em má conta, zangava-me quando me fatigava, quando não podia ir além de certo ponto, e me deixava com o desejo a avoaçar as nesgas das colinas, à semelhança da criança encolhida para dormir – daí é que me sobrevinha a sensação, quem sabe até um sentimento presente e real, de que o tamanho de minha inteligência não conseguia senão palavras de raiva, de ódio, e para não as assumir era mesmo conveniente pedir-me desculpas por ato tão vil e ignorante. Agora, não a tenho em boa ou má conta, não me importa de estar descansando na poltrona, não me fatigo, posso ir muito além das “fronteiras da lembrança e do esquecimento”.
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Prometi-me que teria engenhosidade e perspicácia para descrever a preocupação fora de mim, no sentido de degustar um deleite, descobrindo a sublimidade, se a houver de por baixo destas palavras obscuras. Se o fiz, o mínimo que posso cumprir é conseguir chegar ao momento em que me disser que estará terminada esta longa viagem através de sensações, intuições, percepções, que, em mim, trago adentro, sem a preocupação.
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Tão cheia de si!,,, Descobrindo entre as minhas sobrancelhas, a ruga interrogativa e ameaçadora, não tenho nenhum sobressalto de quem esteve apenas a sonhar de olhos abertos, o sonho de inerência de templos e origens, nem fico assustado como alguém que descobre ter estado mais do que enganado, fora um imbecil a todos os planícies e bugres dos chapadões, algazarras deles de entre as serras e montanhas. E, palavra!, em nenhuma ocasião a acho bela, talvez porque nunca me senti tão orgulhoso e lisonjeado de deixar a preocupação com o sentido das coisas refestelar-se após tão longos anos de luta e desejos os mais esquisitos e estranhos a perpassarem-me o íntimo, orgulhoso e lisonjeado de ser capaz de pedir desculpas não apenas às palavras, coitadas sofrem horrores e desatinos com as asnices de minha loucura insofismável, tem de refazer suas erudições e classicismos para se encaixarem aos meus propósitos, mas ao sentido que possam expressar e, sem dúvida, não conheço, o tamanho da inteligência é pouco, talvez apenas uns dez centímetros de comprimento, não fazendo cócegas nas orelhas que são disputadas, no inverno, pelos russos, a saber de quem são, de quem delas é a propriedade.


#RIO DE JANEIRO(RJ), 25 DE MAIO DE 2020, 19:12 p.m.#

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