#A POESIA-FILOSÓFICA DE ANA JÚLIA MACHADO# - CRÍTICA LITERÁRIA: Manoel Ferreira Neto/PINTURA: GRAÇA Graça Fontis




VALADO ACROMO, da escritora, crítica literária, poetisa Ana Júlia Machado, inicia-se "Idealidades sem caminho/Amalgamam-se às lágrimas da natureza..." Tal intróito poderia ser considerado como versos de poema ou existe algo neles que re-vela algo de mais substancial?


Nesta obra, preferimos senti-la e pensá-la nesta dimensão, pois que considerá-la poema é reduzi-la, é envelar o que de singular há nela, Ana Júlia Machado abandona a "poesia" propriamente dita, a linguagem da poesia, destinada tão-somente à dimensão sensível, à sensibilidade, a espiritualidade, assumindo a dar concreção em palavras a re-presentações, "Antevejo/Um quase diferente universo/a trajar o enxergar/E a vociferar a existência/Que se esbanja no tempo...", formulando-os e elucidando-os da melhor maneira, embora pela forma poética, para expressar idéias, não restarem dúvidas, mas re-vestindo-as de imagens, tropos, alegorias, parábolas, simbolismos, assim adotando prosa rítmica, atuando seu conceito do que seja o "efêmero estropiado/que delineia a existência", atingindo a erudição. Este salto, bem delineado, trabalhado, da poesia a dar concreção em palavras a re-presentações, significa mergulhar no uni-verso da Filosofia, constituir aforismo com o "esplendor de anacrônicas idéias", poesia filosófica que é uma das dimensões essenciais do Aforismo, aliás a mais importante delas.


Compreende-se facilmente que este salto da escritora e poetisa, possuída, destarte, cada vez que toma a sua pena para escrever, por uma sorte de imperiosa inspiração, de embriaguez poético-filosófica, de frenesi criador, digamos neste nível, evita que a obra seja reduzida ao seu mundo particular, sua individualidade, seu universo singular, mas trans-cenda, atinja a eloquência e a erudição.


Manoel Ferreira Neto
(**RIO DE JANEIRO**, 22 DE MAIO DE 2017)


Valado acromo


Idealidades sem caminho
Amalgamam-se às lágrimas da natureza
Esboçando novamente o alto da montanha
No esplendor de anacrónicas ideias.
Formas coloridas
Vagueiam sobre a inflexibilidade
De um valado acromo
No meu âmago...
Antevejo
Um quase diferente universo
a trajar o enxergar
E a vociferar a existência
Que se esbanja no tempo
No vizinho ser outra realidade
De cada ocorrência.
Procuro ser um pouco aquém
Do que pondero que sou
E algo daquilo
Que pretendia ser.
Tento erudição
O efémero estropiado
Que delineia a existência
Nas extintas vistas
Do universo.
Diligencio-me nas inexistências
E mínguas
De cândidas intenções
Em demanda do âmago
Da particularidade
Dos meus motivos.


Ana Júlia Machado.


(**RIO DE JANEIRO**, 22 DE MAIO DE 2018)


Comentários