**MÚSICA DE LUZ PURA** - Manoel Ferreira


Vós me ouvis, Senhor?



Quisera amar, Senhor,
Preciso amar.
Todo meu ser é um imenso desejo,
Vontade, esperança;
Meu coração, meu corpo
Dentro da noite se tesam e retesam como quem busca
Um desconhecido para amar.
Meus braços batem no ar
E não posso, não consigo apanhar
Um objeto para meu amor.



Estou sozinho, Senhor, e queria ser dois.
Falo, e ninguém para acolher-me a vida.
Por que ser rico assim e não ter ninguém a enriquecer?
Por que tanto amor no peito e não haver a quem entregar
Com volúpia e êxtase, com alegria e felicidade?
Donde vem esse amor?
E para onde vai?



Quisera amar, Senhor,
Preciso amar.



Aqui está, Senhor, esta noite, todo meu amor inativo



Escuta, meu filho,
Pára um pouco, e faze, silenciosamente,
Uma longa romaria até o fundo do seu coração.
Caminhai ao longo do teu amor novinho “em folha”,
Como quem remontasse à corrente de um regato para encontrar a nascente.



E bem no fim, já no fundo, no infinito mistério de tua alma
Conturbada Me encontrarás a mim,
Pois meu nome é amor, meu menino amada,
E desde sempre outra coisa não fui senão amor,
E o Amor está em ti.



Fui eu quem o fez para amar,
Para amar eternamente,
E seu amor passar para um outro você mesmo:
É aquela que procura,
Fica tranqüila, ela está em seu caminho,
O caminho desde sempre, na Estrada de meu Amor.
Há que esperar que ela passe,
Ela se aproxima,
Você se aproxima,
Vos reconhecereis,
Pois para você fiz seu corpo, e fiz o seu para ela,
Para ela fiz seu coração, e para você o seu.



Procurai, filho, as duas, dentro da noite,
Em “minha” noite que se fará em luz se me mostrais confiança.



Guarde-se para ela, meu filho,
Como ela se guarda para si.



Eu vos guardarei um para a outro,
E já que tem fome de amor, coloquei no seu caminho
Todos os seus irmãos a amar.



Crede-me, filho, é um aprendizado bem longo o do seu amor,
E não há muitas qualidades e espécies de amor:
Amar, sempre é deixar-se para ir aos outros...
Sempre, como dizia Camões, “é um andar solitário por entre a gente”



Senhor, ajuda-me a esquecer-me por meus irmãos os homens,
Para que um dia, dando-me, eu aprenda a amar...



Senhor, vós me ouvis,
Tenho fé, sinto-a; tenho esperança contemplo-a?
Não, Senhor, dirijo-me a vós,
E clamo que me ouvis,
Sei que me ouvis.
Outros são os momentos, mesmo vós que me ouvis,
Não compreendeis bem o porquê
Destas entrelinhas o húmus de outros tempos que vivo,
Não compreendeis o porquê de a re-presentação destas linhas
De recordação, memória, lembranças,
Mostrar um itinerário, mas acabo de me despertar noutra manhã,
E sinto profundo outras anunciações e revelações,
Desde que vos dirigi a palavra, estando a sentir-me angustiado, triste
Cabisbaixo e melancólico.



Será que deveria Senhor,
Não vos pedir apenas que ouça a minha “fala”,
A minha “confissão”,
Pedir-vos, Senhor,
Prestar mais atenção no que ora lhe digo,
Quando as emoções, sentimentos, estados de espírito
E de alma, são outros.
Outros são os tempos, Senhor, e os tempos são outros,
Contudo,
Devo dizer-lhe que me sinto livre, a liberdade
Da águia que sobrevoa os horizontes
De ontem,
De hoje,
E nos leva em suas asas a desejar contemplar
O que nos habita profundamente,
Claro, Senhor, hás-de convir comigo
Que tenha sido mais verdadeiro, enfim era uma dor
Pujante, dilacerante,
Que trespassava-me por inteiro,
Então, escolhendo as letras não como modo de me expressar,
Um estilo de exprimir o que dentro trago em mim,
Para dizer, contemplar o que em mim habita o íntimo,
Sendo verdadeiro, digno, honesto comigo,
Em todos os momentos,
Dores e sofrimentos são trilhas nas razões
In-versas dos horizontes e universos
Que nós os homens necessitamos trilhar a cada passo,
Só que penso e sinto na dignidade,
No amor,
Na esperança,
Na fé,
Na fidelidade,
Na lealdade,
Em busca de horas terras e florestas onde
Possamos nós os homens sonhar e desejar
Outros caminhos e becos, por onde
Continuar a andança pelas estradas da busca
De que sou,
De meu conhecimento,
E em mim o desejo eterno
Da imortalidade, da eternidade.



Sim, senhor, o conhecimento histórico, o conhecimento de mim, sem medos e peias, sem correntes e algemas, mesmo sofrendo, sentindo dores, às vezes dilacerantes, brota sempre de novo, de fontes inesgotáveis, as coisas estranhas e disparatadas que vivemos intimamente, complexas e difíceis de serem entendidas, e nesse momento vejo, vi e verei nitidamente, com estes olhos que a terra há de comer, como temos nós, as suas criaturas amadas, o costume de dizer quando se deseja ser o mais sincero e digno, sinto presente os limites, o que me parecia haver sido real-izado, embora tenha sido noutros ângulos e perspectivas, é apenas esperança, fé, de alcançar a minha ressurreição, redenção, ser merecedor, Senhor, do Paraíso Celestial como Vós nos prometestes aos homens, e que Deus em Sua Plenitude doa a quem seguir as Suas Palavras, as Palavras de Amor, Solidariedade, Fé, Compaixão.



São horas de cinza de espírito, não tenho a ousadia, não sou aventureiro, pudera sê-lo, não me pergunto para que é isto que não é para coisa alguma, para nada, estaria apenas tentando preencher o vazio das horas com algo sem sentido, não há resposta, nem posso entender que, não tendo resposta, como uma pergunta fora criada, fora feita.
Tenho-me esquecido do tempo, em verdade. Vivo um tempo que não sei decorrer, um espaço para que não há pensar, não há imaginar, não há sentir, não há desejo e nem vontade, um decorrer fora do tempo, uma extensão que desconhece as emoções e sentimentos, conhece o saber como é suave saber que a espiritualidade, o conhecimento, a contemplação, na clepsidra deste imenso desejo, sonho, vontade do sublime, entregar a vida a esta busca, esperançoso de vir a sentir o gosto do sublime, gotas regulares de esperança, de fé, marcam horas irreais.
Lá fora, a noite tão longínqua! Sonho e de por trás da minha atenção sonha comigo alguém... E eu, que pela manhã da distância, da lonjura que vai o dia quase a esqueço, é ao lembrar-me dela que sinto em mim desejos os mais excêntricos, os mais inusitados de, num recanto afastado da sabedoria o ritmo íntimo das vozes que ouço a dizer-me próximo à alma do alto silêncio, mostre se a vaga à pressa resvala como um cúmplice fugaz, perante a noite confusa; se a poesia íntima dos versos da canção embala o que está perdido e as sendas que servirão de trilha para o encontro revela a saudade que o sudário esconde; sinto em mim o espanto que as horas de desassossego, para além da linha externa das montanhas, são hábitos de estilo, costume de formas, e para além dessa não há nada...
Os olhos não são escuros, mas claros, e é apenas a sombra das longas pestanas que os escurece. Penso poderia estar alhures. De mim já se afastou a última esperança. Acaso a natureza ou nobre alma agora um bálsamo não têm, que me traga bonança? Por vezes, não sinto limites no corpo. Con-templo ora o sorriso cínico e irônico, revelando rebeldia e meditação acerca de o cristianismo con-templar a morte e não a vida, dizendo-me da melancolia e nostalgia. Ponho em nível de suas sensações as extremidades algo longínquas das mais nobres emoções. Imagino estar algures.
Hesito, agora, em continuar a idéia que se me revelou na mente. Não há muito que, encostando-me ao parapeito da janela, após a estiada da chuva, olhando à distância a neblina, e agora, tudo se me afigura um sonho. O coração bate descompassado, não estou nem um pouco consciente da emoção que se me revelou a ponto de o coração bater descompassado, para isto, para o fazer bater descompassadamente, há-de ser algo emocionante, inusitado. Em princípio, ouço com um sorriso calmo e paciente, que raras vezes me abandona; mas, pouco a pouco, uma expressão de espanto e, em seguida, de medo transparecem e se fixa no meu olhar. O sorriso não desaparece de todo; mas, por momentos, parece vacilar.
Na neblina da montanha, chovera por quase três dias seguidos, pela manhã de hoje estava toda encoberta, já vislumbro e vejo as musas passarem dançando, e, em que depois, descansando quieto no equilíbrio da alma matinal de por baixo de alguma árvore, encostado ao seu tronco, dessas copas e ramagens me sejam lançadas coisas novas, inusitadas, excêntricas e claras, dádivas de espíritos livres que moram na montanha, no bosque e na solidão...



Manoel Ferreira Neto.
(12 de maio de 2016)





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