#AFORISMO 787/ POR ELEITO DA IMAGINAÇÃO, DA CRIATIVIDADE** - GRAÇA FONTIS: ESCULTURA/Manoel Ferreira Neto: AFORISMO



E a "Companheira das Artes", Graça Fontis, deixa os lápis de pintura, e toma em mão a Goiva para esculpir esta escultura que Ilustra, Ornamenta este Aforismo.
Um recomeço da Escultura, depois de mais de trinta anos.


Pode ser que não tenha chegado e mesmo não saiba precisamente onde quer chegar, deixa-se livre no tempo, deixa-se livre no verbo da carne, na carne do verbo.


Com palavras soltas, o itinerário do verbo "além-de-si", destituído de espaço, ao espírito do ser, fonte da sensibilidade, do espírito, fonte do grito presente, gritos antigos são carências de vida, de dons e talentos para a liberdade da ec-sistência, para o não-ser que a-goniza no tempo de nada, de vazios, de abismos, de falhas, faltas, manque-d´êtres, forclusions, que grita aflito, diante da dor, diante das angústias e ipseidades, das á-gonias e facticidades, sufocando o pranto, mas a luz do grito presente do ser se re-vela, as miríades do além incidem nas esperanças e sonhos de colher a flor da vida, e jorra, da sensibilidade e das dimensões sensíveis, os ideais da ec-sistência que cria a vida, da vida que re-cria as ideias, à luz daquilo de a arte imitar a vida, a vida imitar a arte, que, perpassados na alma, colhendo, re-colhendo, a-colhendo desejos, vontades, compõem a escultura do ser, abrindo as venezianas e persianas da janela do "eu" para o outro além de si, o outro que é a "casa-da-verdade-do-ser", ser da entrega, ser do amor, ser dos dons e talentos, ser da contingência que busca o encontro da beleza, do eterno, através dos sentimentos e emoções, dos questionamentos e buscas, sobretudo das dores e náuseas da con-tingência.


Não sabe onde quer chegar, estar sempre dis-ponível aos ventos do tempo e dos abismos que sibilam outros sons, sabe por onde trilhar os passos, porque na casa da verdade de seu ser, o além de si, em movimentos, decorando-a de re-flexões, in-vestigações, metáforas, por vezes no frio do in-verno, por vezes no calor do verão, no perfume das flores na primavera, da serenidade do crepúsculo do outono, caracteriza o encontro do outro. A decoração da casa é orientada pelo "ser-aí", no caso específico, o movimento, o leitmotiv que, em cada instância, é si-próprio. O ponto de partida não é o de mostrar e isolar o "eu" e depois ir buscar um caminho que a conduza ao além, como querem alguns que na escultura o eu do artista não é a origem de sua arte, como querem outros que na poesia ou na prosa o eu do poeta/escritor não está presente nas estruturas da arte, estética e ética. E quem defende isto de unhas e dentes, entrega sua vida ao nada, vazio, arrasta-se pelas ruas e avenidas das nonadas e das pontes partidas, pervaga por terrenos baldios e becos sem saída, e morre, o tempo esE quem acredita que é perfeitamente artístico esculpir palavras com as goivas da inspiração passeia pelos vales livre, solto, aberto a todos os horizontes e panoramas do In-finito.


Senta-se o escultor na amurada de sua residência, de por baixo das galhas frondosas do ipê amarelo, perscruta a noite, vislumbra as luzes da rua, antes de iniciar a prosseguir na escultura do "deus pagão", representação do tempo, dos verbos e do ser da arte desde os gregos até a atualidade, esta livre de preceitos e dogmas, de estilo e linguagem mesmas, a arte é sempre re-criação das visões-da-vida, sempre janela aberta a outras visões.


O "eu" grita aflito no peito, o escultor abre os movimentos da goiva, da poesia em cada entalhe, vislumbra o além de si, a casa da verdade do ser se a-nuncia, e ela apaga "... os contornos/de amargurar a vida", trans-cende-se, trans-eleva-se, levando na algibeira da alma o eu, pois compreende que o "além-de-si" não é só o outro que deseja, mas o "nós" que é a comunhão do "eu" e do "outro", do verbo e da carne, a verdade do ser é o nós, o "além-de-si" é o nós, o coração reagindo à solidão, a sensibilidade con-sentindo o silêncio, o barulho do silêncio dos sentimentos e emoções, sensações evasivas e dispersivas que compõem, reagem à id-ent-idade da alma e do quotidiano de todas as con-tingências. O "além-de-si" é o encontro do nós na casa da verdade do ser, mas, inconscientemente, vislumbra o silvestre do eterno, con-templa a imagem do in-finito. A jornada não terá fim, estará sempre em movimento à busca do espírito divino do ser.


Aquando terminou a sua auto-escultura para receber o certificado da Escola de Belas Artes, o professor tendo predeterminado iria esculpir no Parque Municipal, atrás do Palácio das Artes, no domingo, entupigaitado de pessoas, o professor perguntou-lhe o porquê de se auto-esculpir-se, respondeu-lhe: "Se ser pequeno é ter a empáfia do orgulho imaginário de grande, prefiro ser grande com a verdade de estar sempre à procura de quem sou, do meu em-si." Como lhe dissera uma colega da pintura, beijando-lhe a face, dois dias antes do exame: "Há-de se não confundir empáfia com hipocrisia, pois o espírito ambiciona, anseia o crescimento, aspira a verdade do Ser", o que lhe valeu aplausos de todos os seus colegas, e desse caminho jamais se afastou.


O escultor e a escultura, na casa-da-verdade-do-ser, comungaram-se, são o "nós" do "além-do-mundo", do "além-matéria-contingente."


A arte do escultor é, afinal de contas, o refúgio último da liberdade, que dá forma concreta e material, corpo à imagem, que em toda parte se busca ser, que oculta o ser. In-augura novo espaço e novo tempo, porque tempo e espaço lhe são ad-versos.


Na escultura reside por eleito da imaginação fértil, administra-a e até mesmo tiraniza-a.


(**RIO DE JANEIRO**, 25 DE MAIO DE 2018)


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