#O VALE CONTINGENCIA A JORNADA DO DIA# GRAÇA FONTIS: PINTURA Manoel Ferreira Neto: PROSA



Caminho por corredores estranhos e mofados. Algumas lembranças vazam pelos cantos, dando um travo, apertando até ficar mais sensível a alma. Afasto estas lembranças para poder seguir, importa isso, importa seguir, mas para onde?
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Um olhar dentro que sempre me faz arrepender de não haver dito as derradeiras palavras nesta ou naquela situação, o gosto desenxabido de letras e acentos. Principalmente do que não gostava. Arrependo-me do que não gosto, não trago dentro qualquer admiração e reconhecimento. A paixão, a inominável paixão ser... este o sentimento que irrompe.
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Desde quando acredito trazer comigo um bolo de sentimentos a ser dito nessa hora? Não o sei, creio que desde a eternidade. Se é ou não chegado o momento de dizer coisas armazenadas há muito, libertando-me do arrependimento trago nas costas, sentindo-me entregue aos desígnios, não me é dado responder, mas, em contrapartida, digo que algo está muito diferente, quem sabe por haver decidido mergulhar nesta gruta, marulhar nestas águas ondeadas de gotas flanando no ar à mercê do vento, seguir alguma trilha que, no íntimo, sabendo de antemão, não mais me sentirei arrependido disto e daquilo. Não ajuízo os porquês sim e não das coisas passadas, sim não saber havia tanto a ser feito, o tempo é exíguo agora, tempo de perguntar "será que sou capaz de fazer tudo isso a toque de caixa, de cinzas? Não quero deixar pendências, fiz o que tinha de fazer."
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a verdade da vida ser o espírito de desejâncias,
ser a alma de travessias e passagens,
travessias e passagens de símbolos do vir-a-ser,
travessias e passagens de signos do eterno,
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as travessias da vida serem a alma dos sonhos
perscrutando as esperanças e entregas,
perquirindo os enigmas do desejo de querer
a verdade cristalina que sacia a sede do sujeito.
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travessias e passagens de metáforas da felicidade
e alegria perenes, travessias e passagens
de linguísticas e semânticas do pleno.
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travessias e passagens da metafísica da loucura
e trafulhas imortais, trambiques póstumos
rumo à insanidade de todas as gerações e tempos
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Deixo-me envolver pela carícia do silêncio, olhando uma luz que sai de uma fresta do teto, incidindo na água de uma pequena lagoa no canto esquerdo. Encontro-me sentado a uma pedra, contemplando as coisas. Anoitecendo. O vale contingencia a jornada do dia. Bem filosófica esta cena, sentado a uma pedra no descampado do vale, mãos amparando o queixo, invisíveis aos olhos de quem perscruta, olhando ao derredor.
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Cada momento me transforma, convencendo-me, com a maior facilidade, a aceitar as forças que me habitam, a acolher os sofrimentos e dores, sentimentos e emoções trazidos em mim dentro; persuadindo-me, com algumas dificuldades, por haver instantes, longos e difíceis, em que acredito não ser capaz de entregar-me aos seus desígnios, a poderes mais criadores e inventivos.
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Sonho.
Este sonho traz-me tanto êxtase:
tenho ansiedade de crescer,
ser alguém na vida
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– ouvira isto desde sempre,
“é preciso ser alguém na vida” -,
fazer algo de que realmente gosto.
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O sonho leva-me à esperança e,
aos meus olhos,
apesar de lúcidos,
tenho dúvidas se continuo consciente,
se a Arte da Inconsciência
Concebe a Vida da Sabedoria.


#RIO DE JANEIRO, 29 DE ABRIL DE 2020, 00:54 a.m.#

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