BURRO EXTASIADO OLHANDO UM CASTELO MARCOS ANTÕNIO ALVARENGA: TEXTO ---------------------------------------------------------------- PEQUENO PRODUTOR RURAL BARRANQUEIRO DO RIO DAS VELHAS.




Post-Scriptum:


O fazendeiro, Marcos Antônio Alvarenga, chorou bastante com o que eu escrevera, encantou-lhe sobremodo a sinceridade, os sentimentos e emoções que perpassaram a escrita, inclusive nos tornamos grandes amigos. Vale ressaltar e sublinhar não nos conhecíamos. Por vezes, olhando a foto do fazendeiro do lado direito, abaixo do título, tinha a impressão de o conhecer, o chapéu é que impedia o reconhecimento. Estava confundindo com outra pessoa, a quem fazia muitos anos não via.


Após esta resposta de Marcos Antônio Alvarenga, conversamos através de ligação telefônica, quando marcamos um encontro em Curvelo na Secretaria da Fazenda, onde sua esposa trabalhava. A foto apresentada é de nosso encontro. No encontro a sua esposa dissera: "Manoel, você quase enfartou meu marido. Chorou feito criancinha com o seu artigo.# Foi o nosso primeiro e último encontro. Participou ele sua mudança para Contagem, para onde sua esposa fora transferida da Secretaria da Fazenda.


Manoel Ferreira Neto


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Do fundo do peito para o senhor jornalista e escritor Manoel Ferreira:


Sem ter tido ainda a oportunidade de conhecê-lo já recebo sua tão bela e enaltecedora cortesia. Saiba que ao ler a sua “Páginas de Alma Simples”, do penúltimo Centro Norte de Minas, , me senti como um carnavalesco aplaudido na Praça da Apoteose. Tive o meu momento de glória. A realidade me acordou depois de um tempo, mas por breves instantes, fui, graças ao senhor, um literato da Academia Brasileira de Letras, um imortal. Sua prosa, inteligente, acusando imensa sensibilidade, desprovida de pedantismo, não raro entre os que se propõem escrever ou criticar, me deixou confuso, acanhado, um quê de apequenado misturado a um crescendo ufanismo inevitável. Tive ímpetos de ir ao José Adonias Filho rogar exclusividade sobre cada exemplar daquele jornal que distribuiria pessoalmente a cada amigo, a cada curvelano, a cada sertanejo, um a um, tão inchado eu me senti. Foi demais a minha bizarria e “quem nunca comeu melado quando come se lambuza”.


Não precisei desfilar no Sambódromo para gozar o que nós, os comuns, sentimos quando aplaudidos pelo povo que o senhor incorporou e tornou realidade ao publicar tal louvação a mim, que já seria sem medida se no particular. Fosse uma crítica negativa ou uma calúnia encontraria resposta mais fácil e adequada, porque no primeiro caso, passada a raiva, eu aceitaria e procuraria me corrigir e no segundo, como qualquer um, eu pularia no cabo da curvelana pois se acuado viro bicho inconseqüente e numa briga tudo é valido. Guerra é guerra.
Talvez Freud explique, mas não sei por que fico invariavelmente quadrado e sem ação ante um elogio. Ao se referir a mim como o fez, o senhor me deixou encabulado, perplexo, como um burro extasiado olhando um castelo, e ante sua retórica só fiz foi chorar impedido de ler sua brilhante e bondosa crônica de uma só vez, que banhei em pranto.


Cristo afirmou que “ninguém é profeta em sua terra”. Pudera, ele não nasceu em Curvelo e nem conheceu sua gente amiga. Abandonado pelo pai sacana, morreu muito novo aos 33 anos. Um desperdício! Não estraçalhou um tropeiro no Espaço Livre nem uma curimatá lá no Bar de Zé Carlos. Não pescou matrinchã no Rio das Velhas com sua companheirada de trecho, coisa que adorava, antes de tomar uma, no Rancho Velho Oeste, do Pedro, e traçar o arroz com pequi do Saulinho, na Tapera. Chegado como era em dois dedos de prosa e num amargoso de jurubeba, nunca pode ser apresentado às nossas belas sertanejas, mulheres para muitos talheres, e enxugar uma garrafa do santificado, bem geladinho, num papo gostoso com elas. Nunca jogou uma mão de truco, no ponto de táxi, nem comeu um quibe, sem pressa, no Erva Doce, na Praça da Matriz, avaliando os apetrechos de cada tomatinho que passa, “o melhor pesqueiro de Curvelo”, como observara encantado o espirituoso dr. Viriato Gonzaga. Não conheceu o nosso Guzerá no Parque Antônio Ernesto Werna de Salvo. Não ouviu um carro de boi gemendo em seus cocões na Festa do Milho, no Morro da Garça, e jamais acompanhou uma entrega de bandeira, com um requinte apaixonado, no Arrepiado.


Se houvesse escolhido Curvelo para seu palco da paixão a cantiga seria outra. Ao invés de uma cruz numa sexta-feira de semana santa teria uma mesa cativa na barraca que escolhesse numa semana de forró e não voltaria mais para o frio céu, preferindo o nosso quente paraíso. Por tanto desconhecer, e entre gente briguenta, disse o que disse. Não conheceu também a magnanimidade de pessoas como o senhor e o Adonias que desde há muito me convidou para escrevinhar para este periódico ocupando seu precioso espaço, o que tardei a decidir temendo desagradar. Agora, debaixo de um calado, na sua despretenciosa cumplicidade ele também me faz honrarias.


Agradeço pelo senhor ter colocado minhas escrivinhações “ombro a ombro com os contos de Guimarães Rosa”, foi ali que eu chorei de verdade, de soluçar. Guimarães só não foi convidado para redator da Bíblia porque ainda não tinha nascido na época em que ela foi rascunhada com um deus muito nervoso, ciumento e contraditório. Se ao contrário aquela saga, suméria ou hebraica como queiram, seria de leitura mais leve, mais agradável, filosoficamente mais real e humana, menos absurda e racista, menos contraditória e misógina. Teríamos então um Deus mestiço, sincretista, eclético, menos bombástico e arrogante, mais pacífico e unanimidade universal.


Por isso, enlevado pela sua caridosa comparação incentivadora, num sonho, já garboso em meu júbilo efêmero, me vi acadêmico entre os imortais como Rosa, trajado a rigor com fardão e capelo, cercado pelos meus pares circunspectos e reverentes. Aí, com o mugido de minha vaca, eu acordei. “Não passe o sapateiro além da chinela”.


Também o braçal se veste de rei e se sente um diante dos aplausos na terça de carnaval para acordar ressaquiado frente á realidade na quarta-feira de cinzas. O senhor elevou a minha condição de mero escrivinhador literatiço à posição de imortal, de supra-sumo. “É muita areia pro meu caminhão”, sr. Manoel.


Agradeço o momento de glória ainda emocionado pelas suas palavras, mas no meu dia de cinzas sinto que a única coisa que poderia fazer para ficar “ombro a ombro” com Guimarães Rosa seria, como ele, morrer de aflição depois de receber homenagem sincera. O senhor quase conseguiu tal façanha, Sr. Manoel. Estou velho e mole para tamanha emoção.


Sem mais saber o que dizer para não me enrolar, paro por aqui. “Quem muito fala dá bom dia ao cavalo”. Aceite o meu abraço enquanto aguardo a oportunidade de conhecê-lo. Que o Deus sem raça e credo, senão o amor, te abençoe.


Marcos Antônio Alvarenga


#RIODEJANEIRO#, 08 DE ABRIL DE 2019#

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