**TÁBUAS INFINITAS DO VERBO** - Manoel Ferreira


Arre!...
É esta a palavra que me surge de imediato, embora não seja a única e verdadeira que me surgiu, creio haverem outras que se revelaram, mas com o desejo de causar impacto preferi esta. Onde está a imaginação, a capacidade criativa, a fertilidade da criação? Ando a passos lentos, acredito um bicho-preguiça estaria andando mais rápido em caminhos invisíveis, apesar de toda a iluminação neles existentes. Sem viver o que surge, situações e circunstâncias, não encontrarei a vida. Pensei continuar dizendo: “Por esta razão”, mas me surgiu que quem anda em caminhos invisíveis não pode dizer assim, há a verossimilhança, sem dúvida, devendo ser leal e fiel a ela. No interior, encontro o silêncio procurado que transformo em solitude branca e ilimitada.
Verdades... Dizê-las, não dizê-las? Se o desejo é realizar os sonhos da vida com o outro, construir a felicidade, concretizar o encontro sensível, as verdades deve ser ditas abertamente, nisso é o amor que se abre inteiro, mostra ser verbo espiritual, a alma aberta às buscas e querências do "Ser".
Verdades dentro de outras verdades, dentro de outras verdades, dentro de outras verdades... Leve... Muito leve... Verdades que libertam, abrem asas e alçam vôos a horizontes onde o há-de vir se anuncia pleno de pers-pectivas de re-fazendas, aberturas para o outro de ser, ser-outro de contingências e transcendências, de sensibilidade e esperanças do absoluto.
Amar, abrir a alma aos sonhos do espírito, verbalizar sentimentos e emoções. E as verdades acumuladas no pretérito das experiências e vivências são sementes, húmus, pedras angulares dos universos do Ser nas suas anunciações de estesia.
As verdades seduzem, encantam...
Surge-me que não nasci para as águas puras, mas para as límpidas e de fácil acesso. Não compreendo isto que estou a dizer, não entendo por haver tido sempre a esperança de, em sendo límpidas, seria possível mergulhar o mais possível, tornando-as puras à medida do aprofundamento, e agora digo que não nasci para as águas puras, no mínimo está havendo um medo ou mesmo haver sido inautêntico. Não o sei. Contudo, desejo sim que permaneça deste modo, não nasci para as águas puras. Se ando em caminhos invisíveis, não sei mesmo o que isto possa significar, embora significando algo, quem sabe até mais profundo ainda, somente ao final desta meditação é que terei o entendimento e compreensão disto que me surgira.
Os raros instantes que às vezes consigo de visão, de vida consciente e com sabedoria, de alegria contagiante e intensa e tão tranqüila e calma como o estar à janela do quarto, os cotovelos no parapeito, fumando um cigarro, olhando em direção às montanhas que à hora se encontram cobertas pela noite. Estes instantes, às vezes longos, às vezes rápidos, não são nem um pouco suficientes para satisfazerem minha busca, os desejos e sonhos todos que dentro de mim trago, e que esta é toda a sede de meu ser, realizá-los plenamente. Não apenas uma idéia, um pensamento. Estou verdadeiramente em meu interior, não se trata do instante raro, não é à hora de as montanhas estarem cobertas pela noite, é de manhã.
Qualquer coisa surge. Tendo olhado para o cinzeiro, esticado o braço para apanhar o resto de cigarro que estava fumando, não percebi o que mesmo me surgira. Estou verdadeiramente em meu interior, havendo um silêncio bem profundo. Só que este silêncio, compreendo-o muito bem, há muito aprendi a conviver e viver este silêncio, sinto-me alegre e satisfeito. Este silêncio é um pedaço desta manhã, a janela aberta, o sol está quente. Não sinto solidão, não sinto desamparo. Estou bem. Acredito e creio que jamais em toda a vida me senti assim tão amparado, tão tranqüilo.
Continuo dentro de mim escutando dentro do silêncio a felicidade, a alegria, o contentamento. É preciso que me não esqueça, lembre-me de não esquecer, penso comigo, uma presença bem forte e viva, de ser um homem feliz, estou sendo feliz mais do que me posso ouvir ser, havia surgido “se pode ser”, contudo decidi aprofundar-me um pouco mais. É necessário que procure admitir que talvez só encontre as águas puras se as buscar em suas próprias fontes pequenas. O meu desejo de outras fontes menores ainda!... Esta ânsia que me dá sempre que penso nestas fontes menores dá-me uma fisionomia de quem medita para viver e não vive para meditar. Arre, se vivesse para meditar! Felizmente, medito para viver, e isto para mim é realmente muitíssimo importante.
Palavras muito puras, pingos de chuva que escorrem na vidraça. Bem, é preciso que me surja o que quero dizer, o que devo dizer. Inspirai-me!... A quem penso que me inspire, o imperativo aqui na segunda pessoa do plural é um pedido, um rogo, e não sei a quem esteja rogando, pedindo que me inspire, trata-se apenas de um recurso, ainda bem que o saiba eu, antes que me surja o que quero dizer, o que devo dizer. Tenho quase tudo para que a inspiração se revele: estou calmo, tranqüilo, aberto para o mundo e para a vida, e é quando a inspiração se manifesta com mais força e vivacidade. Tenho o sentimento e a emoção à espera da essência. Se assim o é, já deveria haver sentido a inspiração, e, no entanto, penso, sinto, emociono-me, e nada me surge.
O que deve fazer um homem que anda em caminhos invisíveis, não sabendo em que lugar está, em que está pisando levemente. Utilizar-se da intuição e espírito em proveito mesmo da intuição e do espírito? Ou transformar esta invisibilidade em uma luz? Bem, disse-o desde o início, há luminosidade neste caminho que sigo em passos lentos, uma luminosidade de dentro, é óbvio. Ou esperar que a inspiração me surja, nasça como conseqüência nítida e nula de estar andando em um caminho invisível. Isto mesmo: como uma conseqüência nítida e nula.
Tudo o que sinto está muito fundo dentro de mim. Surpreende-me de fato, olhando-me ao espelho do armário de roupas, surpreende-me que haja tanta coisa em mim além do que conheço, tanta coisa sempre muito silenciosa. Às vezes à minha descoberta diante do espelho, descoberta desta surpresa por não conhecer muita coisa dentro de mim, segue-se um amor ainda sutil, ainda tímido, por mim próprio, um olhar constante ao espelho, um sorriso de compreensão e alegria, um grande agradecimento, por os homens me fitarem, me cumprimentarem com apreço e dedicação.
Até que uma palavra surja de imediato, uma frase, uma exclamação, como fora no início desta minha reflexão, desta meditação assim que acordo e percebo tratar-se do primeiro dia de tempo novo. Relembro-me surpreso de outros segredos, de coisas que estão bem fundas em mim, coisas que não conheço, devendo dizer com toda a empáfia ser um sonho profundo conhecer estas coisas, tornam-me elas ilimitado, infinito, e, com certeza, sinto-me feliz por isto. É a vida.
O que tento dizer com todos estes pensamentos, todas estas idéias? Neles, pressinto o ouvir-me ser, aquela luminosidade a que me referi antes é o mistério impassível que ouço fluir no interior. Meu Deus, pelo menos inspirai-me... Desejo tanto comunicar-me com estes pensamentos todos, todas estas idéias. Fazei realidade em mim este desejo das águas puras? Disse-o antes que não nasci para as águas puras. Como é que agora estou a rogar a Deus que torne este desejo das águas puras realidade, uma realidade só minha? Há uma contradição.
Mais um instante e precisarei de ouvir-me ser ainda mais. Que importa que em verdade esteja ainda deitado na cama, olhando as nuvens claras através da janela de meu quarto de dormir.
Ando para a frente, já não me importa mais se estou num caminho invisível, ando para a frente como se segue uma longa avenida, uma Avenida Paulista, por exemplo em direção ao túnel que leva à Avenida Rebouças.



Manoel Ferreira Neto.
(24 de maio de 2016)


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