#UIVOS DO SILÊNCIO# Manoel Ferreira Neto: POEMA GRAÇA FONTIS: PINTURA

Vozes esparsas ressoam cândidas nas colinas

Uivos de lobos ouvem-se à soleira da caverna,

Ovelhas olham o pastor quieto, sereno,

As coisas parecem-lhe nítidas e nulas,

Nítidas as ilusões pretéritas,

Nulas as verdades presentes,

Esvaiu-se a neblina de que se cercava,

Todas as nuanças visíveis feriram-lhe a carne almática,

Por detrás do lampião, há vaga claridade ao longe,

É a estação de trem, em minutos breves

O expresso da meia noite levando passageiros

A outros destinos,

Há pessoas que bebem e jogam pôquer nas cervejarias,

Ali na sua choupana só há o negrume,

O vento lhe traz intermitentemente

Um toque solitário que vem de longe

Mas esse toque atravessa as trevas

E chega até mim: é mais duro, menos humano

Do que os outros ruídos

Sinto frio, as orelhas doem-me,

Por certo devem estar vermelhas

Já não sinto a mim; estou tomado

Pela pureza que me cerca; nada vive;

O vento sopra, linhas rígidas fogem na noite

A minha vida é como se me surrassem com ela

O resto é por fora e falso,

A coruja canta na galha do abacateiro,

Circundado por pé de café, jabuticabeira, taiobas,

Não é o mesmo fazê-lo todas as noites

Sons universais movidos por ritmos, melodias

De todos os desejos manifestos e latentes

De uma balada que preencha os vazios,

Ausências e carências, medos,

As náuseas do perpétuo não ovelham os campos

De vegetações íngremes, áridas,

Inquietações prolixas, embora ressoem altissonantes,

Não alcançam uivos de lobos,

Não se espalham, fazem-se ouvidos...

Todas as flores despetalam-se nos jardins ao alvorecer,

Todas as auroras raiam nas sacadas das casas,

Todos os países e todas as pessoas

Divagam, devaneiam em mim dentro,

Caio numa espécie de êxtase,

As horas passam, não me dou conta,

Deixo pouco tempo às reflexões,

O que me retém é a idéia de que ninguém,

Absolutamente ninguém,

Se comoveria com o silêncio de vozes tantas que me habitam

Os recônditos d´alma,

O que nele pode haver de inter-ditos que

Uivem o nada de todas as coisas efêmeras?...

#RIODEJANEIRO#, 10 DE ABRIL DE 2019#