CELEBROU O SETE!... DE LAMBUJA – DE COMO SATIRIZAR A METAFISICA DAS PULGAS GRAÇA FONTIS: PINTURA Quinzinho de Parafusos a Menos: SÁTIRA



Epígrafe:
O eidos da sátira é não deixar envelados os rabos no que tange ao cinismo, sarcasmo, ironia, os verbos do homem e do mundo são eminentemente rasgados."
(Quinzinho de Parafusos a Menos)
@@@
Não me sinto à vontade – o que não significa o incômodo e des-conforto sejam grandes -, res-pondendo a questionamento tão profundo, cujas idéias devem ser inda mais profundas, se não me foram ditos os interesses e projetos de por trás dele, o que está sendo desejado saber e conhecer, o que mesmo se quer pensar e re-fletir, que dores e sofrimentos estão arraigados à alma e precisam ser expulsos.
@@@
Intenções escusas existem, mais que a vã imaginação é capaz de criar, a sua futilidade trans-cende todas as dimensões, inclusive os nonsenses que lhes habitam, do inaudito, não fosse exagerar as gotas poisonísticas, diria são as únicas existentes.
@@@
Com a res-posta, os pré-requisitos acima id-“ent”-ficados tenham sido cumpridos à risca, deixando-me sereno, tranqüilo, sinto-me à vontade para dis-correr sobre o assunto, escolhendo a rigor a linguagem e estilo de minha oratória, mesmo que esclarecida e transparente, pode ser adulterada à re-velia, as conseqüências serão variadas e implacáveis, hajam engenhos para se livrar, tudo pode ser entendido como mera justificativa, parábola para jegue abanar as orelhas. Aí nenhum emplastro será capaz de curar os sofrimentos e dores da alma e do espírito. Há quem por causa de uma frase em seu livro, que fora totalmente desvirtuada, segue carregando o ódio capital. Os pré-requisitos não foram respeitados, deixaram a desejar, às vezes me estremeço por inteiro com a oratória, não lhe re-conheço a falácia enrustida nela, os joguinhos, enfio-me todo num “saco-de-gato”, aí as conseqüências serão inomináveis, não terei modos de me des-vencilhar, sem deixar traços e passos, as forças não serão suficientes, para re-verter as interpretações e análises de “interesses”, “ideologias”, o “diabo a vinte a quatro”, tendo esta expressão apanhado de um escritor mineiro, para re-velar a amplitude disto de adulterar as res-postas, causando um pandemonium daqueles.
@@@
Pensei e repensei por dias a fio, já estava até desistindo de espremer os miolos à cata de mais uma gota de perspicácia e inteligência, como iria res-ponder. O que pensara sobre as razões, interesses, ideologias, dei-me por satisfeito, convencido e persuadido, mesmo que, para mim, é muito fácil persuadir um tolo e bronco do que convencer o gênio, sente a tolice e bronquidão na carne e nos ossos, a genialidade corta dos dois lados, uma perfeita navalha.
@@@
Fora-me enviada uma pergunta com as seguintes palavras: “O que diria de seu cérebro?”. Só isto. O envelope estava devidamente subscrito, não estava digitada a pergunta, manuscrita, não entendo de caligrafia para des-vendar este mistério de que a letra podia ser de outra pessoa, conhecido, valha-me Deus, deixo para as entrelinhas, a tolice pura e majestosa. Gostei muito da letra. Se me perguntam se de mulher ou de homem, hoje esta imbecilidade de distinção radical, já não existe mais, há letras de homem que são sobremodo femininas, vice-versa. Também não daria para atingir estes méritos da questão, pois que são poucas as palavras. Precisaria in-vestigar os sentimentos, emoções, intuições.
@@@
Quem o fez, desejava saber a minha opinião, como vejo o meu cérebro, os meus miolos como de vez em quando costumo dizer, em horas sobremodo especiais, instantes preciosíssimos, adquirindo resultados supimpas. Fora neste instante de minhas in-vestigações sobre a pergunta, é que percebi o remetente desejava obter uma res-posta sarcástica, satírica. Aí, sim, poderia res-ponder com categoria, esquecendo-me os escrúpulos e falsas morais, isto porque cientificamente não conheço e aí o “saco-de-gato” está me esperando com a boca bem escancarada, ser conhecido como esquizofrênico, neurótico, psicopata, o “diabo a vinte e quatro”, por que me fui meter em res-posta profunda. Se o nome do remetente é falso, pseudônimo, nome artístico, isto pouco importa, e por esta razão solene não lhe envio uma missiva como manda o figurino, embora já haja investigado, consultei a lista telefônica, nome da família é real, o endereço idem. Não era ela só quem desejava saber, estava sendo a porta-voz de muitas pessoas, todos desejavam saber, gostariam de ver se destilo os ácidos críticos com tanta ironia, sarcasmo, cinismo, tanta sátira.
@@@
Compreendi-lhes a intenção: a pergunta tem objetivo de me inspirar as galhofas, a sátira nua e crua, com atenuante sublime: sem destinatário, as carapuças vão servir a todos, sem qualquer exclusão por razões pessoais e íntimas. Aquela coisa: “segura peão”, em rodeios. Não estou montado no touro, no cavalo, no jegue, por mais absurda que seja a idéia de um rodeio que haja jegue, estou montado em mim próprio, tenho de me segurar para o tombo não se efetivar com distinção.
@@@
Leitor é especial, merece res-postas. Prometo-lhes que, se me puxarem as orelhas, escoiceo-lhes em seqüência. Conheço o ofício, sei como me expressar, sem que percebam de imediato em qual “ferida” estou tocando, onde me enfio as esporas, será necessário que alguém me desperte as diretrizes, mesmo assim haverá momentos em que dúvidas cruciais, desconfiança se revelarão, embora todos saibam que a imagem é verdadeira, construí-a com a vida mesma, têm argumentos e documentos para comprovar a veracidade, além de condutas e posturas, de minha rebeldia, ambíguo, e outras “cositas”, não sou gênio para armazenar todas as opiniões e pontos de vista a meu respeito, infelizmente, para quem quer que seja, fico com a minha consciência das pré-fundas de minha alma e espírito.Aliás, penso que a pessoa emitira a perquirição com aquela vontade explícita de satisfazer-lhe o ego, declarar que sou gênio, assim me julgo, re-conheço, tributo-me com todos os louvores.
@@@
Meu cérebro é um tablado, ou picadeiro, em que se dão peças de todo gênero, cenas de todas as laias e estirpes, o drama sacro, a tragédia pagã, a comédia divina e chinfrim, a desgrenhada farsa, a descabelada sátira, a calva ópera, os autos, as bufonarias, um pandemonium dos diabos, uma barafunda de idéias e pensamentos, de lógicas e absurdos, em que possa tudo enxergar, sem a muleta da lupa e do lince, isto é a minha perspicácia e destreza desde o tridente do diabo à rosa de Hiroshima, até a folhinha de quebra-pedra no cantinho do muro, desde a pedra de Sísifo até o recanto dos bosques e unicórnio, onde as espécies con-fabulam as delícias do Eldorado. Cruzam-se nele pensamento de vária e ad-versa casta e feição e vários interesses escusos de pilhéria e mofas, que eu, às vezes, sou obrigado a fingir nada saber, mesmo que com o dedo indicador em riste me jogue na cara o pior cego é quem não quer ver, sou obrigado a reprimir em defesa de minha própria vida, de minha liberdade de ir e vir, não tenho qualquer desejo de participar minha mudança para a Casa Verde ou Casa de Orates.
@@@
Não há em meu cérebro a atmosfera da águia e do beija-flor, o vôo e sobrevôo pelos limbos do instinto e da natureza. Há em meu cérebro a atmosfera da lesma e do sapo.
@@@
Não saberia precisar em que circunstâncias a coisa mesma acontecera, não sou especialista da vida alheia, sirvo-me da criatividade mais do que do real, o que motivava uma fala do professor de Literatura. As suas vestes deixavam a desejar, não se podia dizer que realizasse a sala como sendo de ensino, de educação cultural, moral e ética; parecia-me que no seu imaginário estava num tablado de circo, ele era o palhaço, e mesmo nas suas idéias, conceitos, concepções, parecia-me um humorista. Neste instante específico de sua “fala”, dizendo “para mim, a porca torce o rabo é do lado contrário, anti-horário no traseiro de um porco é coisa de poeta, e dos muito medíocres, mais que chinfrins”, transformava-se por inteiro, era um festival de indiretas a todos os princípios, morais e éticas, valores e virtudes, coices para todos os lados e direções, invertidas, com a ambigüidade das palavras acabava com todos os valores, ridicularizava os brios humanos, os sistemas, as carapuças serviam a todos, conhecendo alguns fatos, acontecimentos, não era difícil saber a quem se dirigia, era mestre consumado de in-verter a estrutura da frase, seus verbos ficam sem tirar nem pôr no final, antes do ponto.
@@@
Impressionava-me a sua capacidade de se mostrar, aquela fala vinha das pré-fundas de sua alma, dores e sofrimentos, angústias, dúvidas, experiências difíceis e constrangedoras, neste instante falava de si próprio, e aí ríamos a bandeiras soltas, era cômica, engraçada a sua autopercepção, queria que ríssemos mesmo, ríssemos de nós mesmos. Depois das aulas, no meu quarto, fazendo a sesta, ficava pensando sobre as minhas coisas íntimas, medos, angústias, dores e sofrimentos, à cata de coisas risíveis e hilárias, cômicas, a minha tragédia íntima, e nalgumas vezes ri de chorar com hipocrisias, farsas, aparências, um pandemonium dos diabos.
@@@
E a partir de então, jamais me fora possível desvencilhar-me destas viagens alucinantes por minhas pré-fundas, e pelo que me conste não me seria mesmo possível fazê-lo, está na carne, sangue e ossos a sátira, o sarcasmo, ironia, cinismo.
@@@
Por que não quereria ver a luz, seguindo uma “fala”, que julgo algo ridícula e imbecil, embora a mensagem se lhe habita seja real, “o pior cego é quem não quer enxergar”. Se o sofrimento com ele convivo, as dores que me perpassam são devido à cegueira, meus desejos em uníssono são de poder ver? As lutas e esforços estariam relacionados á realização de minha visão, mesmo sabendo não seria possível ver, enxergar, cego por toda a vida, de algum modo veria com os olhos do espírito. Por que fugiria de minha vida, utilizando-me de todos os artifícios, se tudo o que vivi e experienciei é a pedra angular do outro que me habita.
@@@
Essas falas, ditos populares, ditados ou expressões idiomáticas pecam desde as raízes, incrível, os níveis de verdade neles existentes, mensagens do ser e não ser, não se há de duvidar. Não está sendo cogitado refletir sobre a cegueira absoluta do cego, pois que não se pode esquecer de que centenas de milhares de exemplos comprobatórios da realidade deles. Experimente colocar o mato atrás do coelho, experimente in-verter isso, as coisas serão diferentes, o que ad-virá para o riso e a pilhéria complementa a intenção. Não seria ingênuo para querer experimentar colocar o mato atrás do coelho, enveredar-me-ia por mistérios insondáveis, desde o proscênio até ao tablado ou picadeiro tudo seriam sombras e enigmas, trevas e abismo, não tenho jogo de cintura para ambientes tétricos, não causa riso de modo algum, medo sim, mas o medo faz rir. Não seria imbecil em querer mostrar o contrário, apresentar argumentos esplendorosos em oratória e lógica, se tenho mais que opinião ou ponto de vista, sou consciente disto. Mereceria como imbecil, além da bengala e chapéu de coco, a galocha rosa-choque, a última palavra do figurino. Nunca que me vestisse seguindo estes padrões, tivesse um público, e re-presentasse os ridículos com arte e engenhosidade, não conseguiria resultados tão esplendorosos, isto é, uma coisa é o talento para o picadeiro, para o tablado, outra coisa é fazê-lo nas letras. Mesmo que me vestisse assim, para confirmar e asseverar a imbecilidade que me habita, o talento para a “palhaçada”, para os escárnios, mofas, sarcasmos, cinismos, indiretas, ironia, o diabo a vinte e quatro, diriam que entrei naquela de ser somente aparência, quero tripudiar com as pessoas, enquanto pensam sou imbecil, as vestes identificam, o íntimo desmente tudo com facilidade, quase sem tirar as mãos dos bolsos, vice-versa. Pior seria argumentar, seria lido e havido desvairado, confundo aparência com espiritualidade, sou homem profundo. Se um grupo de homens sentassem ao meu lado, ouvissem-me as palavras, com efeito, estariam isentos de qualquer presença do mal neles, pecados, culpas de todas as estirpes, todos viveriam o espírito puro, imaculado, e a vida um grande espetáculo de belezas e imagens.
@@@
Desde que me conscientizei que os ditados populares pecam desde as raízes, apesar da veracidade das mensagens, mergulhei num ceticismo inconteste, e não é que assim rio de graça, sem precisar ficar pensando em tudo o que me habita a alma, natureza, espírito, instintos, à busca de rir, o riso me vem de graça. Paradoxos e contradições não se encontram no infinito, mesmo atingindo-o, seguem direções sobremodo ad-versas, em demasia sinuosas. Se o sapo zurra, direi que em verdade o que coaxa é o jegue, quando pensa e sente a esperança é a última que morre, ou quando sente e pensa a morte é a última esperança que vive, ou quem fala muito dá boa noite, deseja bons sonhos aos homens, às onças – lua crescente e estrelas perpassando a janela do estábulo, as agonias e reclamações, os nós de dores e sofrimentos inerentes são ouvidos pelos sibilos de vento que se multiplicam entre as serras e montanhas, perdem-se e dissolvem-se no tempo, efêmeros, fugazes.
@@@
Se eu tiver no peito um coração brutal, se for insaciável na minha cobiça, se nunca me mostrar satisfeito com o que possuo, construí, fiz, realizei, não concordaria alguém comigo é miserabilíssimo? Não diriam que estou a representar a comédia da miséria humana, estou me fazendo de vitima, estão me crucificando, estou dando um pobre coitado? Se me deixar transportar por meus vícios e por minhas paixões, não me tornarei um dos escravos mais vis? O mesmo se poderia dizer de tudo mais. Se alguém se aproximasse de um cômico mascarado, no instante em que estivesse desempenhando o seu papel, e tentasse arrancar-lhe a máscara para que os espectadores lhe vissem o rosto, não perturbaria assim toda a cena? Não mereceria ser expulso a pedradas, como um estúpido e petulante? No entanto, os cômicos mascarados tornariam a aparecer; ver-se-ia que a mulher era um homem, a criança, um velho, o rei, um infeliz, e Deus, um sujeito à-toa.
@@@
Querer acabar com essa ilusão importaria em perturbar inteiramente a cena, pois os olhos dos espectadores se divertiam justamente com a troca das roupas e das fisionomias. O que é, enfim, a vida humana? Uma comédia, o seu picadeiro é o mundo das hipocrisias, futilidades, mazelas e pitis a gosto e contragosto, enfim sempre as mais interessantes, picuinhas, o diabo a vinte e quatro, pintando o sete, no trapézio das sátiras, sarcasmos, ironias, cinismos.
@@@
Cada um aparece diferente de si mesmo; cada qual representa o seu papel sempre mascarado, pelo menos enquanto o chefe dos comediantes não o faz descer do palco. O mesmo ator aparece sob várias figuras, e o que estava sentado no trono, na cadeira do Olimpo, de que departamento ou pasta for, soberbamente vestido, surge, em seguida, disfarçado em escravo, coberto por miseráveis andrajos. Para dizer a verdade, tudo neste mundo não passa de uma sombra e de uma aparência, mas o fato é que esta grande e longa comédia não pode ser re-presentada de outra forma.
@@@
Disseram-me, num daqueles dias em que o símbolo mesmo do “eterno”, ou da “eternidade”, não me é dado distinguir entre um ou outra, não é o “oito” deitado, e sim o sete de cabeça para baixo, com o corte característico do ensino antigo, o rato sempre sai correndo e de cabeça para baixo, e procura outro lugar para roubar os seus pedaços de queijo, já que lhe é não possível puxar com os dentes o inteiro, mas de grão em grão a galinha sempre encheu o papo, ou alguém suspeita havia sido ele o larápio, escutava os humanos atrás do móvel da sala, do fogão da cozinha, da biblioteca do escritório, da estante do quarto de dormir. Não esperava mesmo res-ponder a isto, nunca havia imaginado ou pensado na real possibilidade de o galo comer um queijo, escondido no armário da cozinha, não seria risível, seria estranho, bem estranho que ninguém tenha percebido haver um galo no armário comendo o queijo, o pior cego é aquele que não quer ver, preferível ser o galo um rato do que o rato um galo, a natureza não é estúpida neste aspecto, mas o sujeito quer ver assim, o que se pode fazer, não é verdade?
@@@
Sete e oito são forças bem diferentes, não apenas na forma, característico registro da pena, a idéia mesma e própria, até onde os grandes gênios chegaram foi que um precedia o outro, este àquele, depende de como se vê não há outra resposta mais inteligente, mas gênio é gênio, quem vai candidatar-se a discordar com dignidade e responsabilidade, sem confundir alhos com bugalhos, trigo com joio, merda com pudim, ao diabo os vinte e quatro noves fora seis. O que consegui mostrar com esta confusão, esse pandemonium de contrastes e jogos, de perspectivas e lábias, de ângulos por que meu cérebro saboreia e delicia, a fuga do real, não sei esclarecer as diferenças, as posições não conceituam a verdade de por trás das escórias atitudes arbitrárias, não sou santo, santidade alguma habita-me as pré-fundas, não sou quem em instantes de próxima distância apresenta explicações ou justificativas, a verdade mesma não reivindico ou intenciono revelá-la, seriam hipocrisia e atitude ridículas, ela não é complemento do homem, o homem não é complemento dela. A canalhice habita-me profundo, sou criatura de Deus, sublimando-a, é verdade, quando me é dado fazê-lo, tudo no seu devido tempo, entregando-a em mãos do capeta, ou outro que o representasse nas laias e estirpes todas, não ousaria fazê-lo com Deus, pedindo-Lhe compreendesse, mas me faz muito mal.
@@@
Não me faço de entendido; não me entendendo, escrevendo estas linhas, res-pondendo à pergunta como eu via meu cérebro, fizesse-o cair na gargalhada, não é interesse que a mini-esfera da pena traz em si a caneta, por onde a tinta sai, não objetivo da mão que borda e tece os caracteres, não é re-flexão de meu espírito diante da realidade da vida, do real, de minha condição e natureza, digo ser mais passatempo com direito às quimeras e palhaçadas, aos efêmeros de toda laia, aos fugazes de toda estirpe. Escrevo por escrever, nada aquém ou além disso.
@@@
Que me conste não teimo em espertar a lembrança morta ou expirante, não teria qualquer sentido, nonsense, pois que de que me serviria espertá-la, o mesmo de torcer pano seco para apanhar a última gota suja no balde. Não busco no olhar de hoje a saudação do olhar de ontem, quando eram outros os que encetavam a marcha da vida, de alma alegre e pés velozes. Tempora mutantur. Compreendo que este turbilhão é assim mesmo, não seria de outro modo, mesmo que a pulga miasse nas noites de lua cheia, o céu escuro, sem qualquer estrela, sombrio, seria imbecilidade in-ventar ou criar outros, só para protelar a má consciência. Este turbilhão leva as folhas do mato e os farrapos do caminho, sem exceção nem piedade, sou impotente para qualquer ação contrária.
@@@
E se houver poucochinho de filosofia? Não invejo as minhas habilidades, engenhos e talentos, lastimo sua existência. De que modo hei-de encarar o meu próprio ESQUECIMENTO? Ah, quem fora que me enviara esta missiva, perguntando como eu via o meu cérebro. Ser ou não ser esquecido pelos vivos, íntimos, amigos, não mais depende de mim, nenhum gesto ou atitude poderá retificar meus comportamentos, arbitrariedades e canalhices de minha natureza. Meu espírito já não é tão lesto como em outras páginas, a engenhosidade com os trocadilhos e jogos de paradoxos, cujas intenções eram o sarcasmo e pilhéria, não surtem mais os efeitos e resultados, não contribuem para esclarecer o que me habita os abismos da alma, sou sugerido a imaginar o vazio além deles, o que prescindia ser tocado e in-vestigado fora feito, com destreza e esmero, se não me fora dado conhecer-me por inteiro, o inteiro de mim desfacelou-se, tornou-se retalhos, e mesmo que devidamente costurados na colcha não me será possível reuni-los.
@@@
Quem seja esteja lendo estas páginas, absorvido em sua leitura, todas as dimensões sensíveis e trans-cendentes voltadas para a percepção da vida e dos sofrimentos, talvez pense que ache isto de meu espírito não ser mais tão lesto como outrora o foi, é incompreensível, sabendo-se o meu estado atual de espírito satírico está bem re-presentado, inépcia e inércia de fio a pavio, nada de confins às arribas, vice-versa, nada de ainda me resta a possibilidade da luz, Deus tarda mais não falha. O que quero dizer – prolongando muito até do que antes fora projetado; se não quero ver a luz, a minha cegueira é absoluta, sou o pior cego de todos os cegos de nascença ou cegueira causada por algum problema, doença, pois quando tenho mais chance e oportunidade de ver a luz, faço uma barafunda danada e não consigo desvendar este mistério.
@@@
Não é que agora estou mais vivido, as experiências quotidianas mostraram-me mais profundamente há segredos não desvendáveis, há desejos que não foram feitos para serem realizados, não existem meios de isto mudar. Quero dizer que em cada fase da minha vida acumulo mais descrenças, algumas esperanças esvaecerem-se; será que me encaminho, mesmo me servindo de arrebiques e ornamentos, de jogos e trocadilhos, de subterfúgios, mesmo dando rasteiras nas situações e no tempo, inelutavelmente, para o ceticismo cru e nu? Não sei. Importaria sabê-lo?
@@@
As criações humanas – pergunto-me com os verbos em riste na ponta da língua, se isto que penso e afirmo não seja origem de uma fuga inominável de meus medos enrustidos na alma da realidade nua e crua da vida – disputo aos cães os ossos e outros manjares não apetecíveis. Embora criatura humana, não sou homem de rebanho, disputo aos jegues o feno, não estou inda persuadido das vantagens e privilégios de disputar o feno aos jegues a disputar os ossos aos cães, pelo menos, estou convencido de que nasci sem razão, mastiguei sempre, segundo a segundo, continuamente, sem qualquer margem de descanso dos dentes e dos esgares do focinho, quem sabe para não revelar a sua plena satisfação do paladar, é que consolida a luta que se complica muito, porque entra em ação a diferença de meus caninos, com toda a ganância de satisfazer o estômago que derrama lágrimas de crocodilo para convencer alguém de que está morrendo de fome, com toda a sagacidade que me deram os séculos, que me legaram os milênios da língua pronta para todas as situações que lhe é cabível.
@@@
Disputar os ossos aos cães é ainda inteligível, enfim leva os ossos o que for mais forte. Disputar o feno aos jegues é quase que ininteligível, leva o feno quem tem língua cascuda, com efeito a minha não o é, de humano algum. Resta saber se é mais digno do homem disputá-lo, por virtude de uma necessidade natural, por percepção de uma urgência da raça, ou preferi-la para obedecer a uma exaltação religiosa, êxtase cristão, estesia católica, isto é, modificável, ao passo que a fome é eterna como a vida e como a morte é a ressurreição do miserável .
@@@
Não desejava quem me escrevera a missiva, perguntando como eu via o meu cérebro, que pintasse o sete na sátira, agora agüenta o “trampo”, “segura peão”, a dose é cavalar. Que ousadia!... Que imbecilidade!... É o modo que encontro, genial mesmo, de fugir às conseqüências de levar os ossos, sendo mais forte, de mastigar o feno, a língua não tendo casco de jacaré... Não como ossos, não mastigo feno. Como a vida. Como a morte. Porquanto o fato da morte limita, o direito do esquecimento reduz, o entendimento humano; a consciência da extinção dura um breve instante e acaba para nunca mais, ao passo que a fome tem a vantagem de retornar, de prolongar o estado inconsciente.
@@@
Os negociantes são os mais sórdidos e estúpidos atores da vida humana: não há coisa mais vil do que a sua profissão, e, como coroa da obra, exercem-na da maneira mais porca. São, em geral, perjuros, mentirosos, ladrões, trapaceiros, impostores. No entanto, devido à sua riqueza, são tidos em grande consideração e chegam a encontrar frades aduladores, particularmente entre os mendicantes, que lhes fazem a corte e publicamente lhes dão o nome de veneráveis, a fim de lhes abiscoitar uma parte dos mal adquiridos tesouros.
@@@
Seja verdadeira ou não a explicação de minha vida nas últimas semanas, basta-me deixar escrito nesta página, com letras sinuosas e sentidos ad-versos, o verdadeiro sepulcro burla os gestos e o fino espírito.
@@@
Por que tenho a sensação de estar equivocado? O que venho dizendo, não me esquecendo de esclarecer as idéias, argumentando, se é necessário, fundamentando com as experiências adquiridas, está bem longe de ser uma sátira, mais parece um espetáculo chinfrim de humor mórbido. Como alguém pode cair na gargalhada com um filme de terror estrelado por Vincent Price? Em verdade, perdi o fio da meada, do que havia projetado; sinto foram expostas outras idéias na superfície lisa do espelho, as que em princípio por mim foram colocadas, a imagem seria trabalhada, mostrando o reverso que me perpassa a alma e o espírito, esvaíram-se, os esforços são para construir imagem outra, que não encontro com facilidade, não se me anunciam os traços, ângulos e perspectivas.
@@@
Chega-se ao ponto de pagar a pessoas que finjam chorar e gesticular como cômicos. Quanto maior é a alegria experimentada pelo coração, tanto maior é a tristeza que o rosto aparenta, o que deu origem ao provérbio grego: chorar na sepultura da madrasta. Este tiro o quanto pode, seja de onde for, e dá tudo de presente à própria barriga, com o risco de morrer de fome depois de satisfeita a gulodice; aquele põe toda a sua felicidade no ócio e no sono, nos ossos e nos sonhos; há alguns que, preocupados sempre com os negócios alheios, descuram inteiramente dos próprios interesses; vêem-se os que contraem dívidas para pagar as dos outros e, quando se julgam ricos, verificam que estão falidos; há os que, vivendo pobremente, na miséria pura e absoluta, não conhecem outra felicidade senão a de enriquecer os seus herdeiros; outros, ávidos de riquezas, percorrem os mares em busca de um ganho incerto, confiando às ondas e aos ventos uma vida que nenhum ouro do mundo poderia resgatar. E depois? Como se riem os deuses, ao verem esses pescadores de dinheiro nas próprias redes!
@@@
Se estou equivocado, os interesses não serão realizados, não entendo a razão desta persistência toda; nada digo senão idiotices, e para me justificar da mentira e da farsa, penso noutras ocasiões em que transcenderei as idéias, atingirei a profundidade desejada, há tempos fracos, especialmente quando se percebe haver crise, haver desejo de outros horizontes. Deixemos os trocados e equívocos, que são um chiste de mau gosto, mácula de estilo, que alguma veia poética quer exagerar até à puerilidade, cedendo a si mesmo e ao riso das platéias, para o êxtase da sátira. Melhor seria, não duvidar disso, se me pusesse a saborear a vida, sentir-lhe o gosto peculiar, esquecer-me dos questionamentos, enfim não há respostas, se houvesse, teria encontrado, teria sido bem diferente a vida, vislumbraria uni-versos outros. Fico sabendo que a pior filosofia é a do choramingas que se deita á margem do rio para o fim de lastimar o curso incessante das águas.
@@@
Ouvi dizer de choramingas, tenho a comichão das lembranças e recordações ridículas, não consigo furtar-me ao prazer de espicaçar. Lembra-me o decênviro, Ápio Cláudio, quem se apaixonou pela filha de Virginius. Como fosse impossível tomá-la por simples simpatia, determinou o decênviro empregar um meio violento. O meio foi escravizá-la. Peitou um sicofanta, que se apresentou aos tribunais reclamando a entrega de Virgínia, sua escrava. O desventurado pai, não conseguindo comover nem por seus rogos, nem por suas ameaças, travou de uma faca de açougue e cravou-a no peito de Virgínia.
@@@
Confabulavam um velho parlamentar com um velho padre. Pareciam, tanto o secular como o eclesiástico, dois verdadeiros soldados do Evangelho combinando-se para a mais extensa prática do bem. Com a mais branda e insinuante palavra disse o parlamentar não ter segredos, e que eu dissesse o que tinha para dizer. Os cômodos da vida que teve o parlamentar, a carta que alcançou pelo estudo, e certa dose de vaidade e orgulho exagerado que todos nós recebemos do berço, e que o berço lhe dera a ele em grande dose, tudo isso é que o castigava na confabulação. Reservou-me o céu aquela tortura para o último quartel da vida. Tudo isto era o que lhe castigava, porque tudo fora feito pelo gênero da vida que lhe fora dado conformar-se, era aceitar ou sucumbir, antes pouco do que nada. Uma noite, assim me contaram, e quem fora endosso com satisfação sua idoneidade, uma noite, como o luar estivesse claro e a noite fresquíssima, o parlamentar e a esposa deixara a casa, onde a pequena filha ficara adormecida, e foram con-versar junto ao portão, sentados em cadeiras de ferro e debaixo de uma viçosa latada, sub tegmine fagi.
@@@
Se a paixão da imortalidade da imortalidade é a mais forte de todas, como alguns inculcam, imagine quem me enviara a pergunta o desespero, dor, abatimento nestes dias em que venho percebendo outros uni-versos, e não sou ainda capaz de id-“ent”-ificar-lhes, e assim subindo outros degraus da longa e complexa busca do risível. Só a serenidade poderá mostrar-me os caminhos e veredas por onde devo andar, por onde devo seguir. A pressa é inimiga da perfeição, adágio sempre ouvido, com ele me fora possível evitar as mesquinharias da linguagem e estilo, as dores e sofrimentos dos esforços contínuos, foram doídas, foram complicados de aceitar, enfiem a vaidade que se anuncia com as realizações, com as criações que não só se efetivaram com a profundidade das idéias e espírito, como também transformaram os sentimentos e emoções; a vaidade do trabalho perfeito, sendo objeto de ad-miração, acompanhando-lhe as invejas, ciúmes, despeitos estimulam a outros trabalhos que trans-cendam o meramente perfeito.
@@@
A estima aos desejos de perfeição, de beleza, ainda o mais importante, a estima á vida que se a-nuncia com os sonhos, existe, e só ela é semente, é raiz, noutros termos que a id-ent-iticam mais, é o húmus e promessa de que a real-ização será possível, os resultados serão divinos, merecedores de serem degustados com carinhos e alegria, a coceirinha típica do ego satisfeito. A estima que passa de chapéu na cabeça, com aquela prepotência de ser complemento das abas da vaidade e orgulho, não diz nada á alma, não tem um leito de ridículos no seu regaço, é apenas arrebique, para que a aparência se consolide; enfim, sou agora consciente de que perspectiva olho e vislumbro o chapéu, a sua serventia na cabeça, o homem ser-lhe o complemento, despistar as cabeçorras redondas que nada trazem dentro senão o miolo para tripudiar o vazio que lhe é característico: cabeça oca é tempo de aranhas e teias, é descanso do diabo de suas lutas constantes de sempre aumentar o contingente das almas penadas; é igreja dos achaques e pitis devido aos fracassos e frustrações. A razão é que, ao contrário de uma velha fórmula absurda e cretina, não é a letra que mata, não são os caracteres que excitam; a letra da vida estimula desejos do espírito escondidos, incentiva os sonhos plenos que lhe são inerentes; o espírito é que é objeto de controvérsia, polêmica, dúvida, interpretação, e conseguintemente de luta e de morte.
@@@
Se se me anunciasse uma fresta, por onde pudesse ver o lado jocoso e cínico da vida, destilando os ácidos críticos, máscaras com designs novos, que o cliente, ao invés de ressentir-se, magoar-se, desejar ver-me pelas costas, odiar-me com todas as suas forças, agradecer-me-ia pelas palavras lindas e percucientes com que tracei e desenhei suas mazelas, era a máscara de que estava necessitando, com ela suas dores e sofrimentos estão envelados, suas arbitrariedades e canalhices não mais existem, os olhares de esguelha ou não serão de admiração e reconhecimento; ao invés da máscara, que, enfim, nunca foi bem vista, serão sempre fuga e justificativa medíocres, o chapéu do último discurso que se ajusta á cabeça com a imagem nítida e explícita do homem idôneo e probo
#RIO DE JANEIRO, 07 DE ABRIL DE 2020, 14:35 P.M.#

Comentários