#PAGINAS DE ALMA SIMPLES#




Prezado Marcos Antônio Alvarenga,

Faz algum tempo que venho lendo suas crônicas nas páginas deste tablóide Centro Norte de Minas, de José Adonias Filho, sempre tenho impulsos de escrever-lhe uma missiva, tecendo comentários a respeito do prazer e da satisfação da leitura, as gargalhadas são inevitáveis.

Segundo Derrida, traduzindo o discurso da lembrança e do luto, a retórica do epitáfio incorpora o outro na violência do mesmo – do sujeito, do orador, do amigo. A amizade, fraternidade, amor, solidariedade trazem, no seu âmago, o luto e com ele o epitáfio e suas aporias: manter a memória do morto pela oração fúnebre e, ao mesmo tempo, vê-la dissolvida na subjetividade do orador-amigo.

Você, prezado Marcos Antônio Alvarenga, em seu texto Adeus Saulo, Adeus boi de carro. Até um dia, texto com que mais fiquei admirado com a sua habilidade com as letras, o jogo que inerente à vontade se revela, para assim fazer surgir a ambigüidade, o paradoxo, elementos essenciais na constituição da estrutura risível, a sua sensibilidade, e o mais importante, a memória.

Assim você escreve: “Boi de carro viajou empobrecendo a nós tão ricos, em coisas sem importância. Ficou o exemplo da amizade fiel! O exemplo de como levar a vida! Inteligente e moderado no trabalho dispunha do tempo que para o rico pobre gera depressão enquanto para o pobre rico gera alegria. Não fazia força contra o jeito nem dava laçada sem nó”.

Ao reproduzirem a retórica do epitáfio, os discursos filosóficos da amizade questionam a suposta estrutura de simetria e reciprocidade existente na perspectiva clássica da amizade, introduzindo uma “assimetria insuperável” entre os amigos.

Como bem observa Ortega, com o amigo morto não pode haver simetria, pois a lógica do epitáfio de uma amizade além da morte, reproduz uma egologia e o fortalecimento da subjetividade. A alteridade do morto é dissolvida e progressivamente assimilada ao discurso do amigo que lhe presta a homenagem fúnebre: “Tinha um coração de outro que em notas aveludadas e cristalinas brotava pela garganta e aí era tanta beleza, tanta emoção que apertava o peito da gente e a água jorrava dos nossos olhos. Nos casamentos os noivos deixavam de ser as vedetes e se sentiam felizes ao ceder as honras a Saulo”.

A intenção primordial e essencial do texto é re-velar a amizade, a ligação sensível entre o narrador e o falecido. Assim, era-lhe necessário mergulhar bem fundo na sua memória, nos sentimentos mais profundos que alimentou e regou em toda a relação que mantiveram, e as saudades dele doem-lhe no peito.

A dor metamorfoseia em solidariedade, compaixão, ternura, carinho, amor. A linguagem e o estilo se fundem e mergulham na alma do falecido, revelando-lhe a simplicidade do caipira, do matuto, das pessoas simples e miseráveis.

Com efeito, de todos os textos que escreveu lidos por mim, neste tempo que acompanho as publicações deste tablóide, creio que fora o mais difícil de ser realizado, pois as lembranças e recordações exigiam os sentimentos verdadeiros, não seus, mas de Saulo, e só na alma dele iria conseguir penetrar-lhe os mistérios. Difícil porque esta linguagem e estilo do epitáfio são facas de dois gumes: por um lado revela os sentimentos do narrador, o que explica a amizade tão profunda, e o retratado (o falecido) fica nas entrelinhas, exigindo de nós os leitores habilidade na interpretação e análise para conhecer a profundidade da alma humana, os segredos que a habitam. Nesta crônica, com maestria e engenhosidade, você consegue mostrar com nitidez a alma de ambos, do narrador e do falecido, e nessa adesão das almas surge-nos a amizade límpida e cristalina.

Marcos Antônio, com efeito, essa crônica merece ser mais aprofundada na interpretação, mas o espaço exíguo do tablóide impede que o seja. Contudo, vale ressaltar em suas crônicas a linguagem, estilo, misturados a vida campesina. Digo-lhe com a maior sinceridade: suas crônicas andam ombro a ombro com os contos de Guimarães Rosa, sobretudo a visão da alma do sertão. Isso só nos pode deixar orgulhosos e felizes. Estava faltando nas letras corvellanas alguém que falasse a língua do caipira, do campesino, mostrando suas dores, alegrias, felicidades, angústias. Você enobrece a nossa literatura curvelana com os seus textos tão genuínos, mostra o seu enorme envolvimento com a vida simples, com o homem do campo.

Desejo-lhe Marcos Antônio Alvarenga felicidades e muitas alegrias nestas letras que você abraçou com tanta propriedade e categoria. Continue escrevendo, sou um leitor garantido. Aliás, você, prezado amigo, deveria reunir suas crônicas numa antologia e publicar em livro, nós os corvellanos estamos mesmo necessitando de escritores que mergulham em nossa alma, mostrando a nossa espiritualidade e sensibilidade. Parabéns por todas as suas crônicas. Um grande abraço com votos sinceros de muito sucesso.

Manoel Ferreira

#RIODEJANEIRO#, 08 DE ABRIL DE 2019#

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