COMENTÁRIO DA AMIGA, ESCRITORA E POETISA ANA JÚLIA MACHADO AO TEXTO /*CASCATAS DE CRISTALINAS ÁGUAS*/


Quimeras...
Lágrimas e fadários. Desfecho os acessos de minha selva imatura e opaca, dessa selva com fragrância de báratro onde circula lustre, vítreas lágrimas, e nalgum loco, por que nomear a designação, quem o concebe, não olvida nunca? Estas águas vítreas descendem de cachão, nalgum antro águas gotejam de “formações rochosas que descendem/formações rochosas que ascendem”. Aqui, anexo à ventã, alvorada, três e meia da manhã, a aragem é mais bonança, de onde afiguro as águas cursando a direcção nos flúmens de todos os locos, em todos os locais do universo, salvo no despovoado onde não é localidade dela. Destinos, fadários, lágrimas circulando em flúmens.
As locuções quebram entre as tachas em fragmentos débeis? Por que não me aflui a água interiormente? Tenciono ser transparência. Purgai-me um escasso e possuirei o vulto desses seres que se abrigam aquém da água.
A Númen penaliza em todo o físico. Mais um singular segundo e carecerei ser mais do que uma númen, ser cataratas de vítreas chuvas. Ao inverso, quem lá incumbe conhecer se de previamente e remudes, dessa sufocante dita, como um demasia de sopro, experimentarei límpida a impossança de deter mais do que uma ditame, de excede- la, de fruí -la – e ser deveras transparência.
Abona certo prazer residir com a ventã brecha, aurora, as sortes no firmamento, o arejo um moderado fresco ingressando, assentando termos à atribuição, factos que pretendem dimanar no manancial oriundo, por via da reminiscência, da retentiva ou da meditação. Que tenho de agir com os desgraçados olhos que galanteiam às literaturas sendo retratadas na fólio cã de atribuição, as imagos sendo esboçadas, aprimoradas, à cata da perfeição, da estesia, de tudo o que me atravessa a consciência e frui avidez de se converter verídico, quando se contemplarem ao reflexo, avistando na área polida o simulacro circunspecto, não me trasladei a limpidez, não a sou?
O que possuo confeccionar? Não me interessa a questão que me insinua estas inscrições: consistirem elas mesmas inscritas num jornal sensacionalista e, um item registado, mais um entre distintos que aportaram se expondo entre de quimeras antecedentes a quaisquer outros, e hoje são quimeras a retirar de outros que aportaram sendo executados.
Quem conhece a existência seja isto mesmo, simulacros dentro de distintas imitações. O êxito delas, serem admiradas, serem sémen de expugnações vindouras, de haveres que abrupto espertou a ambição, e tudo o mais são pesquisas de a extinguir com a transparência, por mais que o acontecimento os enrede e restitua, saem análogas na demora, quem conhece ao oposto de intempéries que me residem, e nas eventualidades, nas intempéries de antagónicas aparências; assim a anais, assim o restante.
Vede como, com as figuras, atributos, simulacros, as cachoeiras de luminosidades transparentes me povoam, a índole de interiormente em mim reproduzi-las.
Que interessa que em cariz permaneça nesse instante na secretaria, a dama no segundo andar a cochilar, por ocasiões, ainda que dormitando procura com a manojo enlaçar-me, aprisionar-me, não me achando no tálamo? Que interessa o que é deveras? Alteio-me pacífico como aprazível como um bafejo, alteio a cabeça, os pecíolos suaves, permeio rasos de chão, cachoeiras, ornatos, selvas, além de tudo, do solo, do universo, do tempo, de Divo.
Uma alma vagabundeia ou esvaziada, ou ambas estas realidades encontra vantajosa isto de assistir-se redigindo sobre algo que jamais será verídico, isto de me converter límpidas lágrimas, ser cachoeira. O intento de exibir que, muito embora, e por fanfarrice, sem esta divagação sou ridículo, pateta, a insignificância, em exactidão, e é para não ser nada que resido a devanear, como referência o devaneio, muita vez, problemático, muitos sofrimento e penar, desilusões e desesperações de divisar as locuções representadas na fólio de atribuição cã, articulada por criaturas; admiram a beleza, o carácter, o dialecto, recordam-se, evocam-se de circunstâncias alegres à ilharga de privados e amigáveis à margem de um flúmen, em catadupas, pântanos, imensidade, pélagos. Recordam-se e aí o devaneio se ostenta, modernas expugnações, renovados encontros e desacertamos, a existência cursando o seu propósito que é o chão da alforria.
Dor exaltação em mim interiormente, auxiliando às cachoeiras de lágrimas límpidas em mim interiormente, as retentivas, anamnesias de itens registados em jornais sensacionalistas outros que não os modernos, em brochuras, e nos repositórios e portefólio do ordenador, e eternamente a imago... Penso não mais existir qualquer faculdade de dignidade entre as lágrimas e as literaturas em mim. Se nem continuamente são alicerçadas... – o que? As lágrimas? Quem, eu? Não o percebo – em episódios verdadeiros, a enumeração de uma condição à margem do flúmen, do lamaçal, mas estes que dentro em mim aspiro, embora não me seria praticável esta intimidade se não tivesse permanecido à falda de um, muita ocasião o é, e suficiente que seja alicerçado em ensaios verdadeiros, sem o reconhecimento do local, e em que condições, para legitimar as outras que não alcançaram.
A razão oculta de não recontar a essência, a condição, não entendo. Quem percebe resultante a facto que me escapule a olhos desnudos, com a era deixaram a congénita argúcia, acuidade de particularidades e minudências. A alma gagueja ventura recente ou inopinada, quando me aflui à mente a chuva pura de Lavrinhas onde permaneci na mais viçosa puerícia.
Afundo na concepção e posteriormente assomo, como de negrumes, das localidades ainda não exequíveis, ah ainda não permissíveis. Daquelas que me escasseia a habilidade e talento para congeminar, mas que são veros
Quimeras dentro de outros quimeras, dentro de outros devaneios. Deambulo, resvalo, porfio... Incessantemente sem cessar, despistando a exaltação que me usurpa a alma por deter entendido outras literaturas recentes sendo concretizadas, lidações por certos, e é aqui que domicilia o relevante... Auxiliam de lágrimas para extinguir as avidezes de expugnações, entendimento, sorte.
Despistando a secura afadigada de assentar num remate, dianteiro as lágrimas e os recados divinais, não foi por entre elas que Moisés trespassou com o seu revolto grei em comando à terra da alforria? Não foi por cima delas que Redentor caminhou? As palavras e términos que esperem.



*CASCATAS DE CRISTALINAS ÁGUAS*



EPÍGRAFE:



Águas de amor cristalino seguem em mim dentro o rio de sendas e veredas do sonho do verbo "Ser", vou seguindo-lhe eivado de esperanças e fé. (Manoel Ferreira)



Sonhos...
Águas e estrelas. Abro as portas de meu bosque verde e sombrio, desse bosque com cheiro de abismo onde corre água, cristalinas águas, e nalgum lugar, por que citar o nome, quem o conhece, não esquece jamais?, estas águas cristalinas descem de cascatas, nalguma gruta águas pingam de “estalactites que descem/estalactites que sobem”. Aqui, junto à janela, madrugada, três e meia da manhã, o ar é mais calmo, de onde imagino as águas seguindo o curso nos rios de todos os lugares, em todos os lugares do mundo, exceto no deserto onde não é lugar dela. Estrelas, estrelas, águas correndo em rios.
As palavras estalam entre os dentes em estilhaços frágeis? Por que não me vem a chuva dentro? Quero ser água. Purificai-me um pouco e terei a massa desses seres que se guardam atrás da chuva.
A inspiração dói em todo o corpo. Mais um único segundo e precisarei ser mais do que uma inspiração, ser cascatas de cristalinas águas. Ao invés, quem lá pode saber se de antemão e revezes, dessa asfixiante felicidade, como um excesso de ar, sentirei cristalina a impotência de ter mais do que uma inspiração, de ultrapassá-la, de possui-la – e ser realmente água.
Dá certo gosto estar com a janela aberta, madrugada, as estrelas no céu, o ar um pouco frio entrando, deitando palavras ao papel, coisas que querem fluir na fonte originária, por via da memória, da lembrança ou da reflexão. Que hei-de fazer com os pobres olhos que assistem às letras sendo impressas na folha branca de papel, as imagens sendo delineadas, buriladas, à busca da beleza, da estética, de tudo o que me perpassa o espírito e tem sede de se tornar real, quando se olharem ao espelho, vendo na superfície lisa a imagem refletida, não me tornei a água, não a sou?
O que hei de fazer? Não me importa o objeto que me inspira estas letras: estarem elas mesmas registradas num tablóide, um artigo escrito, mais um dentre outros que foram se apresentando dentro de sonhos anteriores a quaisquer outros, e hoje são sonhos a partir de outros que foram sendo realizados.
Quem sabe a vida seja isto mesmo, imagens dentro de outras imagens. O sucesso delas, serem apreciadas, serem semente de conquistas futuras, de algo que súbito despertou a sede, e tudo o mais são buscas de a saciar com a água, por mais que o acaso os teça e devolva, saem iguais no tempo, quem sabe ao in-verso de invernos que me habitam, e nas circunstâncias, nos invernos de in-versas ilusões; assim a história, assim o resto.
Eis como, com as metáforas, símbolos, imagens, as cascatas de luzes cristalinas me habitam, o estilo de dentro em mim retrata-las.
Que importa que em aparência continue nesse momento no escritório, a senhora no segundo andar a dormir, por vezes, ainda que dormindo busca com a mão abraçar-me, agarrar-me, não me encontrando na cama? Que importa o que é realmente? Levanto-me tranqüilo como suave como um sopro, ergo a cabeça, os pés leves, atravesso campos de terra, cascatas, flores, bosques, além de tudo, da terra, do mundo, do tempo, de Deus.
Um espírito vadio ou vazio, ou ambas estas coisas acha útil isto de estar escrevendo sobre algo que nunca será real, isto de me tornar cristalinas águas, ser cascata. A intenção de mostrar que, muito embora, e por gasconada, sem este sonho sou tolo, imbecil, o nada, em verdade, e é para não ser nada que estou a sonhar, a partir de sonho, muita vez, difícil, muitas dores e sofrimentos, decepções e desesperanças de ver as palavras impressas na folha de papel branca, lida por pessoas; apreciam a estética, o estilo, a linguagem, lembram-se, recordam-se de momentos felizes ao lado de íntimos e amigos à beira de um rio, em cascatas, lagoas, mares, oceanos. Lembram-se e aí o sonho se apresenta, novas conquistas, novos encontros e desencontramos, a vida seguindo o seu destino que é a terra da liberdade.
Trago euforia em mim dentro, assistindo às cascatas de águas cristalinas em mim dentro, as lembranças, recordações de artigos escritos em tablóides outros que não os atuais, em livros, e nos arquivos e pastas do computador, e sempre a imagem... Creio não mais haver qualquer possibilidade de distinção entre as águas e as letras em mim. Se nem sempre são fundadas... – o que? As águas? Quem, eu? Não o sei – em fatos reais, a descrição de uma situação à beira do rio, da lagoa, mas estes que dentro em mim trago, embora não me seria possível esta intimidade se não houvesse estado à beira de um, muita vez o é, e basta que seja fundado em experiências reais, sem a identificação do lugar, e em que situação, para justificar as outras que não foram.
A causa secreta de não descrever a natureza, a situação, não o sei. Quem sabe devido a algo que me escapa a olhos nus, com a idade perderam a natural agudeza, perspicácia de detalhes e pormenores. A alma soletra felicidade nova ou inesperada, quando me vem à memória a água cristalina de Lavrinhas onde estive na mais tenra infância.
Mergulho na imaginação e depois emerjo, como de nuvens, das terras ainda não possíveis, ah ainda não possíveis. Daquelas que me falta o engenho e arte para imaginar, mas que são reais
Sonhos dentro de outros sonhos, dentro de outros sonhos. Ando, deslizo, continuo... Sempre sem para, distraindo a euforia que me invade o peito por ter visto outras letras novas sendo realizadas, lidas por alguns, e é aqui que habita o importante... Servem de águas para saciar as sedes de conquistas, paz, felicidade.
Distraindo a sede cansada de pousar num fim, primeiro as águas e as mensagens divinas, não foi por entre elas que Moisés atravessou com o seu indigno povo em direção à terra da liberdade? não foi por cima delas que Cristo andou? As silabas e termos que esperem.


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