#A SÍNTESE DO INTELECTO E DO ETERNO RETORNO EM Ana Júlia Machado E FRIEDRICH NIETZSCHE" - Manoel Ferreira Neto: ENSAIO/GRAÇA FONTIS: FOTO DA CAPA


O livro de excelsos valores é aquele que, lendo-o, tendo-o lido, ascende e acende o desejo e a chama de comê-lo com as dimensões sensíveis, compreendê-lo e entendê-lo em seu eidos, alimentar os vazios, ausências com suas idéias, pensamentos, com a humanidade do ser que lhe reside, saciar a sede de conhecimento, de saber, assimilar outros horizontes, uni-versos, ser outro. O livro que não deixamos na estante, temo-lo sempre em mãos, in-vestigando, avaliando, e estamos sempre pensando no que ele nos oferece de profundo, o húmus da vida.


O EU LIVRE, da escritora e poetisa Ana Júlia Machado: desde o início de sua leitura, o desejo de alimentar-me com a sua sensibilidade, des-aprender e aprender outras coisas.


Em IDONEIDADE DO SER, poema incluso na Antologia, dois versos são tesouros inestimáveis, semente, sêmen de in-vestigações, re-flexões, meditações: "Logo tudo que somos é o intelecto/Que edifica nossa idoneidade de ser..." No filósofo alemão Friedrich Nietzsche encontramos o vinho, cujo sabor sacia a sede de mergulhar profundo na obra da poetisa.


Se nos pedirem para descrever o que conta como nosso "eu profundo", a maioria vai aludir, de modo ou outro, ao duradouro sujeito-testemunha no coração de nosso ser e ao agente do pensamento e da ação que exerce grande parcela de controle sobre o corpo e a mente. O "eu" é tanto o "proprietário" unitário das diversas propriedades físicas e mentais que formam um indivíduo quanto a "pessoa nuclear" que está sempre lá dentro, por assim dizer, desde o nascimento até a morte, se não antes e depois também.


Diz a poetisa neste poema "Não sei reduzir um problema ou uma questão a pontos simples e claros, a geometria que corresponde à nossa representação intuitiva do espaço e que comporta três dimensões da natureza."


Con-templando o "Eterno Retorno" ou a ficção da eterna recorrência em Nietzsche, revela-se a luz. O tipo saudável de Nietzsche proporciona ao mundo do devir o caráter do Ser, que, afinal, é o que a vontade de poder como vontade de inter-pretaçao/significado sempre se faz em uma escala menor. O tipo saudável se torna um "ser" mediante o mito trágico da eterna recorrência - ele se torna duradouro e "fixo" por meio da eterna recorrência.


"... tudo o que somos é o intelecto", como compreender, entender este verso? Primeiro, levar em conta a possibilidade da eterna recorrência, o passado e as suas situações, circunstâncias que são a nossa sombra, acompanha-nos em nossa jornada existencial/contingencial, e com ela a repetição perpétua de todas as tristezas e os problemas pessoais, é o maior desafio que pode haver. É o obstáculo mais difícil - o que apresenta maior risco de se cair no desespero, de se dizer não. É isso que o tipo saudável precisa enfrentar no intuito de autossuperação. A vontade perpétua de reviver a vida exatamente como ela se desenrolou e como irá se des-enrolar permite ao tipo saudável subverter por completo toda e qualquer forma de culpa, de vergonha ou remorso. Nesse sentido, querer que tudo se repita - "... ando repetidamente/Isto é tudo que reconheço" - é essencial para superar a aceitação e a resignação e chegar à celebração e à afirmação sem culpa. Remodelando o "Devir" como uma forma de Ser e de seu próprio eu, con-tingente e desnecessário, como um Eu de eterna recorrência, o tipo saudável, artístico, inventa o objeto de seu amor e veneração, de seu amor fati, o qual afirma a vida e o eu.


Estampar o devir com o caráter do ser - essa é a vontade do intelecto, e essa vontade se faz presente, a-presenta-se, pres-ent-ifica-se, quando "... o intelecto contempla o planeta/em toda a sua excelência", quando o intelecto in-vestiga as contingências, dores, sofrimentos, falhas, faltas, ausências, "insufla como o vendaval", declarando-a "bela" e não "maligna". Assim, o intelecto diz sim para a vida e para tudo que foi, é e será.


A obra de Ana Júlia Machado é sentida, vista, visualizada através de uma carga em demasia contundente, pessimista, negativista, a sua erudição, linguagem e estilo clássicos são válvulas de escape, fuga, mas, em verdade, o "intelecto", a "intelectualidade" que ela instruiu, instituiu por intermédio da ec-sistência, ser e estar-no-mundo, estão sempre em questão na sua obra poética e prosaica, o "intelecto" é a sua luz de re-fletir, meditar, pensar, sentir a ec-sistência, a busca sem término da Intelectualidade do Verbo, a sensibilidade e suavidade dos sentimentos, emoções, sensações da vida no "eidos" da eterna recorrência.


(**RIO DE JANEIRO**, 22 DE DEZEMBRO DE 2017)


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