#ALDEIA DE LÁGRIMA DOS INSANOS# - III TOMO #UTOPIA DO ASNO NO SERTÃO MINEIRO#




CAPÍTULO XI - PARTE IV


Flávia Jericó quase enfartara de tanta vergonha, a respiração diminuíra consideravelmente. Não esperava que Ratto Neves fosse tão direto. Olhou para os lados no sentido de perceber se alguém havia ouvido. Não percebeu. Falara baixo. Seria dali em diante motivo de gozações de toda espécie e categoria. As calças justas só não resolvem a situação de querer ser observada por homens casados. Mostra os pelinhos louros através do buraquinho da calcinha aos alunos do curso científico.


- Meu Deus!... – passou a mão direita no lugar, sentindo que era mesmo verdade o zíper haver relaxado. Tratou logo de colocar livro à frente para despistar – Obrigada, Ratto Neves!... – saiu correndo em direção à sala dos professores, jogando o material sobre a mesa, dirigindo-se ao banheiro para tentar consertar o zíper. Não conseguiu.


Chamara alguém, pedindo-lhe que ligasse para sua residência, pedindo que levasse outra calça, a sua havia sido danificada, o zíper relaxara, não dava mais tempo ir a casa. A irmã levara-lhe. Pôde continuar no Instituto lecionando. Procurava não demonstrar, mas estava se sentindo totalmente envergonhada. Claro, os alunos já tinham comentado com os outros o sucedido.


As palavras de Ratto Neves dera-lhe bons resultados, sentido enorme. Não é que fosse péssimo aluno, mas as notas em Pedagogia não estavam boas. Se fosse aprovado, seria nas coxas. Flávia Jericó, desde então, corrigia os trabalhos e exames com toda a acuidade e apreço, dando jeito de aumentar-lhe o resultado sem que ninguém percebesse. Passou de ano com sete e meio, ele que estava acostumado com seis, seis e meio até o acontecimento no mês de setembro, restando três exames antes do final. Conseguia fazê-lo, observando as idéias e pensamentos, tivera problema aqui e ali por não haver encontrado a palavra certa. Podia aumentar a nota.


Exame de Literatura. O período literário com que mais se identificara nos tempos de estudante, depois esquecera de tudo, fora o neoclassicismo. Aproveitara ao máximo das aulas de dona Marlene Alves Santana. Apresentou trabalho sobre um dos autores desse período, tirara nota total.


Dois dias antes, alguém, estudante do turno da noite, pedindo-lhe que resolvesse as questões, por elas iria estudar para o exame, quase ninguém sabia nada, e ele estava a perigo na disciplina, se não tirasse boa nota, tomaria segunda época. Não havia lido o livro de Gregório de Matos, era a única pergunta sobre Os amores. Olhou o aluno de soslaio. Não precisava explicar-se tanto. Quem sabe estivesse tirando sarro de sua cara, ele é que desfiava o terço de vergonhas?
Resolvera as questões. No dia da prova com Dona Marlene Alves, quando recebeu as folhas, lendo as questões tivera sensação de que eram perguntas conhecidas. Não atinou com o fato de que eram as que resolvera dois dias antes. O aluno havia pegado com outro as questões da prova já ministrada. Terminara. Fora embora. Não se lembra mais o que o patrão da fazenda, em mão de quem a comprou, pediu-lhe que resolvesse no centro de Lágrima dos Insanos.


Encontrara com a professora. Dissera-lhe Marlene Alves que já havia corrigido algumas provas, a sua inclusive, tirara dez, estava de parabéns; o interessante é que a maioria estava tirando nove, nove e meio, dez. Não pensava que haviam os alunos assimilado tão bem o neoclassicismo.


- Dona Marlene... Nem sempre é possível saber o que se está fazendo, se está fazendo algo errado, se certo. Se isto fosse possível, iria até evitar muitas coisas que acontecem e nos deixam com as “calças na mão”, como diz na gíria.


- Ratto Neves... – a professora percebera que estava com medo de ser repreendido. Tinha acontecido qualquer coisa – Por que tudo isso, Ratto Neves? O que você fez de errado?


- Dona Marlene... A senhora já havia aplicado esta prova à noite, dois dias antes de nossa turma?


- Sim... – não tivera tempo de elaborar outra prova; a secretaria já havia comunicado que as notas deveriam ser entregues no máximo até na segunda da outra semana, a prova fora ministrada na quarta.


- Alguém da noite procurou-me para responder a umas questões. Estavam escritas numa folha de caderno. Não era a prova da senhora. Há como saber. Apresentou série de justificativas para estar me pedindo. Resolvi a prova. Quando recebi as folhas na carteira, lendo as questões todas, antes de as resolver, tive sensação que conhecia aquelas perguntas. Resolvi-as. Só na fazenda, estando a ensacar o milho, é que me veio que as havia resolvido. A senhora vai me desculpar? Não tive intenção.


- Ah, sim... Agora está explicado porque as notas altas de quem não chegava a cinco... já estão alguns com o ano perdido.


- Pelo amor de Deus, não diga, Dona Marlene, que dei com a língua nos dentes... Posso até ser tocaiado por alguém. Sabe que aqui em Lágrima dos Insanos há alguns que matam para ver o sangue correr.


- Não se preocupe...


Na próxima aula, dissera dona Marlene que os alunos estavam sabendo muito. Era isso motivo de louvores. Gostaria de confirmar toda a sabedoria no neoclassicismo no Brasil a partir de outra prova. Aí, descascou os pepinos com todas as letras. A prova estava cancelada. Aplicara outra, os pepinos descascados não foram do paladar da turma inteira, menos ele, Ratto Neves, que tirara a mesma nota. A pessoa que lhe procurara não era aluno da escola, alguém havia mandado com esta instrução. Ninguém ficou sabendo quem cometera o delito. Embora isto, Ratto Neves teve muito medo de ser tocaiado por algum capataz. Nada acontecera. Felizmente.


Ratto Neves não fora aluno medíocre, mesquinho, ao contrário, mostrava-se criança inteligente, não conhecia a inteligência devido à pobreza, ao ambiente em que fora criado por Josefina-tomba-homem. A partir dos cinco anos e meia, a mãe obrigou-lhe a ajudar na limpeza dos buxos, e quando já podia carregar peso enchia bacia, colocando-lhe na cabeça, indo para a rua vender buxo. Começou a estudar. Terminada as aulas, o resto do dia era só trabalho, à noite é que fazia os exercícios. Sempre tivera bons aproveitamentos, os professores incentivaram, chegou até ao curso de magistério, mas decidiu mesmo seguir a sua vida de fazendeiro, desde os onze anos trabalhando na fazenda, cuidando da mãe e de si mesmo, pessoa sem vícios de alcoolismo, jogo, muitíssimo econômico, conseguiu ajuntar boa quantia para comprar a Fazenda, e com trabalho e dedicação tem oito mil cabeças de gado.


Foram acontecimentos bem delicados.
Manoel Ferreira Neto
(OUTUBRO DE 2005)


#RIODEJANEIRO, 25 DE SETEMBRO DE 2018#

Comentários