#AFORISMO 796/ A FELICIDADE BROCHA# - GRAÇA FONTIS: PINTURA/Manoel Ferreira Neto: AFORISMO



Com ninharia habitar…. faz parte dela… pode é não viver na íntegra.

E a solidão pede licença, gestos etiquetados, pois que vai muito além de si mesma o que se mostra, e, se pede licença, é que ali não está. As sombras se retiram à francesa, vão acompanhar outros que delas estão necessitando.

Só em face desta alucinante di-vergência entre quem fui eu, como fui eu, é possível divisar os limites desde onde posso sonhar a construção do meu reino sobre a terra. E é porque é difícil estabelecer esta di-vergência, ter a aparição de mim a mim próprio, que os homens podem construir uma redenção com uma aparência de segurança que os ilude e os  escarnece.

Apreciar de tudo na existência é benéfico? As realidades nefastas corrigem-nos a habitar? Os factos, benéficos, conserva-nos viventes?! Assim, as boas e más experiências são elementares na vida…nada é nada…

A felicidade brocha.

Face a estas paisagens irradiantes de luz, a estes cenários de puro resplendor de verde, em que, como um viajante da redenção e da ressurreição, caminho ao sol, às vezes à chuva, a vida das coisas nas suas mais humildes parcelas se me impõe, descubro as palpitações secretas da natureza nas amendoeiras em flor, nos campos de lírios, nos pomares, nas searas, nas aldeias de telhas castanhas que se apertam à volta da igreja, nas ruas trepidantes e coloridas ou no respirar lento. O que o outono me tem prometido é-me confirmado pelo Inverno e satisfaz o meu desejo; à minha volta tudo brilha e se tinge de muitas cores, transcende o meu delírio, alucina-me e me possui.

Verbaliza, que realidade, ninharia reside, adota uma posição valorizante, sintética, que não é unicamente inerte e emocionante, pois abarca igualmente um recado intelectivo activo. O ser-da-vida, sendo-em-sendo-do-ser-da-vida perfilha o chão de trilhos tortuosos de dobras , ou adorando enamoradamente a eloquência do ser-amor, ora contestando todas as sensibilidades e agitações, ou declinando todas as númenes do sublime e da realidade, ora arrastando-se nos escoadouros repugnantes do dia-a-dia das condições e conjunturas, ou sensivelmente esmolando nas tabacarias de todos os isolamentos.

Muitas flores são recolhidas prematuramente. Algumas, mesmo ainda sem rebento. Há sêmenes que jamais desabrocharam e há aquelas flores que habitam a existência completa, até que pétala por pétala, pacíficas, experientes, restituem-se ao vendaval. Mas o ser não sabe acertar por quanto tempo residirá ornamentando de arrebiques e contornos esse Paraíso e sequer aquelas que foram cultivadas ao nosso redor.

Por mais esteja a transcrever apreciação composta, produzida criticamente, seja isto modo e estilo de enfatizar por ser percuciente nos seus eidos e contornos, contudo houvesse condições de outros modos de enfatizar. O recado intelectivo: o mover-se na restituição ao vendaval, as coisas se movimentando, as pétalas abrindo-se... não há verbo que não seja ação, atitude, mesmo os defectivos.

A felicidade brocha.

Sou um homem tão estranho que a felicidade no de-curso, per-curso, trans-curso do tempo acaba por me nausear, angustiar, sentir-me entediado, mergulhado e refestelado no abismo. 

Rosa são sete flores,
Pétalas resumem alvoreceres,
Sugere estâncias,
Todas exóticas, todas históricas,
Todas catárticas, todas patéticas,
Todas sublimáticas, todas oblíquas,
E o caule?
Traço indeciso.

(**RIO DE JANEIRO**, 29 DE MAIO DE 2018)

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