ALDEIA DE LÁGRIMA DOS INSANOS - III TOMO #UTOPIA DO ASNO NO SERTÃO MINEIRO#



CAPÍTULO XI - PARTE III


À hora de gritar Independência ou Morte, esqueceu por completo a fala. Estava nervoso. A professora não estava longe de onde ele se encontrava, dizendo-lhe através dos lábios a fala. Não conseguiu captar. A criançada começara a rir, gargalhar, os adultos se silenciaram, compreendendo a situação de Ratto Neves, nervosismo, sentimento de ridículo diante da platéia. Até ali havia representado e bem o papel, recebeu aplausos até de ator, representante dos pais de um dos alunos, que visitava Lágrima dos Insanos. Não houve condições.


Esqueceu por completo. A professora foi até ao centro do palco para lhe dizer a fala. Usou-a, mas sem qualquer euforia, angustiado com o rumo que as coisas no Brasil estavam tomando. Recebeu aplausos murchos do público. O ator chegara perto dele, dizendo-lhe: “Você foi ótimo. Meus parabéns. Sabe, eu também tenho dificuldades de memorizar as falas nas novelas”. As crianças por alguns dias ridicularizaram-no por haver esquecido a fala. Jurou por todos os santos que jamais representaria peça de teatro outra vez. Se ele tivesse talento e dom para o teatro, isto lhe foi reprimido devido a este acontecimento.


No segundo ano do científico, a professora Flávia Jericó vestia calças tão apertadas que era quase impossível imaginar que houvessem sido vestidas. Roupas boas, mas não de grife. Não eram roupas espalhafatosas. A calça era mesmo apertada. Era vestir uma que aumentava o rebolado, homens que passavam na rua ficavam olhando, queixo caído, olhos esbugalhados, respiração ofegante. Deixava-os louquinhos de martelo.
Certo dia, usava calça cor-de-rosa, calcinha cor da pele, blusa azul-claro decotada, deixando à mostra parte do soutien, cor da pele. Ficara irritada por não ter achado outra calcinha, a cor-da-pele estava com furo bem visível a olhos nus. Não iria lecionar sem calcinha, os alunos perceberiam, seria o maior “buchicho”. Não tinha qualquer problema: quem iria perceber que a calcinha tinha buraco? Fora para a escola. Ao transpor a porta da classe, subindo um degrau, o zíper se rompeu. Não houvera percebido que o zíper não exerceu a função, abriu-se. Os alunos, tendo percebido, começaram a rir, mas não atinara com o motivo. Virou-se para o quadro. Escreveu. Virou-se para os alunos. Vai e volta nesta situação, nos momentos em que se virava para o quadro, risadinhas. Quem teria coragem de dizer o porquê? Temperamental. Estava intrigada. O que estaria acontecendo? Não tinha ela a destreza de alguns professores que são capazes de saber se fulano ou beltrano está prestando atenção, aprendendo, estando eles de costa para a classe.


E o riso era devido não só ao zíper relaxado, mas o buraco na calcinha que dava liberdade aos pelos louros se mostrarem. Ratto Neves observava, não via qualquer motivo de risadinha, tinha era pena da professora por estar vivendo coisa tão desumana, vexosa. Fosse com ele, sentir-se-ia a mais envergonhada de todas as mulheres que já existiram e existem na história da humanidade.


Flávia Jericó não conseguira encontrar o motivo das risadinhas. Terminada a aula, ficara conversando com as alunas enquanto arrumava o material para sair. Coisas da disciplina Pedagogia. Ninguém teve coragem de lhe dizer o que estava acontecendo. Ratto Neves estava esfomeado. Fora à cantina no galpão do Instituto comprar uns pastéis e Coca-cola.


Retornando do lanche dera de frente com Flávia Jericó descendo os degraus, indo à cantina.


- Dona Flávia... – antes mesmo de dizer o de que se tratava para lhe interromper a caminhada até à cantina o rosto inteiro ficou vermelho, sentia vergonha de lhe dizer.
- Sim, Ratto Neves... – assustou-se por ela haver parado e assim dizendo, não dava atenção a ninguém, não se lhe via conversando com os alunos; mesmo em sala de aula, era difícil responder a uma pergunta, fazia-o quando se tratava dos melhores alunos ou os que eram filhos de personalidades ou autoridades.


- Desculpe-me a senhora, professora, sei que há coisas que não se deve dizer, e quando são ditas deve-se com rigor ser o mais discreto possível, para não ofender a pessoa, para não ficar com a imagem de alguém perfeitamente sem senso, sem princípios. Mas tem horas que é preciso dizer. A senhora entende, não? A senhora entende que muitas vezes não resta outra solução, esteja a pessoa com vergonha, com medo de ser indiscreta, tem de dizer. É até atitude de compaixão com a pessoa.
- Ratto Neves deixe de “entretantos” e diga logo de que se trata...


- Dona Flávia... – começara até a gaguejar de tanta vergonha de explicar o que estivera acontecendo na classe, a razão de os companheiros terem dado risadinhas, enquanto escrevia no quadro – A senhora deve ter percebido que os companheiros davam risadinhas, quando se voltava para o quadro para escrever. A senhora estava intrigada, não descobriu o motivo das risadinhas – lembrara que ao se virar para os alunos, olhar-lhes em silêncio, tentando descobrir os responsáveis, Ratto Neves era o único que parecia não ter rido fazia poucos minutos.


- Sim, claro... Você tem alguma explicação para isto?


- Tenho, professora... Se a senhora abaixar a mão até o zíper de sua calça, irá observar que está relaxado. Os alunos não riram por causa deste relaxamento, mas por a calcinha da senhora estar com buraco e os pelinhos louros à mostra.
(OUTUBRO DE 2005)


#RIODEJANEIRO#, 25 DE SETEMBRO DE 2018)

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