#AFORISMO 657/PRET-ÉRITO IMPERFEITO# - GRAÇA FONTIS: PINTURA/ARTE ILUSTRATIVA/Manoel Ferreira Neto: AFORISMO

Se liricasse eu

As ondas do mar

Dirigindo-se às docas,

No imaginário,

Deslizar-se-iam sobre

Os ventos de por baixo delas,

Quê leveza! Que suavidade

Curso,

Percurso!

Escrever... Esqueceu-me não registrar qualquer palavra nos últimos dois dias; inquieto e pensativo, idéias e pensamentos fervilhando na "cachola", alfim passara aquela sensação horrorosa de seria cremado em praça pública, em se tratando de um escritor criar versos tão ridículos, creio ser o instante apropriado para espairecer as idéias e pensamentos, circunstâncias quotidianas.

As manhãs de outono são mais frescas. Chovera poucochito durante a madrugada; até que o sol mostrou um pouco a sua face, mas se escondeu atrás das nuvens. Quem sabe seja título interessante "Outono de Mim", ao re-verso de Pret-érito Imperfeito, mas por questões alheias e obtusas, será este. As verdades na mão. Sinto-me escrevendo, sinto aquela algazarra das palavras na alma, isto sem contar o fato de a iluminação ser apenas coadjuvante, não sei dizer o que vai além da iluminação, sinto-a, as idéias fluem leves; enquanto escrevo, assobio, canto. Alguma dimensão trans-cendental de mim. Clarice Lispector disse que as palavras são a quarta dimensão dela. Escrever no inverno é a minha quinta dimensão trans-cendental.

Se liricasse eu

Os verbos dos ventos

Conciliando e regenciando os temas,

Na inspiração,

Os ventos em corcovas

Categorizariam os tempos,

Gerúndio, particípio, imperativo,

In-fin-itivo...

Se liricasse eu

O nada das con-tingências,

Soprando de mansidão e leveza

As ipseidades e facticidades

Das idéias, pensamentos,

Criaria o Ser do Sonho-Verbo...

Tive uma idéia - não sei se supimpa! Antes, porém, engraçadíssimos são estes versos que me surgem, não existe o verbo "liricar", nesta dimensão então, pretérito imperfeito do subjuntivo não existiria de estilo e linguagens nenhuns, seria um disparate, risos e galhofas às pencas. Por que não aliviar um pouco com esta criação, rindo, gargalhando, as reflexões? Terminar este escrito, depois de tomar um banho n´água fria. A água fria restabelece todas as energias sensíveis, emocionais, sentimentais, psíquicas.

Deem-me licença, leitores. Vou tomar o banho gelado matutino. Volto logo.

Manhã fresca de outono. Banho matutino gelado. Odeio água fria. Estive por mais de mês sem condições de adquirir outro, pagar quem possa fazer o serviço de instalação. Vou-me levando nesta miséria. Odeio água gelada. Orientação médica: estou envelhecendo, a água quente exerce péssima influência na pele, as rugas aumentam. Pudesse trabalhar, mas a psicopatia aposentou-me, a vida fora o magistério, não posso mais lecionar. Nada sei fazer. Faço este sacrifício em nome de minha pele lisinha. As vaidades custam muito caras. Este preço de tomar banho nágua fria estou pagando. Que outro preço não esteja pagando? Isso sem contar que nada há para evitar envelhecimento da pele. Faltam-me desodorante, pasta dentifrícia. "Muxibento" não - pelo amor de Deus! Dizem as "gatinhas" que estou muito enxuto pela minha idade, quero conservar isto; ser objeto de admiração das "gatas". Tudo vale nestes instantes da vida, até as futilidades, frivolidades. Conservar o corpo pelo menos; a alma... não tem mais lugar nela para tantos problemas em todos os níveis.

Se liricasse eu

As nonadas das travessias,

As pontes partidas seriam sendas

Para o in-fin-itivo das utopias e ideais

Intros-pectivos e circunspectos

As ausências se revelariam plenas,

As faltas se patenteariam obtusas,

As falhas se manifestariam oblíquas,

O vazio se identificaria absoluto...

E se vós, oh artífices da palavra,

Poetizasseis estas dimensões e categorias,

A alma se rejubilaria de fantasias, ilusões,

A poesia seria a pureza ingênua e inocente

Do devaneio e desvario.

O inverno está próximo. Vou me sentir bem, maravilhosamente bem. A passagem está comprada. Isto tudo será passado, aprendi as lições que a miséria ensina. O outono de mim é só esta frescura das manhãs, os banhos n´agua gelada. Vou-me prolongando, prosseguindo, só mais quatro dias.

(**RIO DE JANEIRO**, 21 DE MARÇO DE 2018)