#AFORISMO 466/SERPETEANDO DILEMAS DO SER** - GRAÇA FONTIS: PINTURA/Manoel Ferreira Neto: AFORISMO


Faço valer o argumento excepcional da sombra, quando para furtar-se ao dilema, que um galanteio ostensivo se mostra, projeta sobre o homem o delineio de vereda sinuosa, por onde serpenteia entre as cúpulas de prata e os pilares de ouro.


Atrelo sonhos no corcel indômito
Que dispara e relincha e me entontece:
Antigamente ele nutria escombros
Agora outro pasto o abastece,
Outro pasto sacia-lhe a fome,
Outro passo engorda-lhe.


Agora suas crinas eriçadas
De prazer que o vento e as potrancas
Galopam em liberdade enluarada
Remexendo suas lustrosas ancas.


Outrora um trote cego e o arreio
Era cilício na cintura: a dor
De esporas e látego e o freio.


Agora esta pujança, este embalo
De poema que é empinado
Por outra alma que tem nome de cavalo.


Antes, desde tempos imemoriais, destes que se distanciam a olho de lince, ficando na língua sedenta os seus movimentos, o poder de expressar numa palavra que não só encanta com seu som suave e incisivo, mas ofereça sorte precária, que talvez se torne mesquinha, dá forças para resistir ao egoísmo da paixão.


Ainda vivo, dias agradáveis para a minha natureza ásnica eram justamente os de chuva contínua. Os instintos se anunciavam de modo mais forte, presente, com suas nuanças de galhofa, mofa, meditações, mas não era com asnices que causaria o riso nos humanos, apesar de que se mostravam lentas e sutis.


Conhecia as sensações, sabia-as presente, deixava-as livres para o que desejassem. Em dias normais, a galhofa e mofa eram o prato do dia, contundentes, maléficas, extremamente pessimistas. A cachola instintiva fervia com os raios do sol, a alternativa era desejar que tudo saísse, nada ficasse dentro delas; ao contrário, quanto mais saíam ainda mais e mais tinham para sair. Gostava do tempo de chuva.


(**RIO DE JANEIRO**, 14 DE DEZEMBRO DE 2017)


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