ANA JÚLIA MACHADO ESCRITORA PINTORA E CRÍTICA LITERÁRIA INTERPRETA E ANALISA O AFORISMO #O OUTRO DO OUTRO#



Mais um aforismo complicado. Eu diria que este texto será baseado em Sartre, no Existencialismo e, ao mesmo tempo, em Nietzsche, quando diz que já nasceu póstumo…
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O Existencialismo é um movimento que abrangeu o seu auge na metade do século. Os grandiosos mestres praticamente ausentaram-se. O problema é que as teses aplicadas pelo pensamento existencialista dizem respeito à própria existência humana em toda a sua dimensão. E a partir daí o Existencialismo insiste puxando uma reverberação ideóloga e prática crescente. Existencialismo é a doutrina que coloca as categorias elementares para se reflectir a realidade humana. O único pensador que adopta a locução existencialismo para classificar a sua inerente teoria é Sartre. Mas ele toma de Heidegger a frase que tornou famosa toda a escola: “A existência precede a essência”. Não há essência alguma para Sartre. Ele se objectaria a uma filosofia da natureza. A percepção está em primeiríssimo lugar. Em segundo, está o antagonismo sujeito objeto e, na privacidade do antagonismo sujeito-objeto, está estabelecido o Nada. Mas toda verdade é ou sujeito ou coisa. Sujeito e objeto transferem tudo. Sartre é o primeiro que assevera que sujeito e objeto são permutáveis. Sartre chega a verbalizar que toda ligação que inclui gozo enfermo em ver e fazer amargar outra pessoa, porque ou bem sou objeto do outro ou bem metamorfoseado o outro em coisa minha. Não dá para abalar dessa diferença. O sadomasoquismo de facto explica a condição da intersubjetividade. Sartre não aceita o involuntário. O homem é momentaneamente conhecimento. Em segundo lugar, o pensamento essencial é o propósito, que não é uma questão mental, é mais vasta, não agarra só a intelecção. Pega igualmente as sensações, as sensibilidades, tudo é mais ou menos premeditado. Essa ideia da intencionalidade é tornar algo, alguém ou a si mesmo radical. Ele é tão inteiramente premeditado que se não existe o propositado, ele não é nada, é nada de conhecimento. O motivo do homem é o Nada. O Nada não é nenhum enigma, é a separação do sujeito. O ser decididamente desligado de tudo que o cerca e de tudo que possua conhecimento. A consciência barra -nos identificar com as coisas. Eu estou desunida e essa divisão é precisamente o Nada. O que dele se poderia verbalizar? Que ele é o que ele é, mais nada. Ele é perfeito, completo, irrepreensível, infindo, nada pode perturbá-lo, pois ele não possui a menor percepção de si mesmo; ele é, genuíno e tão-somente. O amor é uma alucinação. Não é que não permaneça, mas não tem segurança, tem que ser avassalado a cada instante. Diligenciar consagrar o amor, institucionalizar o amor no casamento, na família, isso tudo é adulterado. Só o ato de responsabilidade plena nesse instante é elementar em todo o existencialismo de Sartre. Sartre não reconhecia nenhuma forma de determinismo. Ele topava que o homem engendra esse determinismo para se amparar contra a independência, porque é difícil ser independente. O que há é dever pleno. Não é uma coisa casual, tem-se que reinventar o dever em função de cada feito praticado
Nietzsche harmonizou-se mais que ninguém ao asseverar que "nasceu póstumo" e que seus documentos só seriam compreendidos dali a um cento de anos.
Por isso, quando o escritor ironiza com a frase
o seu epitáfio,
"sou a quem é
legado espontaneamente
aceitar ou rejeitar
majestosamente se a
representação replica ao
sou de quem sou,
a ninguém mais...", e aqui fez-me recordar Nietzsche com a frase acima citada,
Um excelente texto em que ironiza bastante com o ser….
Ana Júlia Machado
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O OUTRO DO OUTRO️#
GRAÇA FONTIS: PINTURA
Manoel Ferreira: AFORISMO
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Epígrafe:
Ser é cerimoniar o "o outro do outro", prestar-lhe uma ode, um tributo, um epitáfio..."(Manoel Ferreira Neto)
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Contra-luz de utopias e visões do nada,
- luz de quimeras da liberdade -,
con-versar ausências e faltas do
ser, onde a linguagem, onde o estilo?
onde a vontade de Arte?
algazarras presentes e fortes do
mesmo, trivialidades incomuns,
triviais inéditos,
onde a ousadia?, onde a audácia,
onde o desejo da face no espelho do tempo?
elencar de pretéritos as sombras, baldios,
quiçá o gesto perene e esplendoroso do orgulho
ornamente, ilustre as justificativas dos equívocos
enforme as teias de tripúdios para esconder o "eu",
performe os trambiques do pôquer de hipocrisias, farsas,
arrebique os complexos, manias, vícios, mazelas,
contudo, a imagem permanece re-fletindo o mesmo,
mudar de pers-pectivas e ângulos o espelho
de nada adianta, resolve, amenize, anestesie
Ermas as idéias de outros portos,
de onde con-templar a visão do crepúsculo do mar à distância,
por onde palmilhar as pedras e calçadinhas da rua,
memorizando sentimentos, emoções, vistas disso ou daquilo
que me surpreendem, deixam-me em suspenso,
deixam-me em clima de erupção,
na madrugada, que é a concepção da manhã,
desde a concepção, à meia-noite,
seis horas para a gestação
e a luz,
num rádio portátil ouvir canções leves, suaves, clássicos
românticos, nostálgicos, melancólicos, saudosos,
tomando numa taça de cristal Campari,
tempos passam, o que explica a solidão amar a
ausência, falha, falta do "eu?
o que esclarece o silêncio amar os
sons que ele emite?
Nada.
Porém, tempo de despedida, aceno de mão categórico,
há outros caminhos,
há outros portais,
há outras trilhas,
aos sendeiros, os seus passos,
as suas estradas,
aos peregrinos, as suas areias, sóis,
aos viandantes, os lemas, rituais...
Re-colher e a-colher vozes que emitem palavras sonorizadas
de verdades íntimas, sem intenções de explicação, justificativa,
sem pejos, sem vergonhas, sem medo da imagem no espelho,
quiçá isto fundamente
as pre-fundas de insolências e irreverências,
prepotências e polêmicas,
venha com todas as regências e concordâncias
e inscreva em mármore branco
o seu epitáfio,
"sou a quem é
doado livremente
con-sentir ou recusar
solenemente se a
imagem res-ponde ao
sou de quem sou,
a ninguém mais..."
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Infelizmente, afianço que o
ESPÍRITO MALIGNO não me abandonou
instante único, aquele para o suspiro profundo, dizendo que o
outro do inferno é o inferno do outro, ria, ria, ria, amenizei as
chamas do fogo na lareira, talvez uma dádiva da humildade,
e se fora ela a rir destas palavras eivadas de tanto sarcasmo,
ironia, cinismo, a escolha deste testemunho de mão acenando
confere às intenções da eminentíssima "humildade",
referindo-se
ao ridículo da frase, a humildade do outro é o outro da
humildade, muito simples, perfeitamente legível e inteligível, é
que inda não atinaram com a verdade de haver sendo, desde
tempos imemoriais, sátira, galhofa neste dizer
"... a humildade do outro é o outro da humildade...",
razão de rir e gargalhar a
todos os ermos re-versos e in-versos;
fica o recado para muita
sensibilidade e senso antes de algo
dizer no tangente a estas
palavras, cinismos, hipocrisias, ironias,
sarcasmos, sátiras
residem nelas trafulhas,
trambiques,
tramóias de linguagem e
estilo,
para todos e para ninguém...
Meigas palavras, finas-e-meigas palavras, elaboradas na
ausência perfeita, fria, lunar, brilho aos serafins e cristais...
quem é toda luz,
toda branca,
que dita nalgum tempo
seria auto-escárnio,
mas continua sendo motivo de
orgulho e superioridade.
Quem tem auréola?
Quem a tem
cuida logo de re-parti-la.
E, se pensa, melhor faz?
Oh, não!... quê despautério sem princípios e origens!
Embaralhar as cartas, mudar-lhes os lugares, sarapalhar-lhes
os naipes, seriam estas as intenções a trazerem-me de um
repouso à beira do nada, sentindo-lhe os perfumes a amainarem-me
os animus e anima, efetivamente as exaustões...
safar-me às críticas,
aos tributos às arrogâncias,
às odes às insolencias,
aos epitáfios às lisonjas
Nada... Nada de entre-erros, imprevista verdade,
nada de verso, consciência profunda,
erudição de princípios, quimeras,
o nada preenchendo o tudo de nadices...
***
Irre... Dir-se-ia, então, ser este "dis-curso-de-nada"
o sendo-de-ouro,
assim
curvado aos dogmas e preceitos, preconceitos e lemas,
à ausência das cores diversas elaboradas na perfeita alvura,
mister criar de novo,
re-inventar as mais severas inscrições,
ensinamentos e modelos mais finos de
a grande flor brotar da água - nenúfar,
a faminta inquietação, articulando o mundo
com seu espelho mágico, com seu mistério,
o poeta sempre hermético e complicado,
agrilhoado aos museus dos séculos e milênios,
liberta-se da jaula e seu quadrado,
ser humilde a valentia,
há veludo nos ursos,
há velos nas ovelhas,
há pelos nas cadelas,
a despedida com seu rosto sério,
elo, uma afeição surda, um passado,
perfume nativo das coisas e seu arpejo...
A discreta forma verde, entre formas
imagine ser pensado pela erva que pensa,
imagine o passarinho com sua donzela,
imagine o espelho mágico com a sua imagem
refletida oblíqua, obtusa,
unindo e separando os crepúsculos,
à sua luz consumam as bodas
e o mundo em que se esvaem.
***
De um fluir de essências
as fontes em si mesmas eram nostálgicas
emanações de infância e futuro,
poesia antes da luz e depois dela,
onde o amor se completa,
despojado da cinza dos contatos.
****
Se, nestas instâncias e estâncias de palavras e idéias,
desejando de-monstrar o testemunho deste aceno,
cerimônia do efêmero, enquanto dure,
em nada se fundamenta, nada há que se lhe conceitue,
nada-de-cerimônia,
nada-de-adeus,
nunca se pode avaliar a
omnipresença do espírito
e de seu zelo,
melodia cantada, melodia falada...
jamais é con-sentindo in-vestigar a
omnisciência das letras apagadas,
ciências ocultas,
E se inda
não fora capaz de entender, compreender a intenção
era nada dizer, não acenar a mão, não dizer adeus,
nem a passagem lenta e comedida, com as suas paragens,
até consumar-se o que é inevitável,
paixão que canta no conjunto sinfônico da música,
realizar através de uma des-concertante pluralidade de pretensões
e desejos uma vontade, dirigir a um fim ainda desconhecido e,
de repente,
a corrente precipitar-se em toda a sua amplitude
nas profundezas, com um prazer demoníaco nos abismos
e na quebra das ondas...
***
Ah... tudo que falo,
minto ou bebo
e o mais que se oculta no hímen do tempo,
nas pregas do sono, guimbas de cigarro,
lâminas de luz perpassando os pingos de chuva,
confissões exaustas, canção balbuciada,
náusea matinal
De onde se sente com eficácia
certa porção de silêncio, traças e poeira
que de longe em longe se remove... e insiste
certo olhar, mais sério, não ardente,
que pousa nas coisas e elas com-preendem,
do calmo, da floresta partida vieram o silêncio, traças e poeiras,
que conciliei, reuni e aderi,
montes de música, valsas e murmúrios
do medo imemorial de deflagar a própria morte, morte falsa
Em hora espessa
de sono a poeira profusa salta,
sarcástica, irredutível, ignóbeis resignações,
olhar surpreso e temeroso a forma escura,
sentir o lamento do vento cessa
Um piano, ante o poético sentido da palavra,
e tudo que deixam mudanças,
tudo que é morte de piano e o faz enigmático
resta à esperança na insônia o lugar de sombra
onde impera o amanhecer
Sozinho esquece-me ser
palavras ditas antes com voz firme
estas partes secretas no tempo,
pensamentos maduramente pensados,
atos que atrás de si deixaram situações,
estou escuro, estou incolumemente noturno,
estou vazio, minhas medidas partiram-se
e a sombra do sofá-cama
não me enche de súplicas, rogos e lamentos.
#RIO DE JANEIRO, 03 DE MAIO DE 2020, 02;27 a.m.#

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