SONIA GONÇALVES ESCRITORA POETIZA E CRÍTICA LITERÁRIA COMENTA O TEXTO FILOSÓFICO #O POETA E OS VAZIOS - A ESTÉTICA DO MÚLTIPLO#




Lindo, lindo! Escrito intenso, bonito, sem atrito nenhum com o nada, muito pelo contrário, está atrelado ao tudo que fabrica a essência do poeta. E o que seria a essência do poeta se não a licença do universo para poetizar tudo e todos, falar de si de um modo mais solto, dos sentidos que por vezes são loucos, falar do vizinho, do passarinho, das serpentes que rodeiam tantos ninhos... O âmbito normal ou não da percepção do poeta é a vida! E você, poeta Manu, despeja vida cotidiana, vida estelar nos seus rabiscos maravilhosos encontramos um pouco de tudo, mas sempre com um conteúdo exclusivo em poesia. Parabéns e obrigada, meu amigo querido.Também para a Graça pela pintura sempre iluminada. Bjos na alma.


Sonia Gonçalves


O POETA E OS VAZIOS - A ESTÉTICA DO MÚLTIPLO#
GRAÇA FONTIS: PINTURA
Manoel Ferreira Neto: FILOSOFIA


A viagem ec-siste, mas se efetua, efetiva de modo sofrido, des-gastando o próprio veículo que trans-porta e é trans-portado.


Vimos anteriormente a viagem do nada ao vazio. A crítica literária, Ana Júlia Machado, diz-nos "é preciso aconselhar toda uma criação a transitar os rastos mais longínquos da linguagem, daquela linguagem que, em distintos tempos, era unívoca de bem reputar-se..." Considerando este excerto, mister e sine qua non toda intuição e inspiração para descer ao nada, captando, re-colhendo dimensões sensíveis que lhe habita, os efêmeros conciliados esvaecem-se, não apenas no tempo, o que resta a ser vivido, vivenciado, dimensões que na subida do nada ao mundo das algazarras, falácias, sente as a-nunciações do vazio, e eis o mundo a ser preenchido, analisando, só o vazio pode acolher o múltiplo. O Nada e a Arte Literária. O tempo é uma viagem em vida e a vida é uma viagem através do tempo. A criação necessita transitar os rastos mais longínguos da travessia do nada ao vazio, investigar-lhe a realidade própria da narrativa, à parte da realidade externa de quem sente o instante-limite desta trans-formação...


Vida-viagem-tempo trazem em sua algibeira uma contraparte, que des-velada, des-vendada, integram de modo inda mais o sentido real que trans-portam. É trans-curso que, se fazendo por um caminho, elaborando-se e constituindo-se, com o caminho vai-se entrelaçando, confundindo. A viagem do nada ao vazio é o caminho, conforme diz a crítica literária Ana Júlia Machado, "ela se ampara precisamente naquilo que de algum modo é sabido – o que se institui como âmbito normal da percepção – para anuir a outras áreas de sentido. Na realidade, a causa para a escrita inspiradora é a anuência que o escritor dá a si mesmo para superar o raciocínio usual e ofertar um trajecto interpolado para acercar mais além, em outra significação do recitar", o caminhante e a direção mesclados numa mesma continuidade. É uma aspiração à luz, mas se gera no nada. O vazio é uma forma de ressurreição, uma alma inaugurando verbos do tempo e ventos. O tempo devora-se a si próprio e, como Chronos, se alimenta do que gera, numa inestimável empresa, que sendo e deixando de ser, o movimento dialético, difícil se torna perceber o que no tempo é tempo e antitempo. Ser é começar a não ser. A vida apresenta-se como um cultivar de antíteses: o crescimento para baixo, essa viagem que se nega, esse tempo que se destrói. Ser é estar no princípio do fim.


Na verdade, o ser chega ao fim irrealizado e, além disso, des-integrado e in totum consumido. O poeta vive um projectum que soma todas as contradições, nonsenses, dialéticas, ideologias, mas nem por isso vai ser arrebatado num carro de fogo e realizar uma passagem perfeita ou sem atrito de um estádio ao outro.


"O NADA é um instante do SER; O VAZIO é o fascínio por re-colher e a-colher o múltiplo. A busca do verbo do eterno" O poema é um texto, o texto literário é uma textura, uma tecitura. Esta tecitura é um tecido e, como todo tecido, quando posto sob um microscópio, tal tecido mostra-se como uma rede. Toda rede é constituída por uma série de fios - o equivalente ao "dito", ao explicável por métodos positivistas de análise - e por uma série de vazios, o equivalente ao não-dito, ao indeterminável do poema. Uma rede não é constituída apenas pelos fios com que ela é tecida. Essencial à rede são os vazios que existem entre um fio e outros, os vazios constituídos e organizados pelos fios.


O poeta procura essencializar a sua vida a partir da memória da música primeira ouvida no mundo, a sua continuidade, sons, ritmos, melodias, acordes, arranjos que os vazios que lhe habitam re-colheram. A poesia como edificação, do nada ao vazio, do silêncio às vozes, das vozes à música que habita o Ser, imenso trabalho carece de música.


Nestes vazios é que estarão os peixes - a finalidade da rede.
Diz Trakl: "A obra do poeta é apenas um ouvir. O afastamento capta primeiro o ouvir em sua música, de modo que esta música possa soar no poema em que vai ressoar." As palavras ditas no poema protegem o dito poético como algo que, por sua natureza essencial, permanece não dito.


#RIODEJANEIRO#, 17 DE OUTUBRO DE 2018)

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