MARIA ISABEL CUNHA POETISA CRÍTICA LITERÁRIA E ESCRITORA COMENTA O AFORISMO 609 /**PARTES DO MEU EU**/



A complexidade do eu, revelada neste poema com toda a sua magnificência. Na verdade, haverá alguém que tenha um auto-conhecimento profundo, seguro, autêntico, integral? Na minha opinião, ninguém se conhece em profundidade. O sujeito poético diz que nunca quis ser poeta e, no entanto, poetiza como ninguém. A busca constante do seu eu, leva-o para dimensões mais além, muito distantes e nelas vagueia a mente, que de tão cheia, poderá confundir o leitor que se baseia apenas no concreto, na superfície e não consegue ascender às alturas, pois teria vertigens e isso seria perigoso. Continue poeta, escritor, crítico literário a deslumbrar-nos com as suas experiências das panorâmicas vistas no além onde se encontra. A imagem, sempre excelente num amplexo brilhante e em conchinha com o excelente poema. Parabéns aos amantes das artes, Manoel Ferreira Neto e Graça Fontis.


Maria Isabel Cunha


Acredito sim que no instante os ventos deixam o que há-de a-nunciar, há-de ser, há o instante as coisas estão mais claras, transparentes na consciência, foram re-colhidas as lições deixadas nos pretéritos.


Respondendo-lhe a questão da busca constante do eu, girei os cataventos no cume da colina, os redemoinhos no alto da serra, as ondas bravas dirigindo-se à praia, e creio que trata-se sim de questionamento inda recente. A palavra como síntese não é um fenômeno empírico (captável pelos órgãos sensoriais), nem é um fenômeno antológico (captável enquanto oposição aos outros fenômenos), mas é um fenômeno transcendental (que se capta como síntese e como possibilidade de ser do empírico e do ontológico). "As experiências das panorâmicas vistas no além onde se encontra", a que você se refere, Maria Isabel Cunha, e com primor, são a consciência das situações e circunstâncias contingenciais e a querença da estética.


Assim, sujeito e predicado só se compreendem na e pela frase. Sensação e conceito só se compreendem no e pelo juízo. As frases e cada frase só se compreendem no e pelo dis-curso. Do mesmo modo, o texto, no contexto. Assim, as palavras, no silêncio. Assim, os fonemas, na sílaba.


Nessa articulação em que se constrói o sentido, há sempre um predicado que se atribui a um nome, predica o nome. Esse predicar significa atribuir-se a si próprio, com tudo o que é, ao nome. Mas essa se constitui uma predicação sempre nova, porque a cada circunstância o mesmo predicado se reveste da realidade desse novo acontecer e o atribui ao nome, que, em mesmo sendo uma repetição do mesmo ser, está em nova circunstância, e nesse eterno reviver constroem a re-presentação do eterno vir-a-ser de cada homem e dos homens todos em cada fato e na história inteira.


O sujeito, por sua vez, assujeita o predicado, ou seja, impõe-lhe uma pessoa, a pessoa de que se re-veste o nome e dá-lhe uma id-ent-idade sempre nova a cada frase em sua singularidade ou pluralidade circunstancial e plena. Por isso e somente por isso a circunstância exige que o sentido seja polissêmico, pois a história não se repete, perdendo-se os fatos na fin-itude do tempo, irrecuperavelmente. A recuperação do fato pode dar-se parcialmente pela narrativa. Porém, a narrativa jamais recupera o fato em si mesmo. Reproduz simplesmente a reinterpretação de um sujeito que narra. Toda a linguagem é predicação e assujeitamento realizadas a um tempo na mente do indivíduo que fala para outro que escuta e reconstrói a seu modo e a partir de sua história a sua interpretação.


A partir de minha história a interpretação da existência, do mundo, re-colhendo e a-colhendo o que no tempo será verbo, deixar isto acontecer livremente. A minha visão-de mundo, das coisas, da existência no que sinto e penso... isto é sempre uma busca, um projecto.


Manoel Ferreira Neto


#AFORISMO 609/PARTES DO MEU EU#
GRAÇA FONTIS: PINTURA(TÍTULO: #DENTRANDO SONHOS E SONO#)//ARTE ILUSTRATIVA
Manoel Ferreira Neto: AFORISMO


Às vezes penso em mim,
em todas as partes do meu “eu”,
esse meu “eu” que nem eu mesmo
compreendo em sua extensão de eu.


Ai pudesse eu ser
todas as partes juntas do meu “eu”,
todas concatenadas em várias partes de mim,
todas reunidas em diversos ângulos de mim,
todas comungadas em inúmeras dimensões de mim.


Sou o ônibus que rasga a avenida rumo a algum lugar,
levando os passageiros ao seu destino,
sou o escritor que diz não de si, mas de outro
sempre à procura de si.
Nó górdio no riste da língua.
Não tem sentido falar de si. O melhor é falar
dos outros tentando mudar os outros...


Ideologia, utopia!
Sou as cenas vistas,
todas tendo um tempo marcado,
nunca entrando em pormenores psicológicos,
perspectivas psíquicas,
apenas mostrando uma interpretação,
entenda quem quiser...
apenas de-monstrando uma verdade,
mister dentrar-lhe nas entranhas.


Eixo sintagmático, paradigmático r.r.r.r.r.r.r.r.r.
Nunca sou “eu” realmente... O meu ”eu”
impede de ser
as ruas por onde ando, vendo edifícios,
arranha-céus,
os bancos de praças públicas, onde me sento,
observo os transeuntes,
homens, mulheres, pedestres, lésbicas,
homossexuais... Seres humanos!


Sou o cigarro que fumo, soltando fumaça,
perdendo-se no ar.
Não sou poeta,
nunca quisera;
o poeta diz coisas que, no momento,
não consigo dizer.


Apenas estou, aqui, tentando expressar
alguma coisa de mim mesmo,
do meu existencialismo.
O escritor conta estórias
tiradas não de si, mas da região escura de si mesmo,
e nunca sabe o que diz;
às vezes, se perde no enredo por si próprio esboçado,
nunca seguido.


Ai de mim...
Tic tac tic tac tic tac tic tac
O pêndulo do relógio bate incessantemente.
Estou longe do barzinho da frente,
do estacionamento de trás,
da realidade de lado.
Estaciono nas linhas que, agora, traço.


Rumo ao infinito de toda existência
pré-estabelecida.
Normas, valores,
idade da razão, razão de ser apenas isso:
um homem.


Sensacionalismo... À minha frente,
a parede verde.
Meus olhos se perdem no verde da parede
à minha frente!
Não preciso de óculos para enxergar.
Meus óculos estão dentro de minha mente.
Alguém me prometeu pintar um quadro,
mostrando-me a fisionomia de mim
e os óculos dentro de minha mente.


Sou o elemento mediador dessas quatro paredes
ao meu redor.
A parede é... O quarto é... Tudo enfim é... Apenas
estou tentando ser
algo de mim mesmo nos dedos que datilografam
versos sem rima, sem ritmo, sem forma;
modernas são as linhas que traço
apenas para dizer que, neste momento,
estou compondo um poema,
um poema que não diz nada,
Entretanto, o que nada diz
Traz nas suas entranhas o que ser
Olhado, in-vestigado, avaliado.


Não sou poeta,
nunca quisera!
O poeta sente as próprias linhas que traça,
o sentimento que vai por detrás dele,
em frente a ele,
ao lado dele.
Consegue, em poucas linhas, expressar
toda uma sensibilidade
que, talvez, ele mesmo desconheça.


Ontem estive pensando seriamente em tudo,
em todas as coisas;
assustei-me ao ver que a realidade não existe.
Existe, apenas, um corpo que vaga,
que paira no ar,
que entra por um vaso sanitário,
que perde o “eu” e vai atrás dele,
como se fosse um seu amigo de ontem,
de hoje, de sempre,
mas não deixa nenhum endereço para correspondência,
nenhum e-mail para contato,
Volta para casa e se tranca de novo... Meses após,
é encontrado num caixote de lixo
pelos funcionários da limpeza pública.
Um outro corpo que vai, ao cemitério,
visitar a si mesmo
e entra em fase retrospectiva
e se acha de novo, frente a sua sepultura,
dizendo apenas adeus,
pois precisava cuidar de si mesmo.
Sai do cemitério sem olhar para trás,
sem mesmo se lembrar que uma parte de si
está morta... Estive pensando seriamente em tudo isso,
em todas as coisas.


Penso na razão in-versa,
Suplementando as contingências do
Eu e do Outro,
Penso no intelecto re-verso
À face do Outro como diferente de mim,
como Ser em si mesmo,
diferenciado de mim,
com seu olhar que é sempre revelação de si mesmo,
não como projeção do eu dominador, superior,
dono de uma verdade absoluta e indiscutível,
que vem ensinar,
mas como acolhimento e escuta,
implica posicionamento diferente para mim.
Penso no in-fin-itivo,
E o que expresso nada diz do in-fin-itivo
Nenhuma palavra, nenhuma sílaba,
nenhum fonema é por si mesmo unívoco
e em razão de si mesmo.
A possibilidade da polissemia não está,
também,
na equivocidade.


Nada é diverso em razão de si mesmo.
Nem é diverso em razão, apenas, dos outros.
A possibilidade da polissemia está na síntese,
na analogia e não apenas
na dialética da oposição de contrários.


Não vi motivo para entrar numa tabacaria
e comprar o fumo;
o tabaco e fumar meu cachimbo,
que ora se encontra dentro de meu guarda-roupa,
numa inércia como eu também estou.
Inerte frente a esta folha de papel
que, de segundo a segundo, cria novas palavras,
novas sentenças, novos versos que nada dizem,
dizem apenas para quem os vai ler
e sentir que o escritor-contista não nasceu para ser poeta.


Nunca quisera ser um poeta.
Amigo, amigo... solidão, desespero, angústia.
Fumaça... São apenas as fumaças que ficam no ar
e não dizem nada, pois não têm nada a dizer,
apenas somem no ar,
sei lá... Ai de mim,
ai de mim, o poeta que está muito convencido
com essas linhas e chega a dizer
que elas estão dizendo muito, ah, este não é poeta!
E não custa nada dizer um pouco em versos
que vão se perder no tempo, no espaço,
no escuro de si mesmos e nunca terão nada a não ser
o corpo que a carrega e que breve, muito breve,
já não andará pelas ruas,
não vendo as cenas de tempo marcado;
e espero mesmo que seja breve,
depois não existe mais nada,
nem mesmo o que foi ou tentou ser e não foi,
o amor que se revelará,
não sei quando...
vivências, experiências,
O amor.
Fumaça...


No infinito há tanta esperança..., poesia cósmica, poesia-cosmos de início de outro tempo, de outra verdi-estação de paisagens e travessias do ser que se sonha ser, dos desejos de outros duetos losangos do sol nascente, do preâmbulo que precede a alma aromatizada de sublimes leniências que diluviam novos encontros, novos sonhos do verbo amar, novos verbos do sonho-amar o vir-a-ser da Vida.


(**RIO DE JANEIRO**, 02 DE MARÇO DE 2018)


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