#AFORISMO 802/ ÍMPETO ALADO DO HOMEM PESCADOR# GRAÇA FONTIS: PINTURA Manoel Ferreira Neto: AFORISMO



Caminhando em silêncio, revolvo um sentimento que se me apresenta.


Encolho os ombros, cerro os olhos, como um homem que aprendeu à custa de duras, duras penas, a linguagem da renúncia, o estilo da refutação, da renúncia e refutação à cor-agem de tecer as contingências com a linha da consciência.


Toda a sorte de idéias de liberdade, de devoção absoluta, de sacrifício, invade-me deliciosamente – enquanto os olhos se esquecem, se perdem, enlevados na reliosa solenidade deste princípio de noite de início de inverno.


Com uma voz dolente, sob a frente fria deste início de junho, permaneço deserto e desconsolado. O olhar alegre com que sou envolvido, resultado do amor pelo inverno, sentindo no seu brilho ameno, no sorrir suave, quando está em mim. A respiração leve, serena, comedida, creio eu, re-vela sentimentos e emoções que completam, abrem leques para a felicidade, mãos entrelaçadas, utopias e querências, o amor se faz continuamente. Quê espetáculo divino olhar o Rio de Janeiro coberto de neblina, não se enxergar um palmo à frente do nariz, e caminhar comedidamente pelas ruas, indo buscar o pão na padaria!


A bruma de prata flutuando, pela manhã, sobre os mangues inda sonolentos... É o vestido da intimidade. A intimidade, nua, sente as sensações singulares - interação do gozo e prazer. Sou a mesma abertura de silêncio... Brilha mais puramente a brancura da claridade. Lá das profundezas da solidão, não devolvo as coisas nem as mortifico. Um vento brando reflete no coração. Quiçá por na neblina das Minas Gerais não haver a maresia, e isto ao contrário de trazer do âmago as melancolias e nostalgias, e estar envolto na neblina leva-me a outros sóis que ad-virão, outras utopias e sonhos, outras esperanças...


Anteontens de idéias, ideais, sonhos, utopias performando os passos, ritmo e melodia de viagem, quase dançando uma balada, deixar o tempo se suceder, o que houver-de ser sê-lo-á, é seguir a estrada. Imagens, perspectivas. Hoje de pensamentos, consciência de que tudo passa, tudo passa, é seguir as veredas e sendas. Constelações atrás da lua.
Anúncio, do que jamais foi, na pálida auréola do ar, das casas silenciosas, da copa das árvores de perto, raiadas de pingos de chuva, aquando o silêncio é tão profundo que me ouço ser, as ondas do mar espraiando-se.


Não é absoluto preciso, nem mesmo imaginável e desejável, tomar partido de meus interesses e achaques pernósticos: ao contrário, uma dose de curiosidade e bestialidade, hostilidade e irreverência, insolência e hospitalidade, como diante de um oponente frágil e taciturno, com uma resistência irônica de não assinar ou endossar a nota promissória que me apresenta, juiz que insiste e persiste em não conceder a liberdade de expressão no município, não aceita que a liberdade de expressão é a expressão da liberdade, me pareceria um comportamento e postura incomparavelmente mais sutil e inteligente em relação a mim. Haveria quem realizasse ceifar-me as palavras, silenciar-me? Sempre criar outras veredas de dizer, conservando as críticas, o ácido delas. Não há quem o possa.


Anteontens de existia a viagem desde sempre; anda em mim algo indescrítivel, "impeto alado do caminho para o Ser". Encoimo a consciência perspicaz, por vezes a empreender-se a favor do singular, e é a sensibilidade a colchetear os pensamentos. Sou uma alegria, tristeza a caminhar na linha tênue da lembrança e do esquecimento. Postergam-se as emanações contingentes do absurdo e encontradas as ideias de sossego e silêncio - extravio as sensações da perda.
Degustáveis os instantes, instantes-limites, Idéia, em princípio, simples, simplória, gerando questionamentos, indagações, causando polêmica. A comunicação com as coisas é impossível, não tem subjetividade, a comunicação com as pessoas é impossível, tem subjetividade. Falando sozinho.


Atrás da esperança não há senão a esperança. No silêncio absoluto, as palavras de outrora estremecem de insanidade.
Um vento surge ininterrupto, procurando-se. Contudo, criando margens a contradições de toda ordem, ambiguidade de toda natureza, sinto exigir de mim um comportamento, atitude.


Há um instante em todo esse sentimento em que devem estar todas as coisas nascendo – há um momento não sei quando.


Continuo à espera do peixe fisgar a isca, balançar a linha do anzol, puxá-lo, e soltá-lo, continue a sua vida marítima - um passatempo este de pescar no crepúsculo, sonhando caminhos bem para além do que se é possível enxergar da longitude do mar.


(**RIO DE JANEIRO**, 31 DE MAIO DE 2018)


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