#AFORISMO 473/TODA FORMA NÃO ASSUME NO MESMO ÁTIMO DE SEGUNDO O MESMO SER# - GRAÇA FONTIS: PINTURA/Manoel Ferreira Neto: AFORISMO


O amor espera-me a cada instante. Quisera-me difuso, poucochito mais.


Por vezes, não sinto limites no meu corpo. E o que tenho, oh, meu subjetivo horizonte, íntimo uni-verso; oh, meu sol, meu momento; oh, parte fora de mim perdida em labirintos, em abismos, em grutas ensombrecidas. Meu coração a margem de entre montanhas insustentavelmente altas, o limite entre o que posso sentir de suas pulsações, sentimentos e emoções que nele perpassam, sinto e não posso verbalizar. Sinto-me tão real como uma metáfora - torno-me uma linguagem nítida e nula em que me posso mergulhar profundo, enchendo-me, alfim, de um brilho imenso no olhar, olho-o sensivelmente e posso visualizar imagens, outras movendo-lhes em outros sítios, lugares. Eu, enfim, literalmente eu? E eu metaforicamente?


As letras, re-versas no tempo, vão redijindo no espaço imaginário da página de agenda, o saber que há vida amanhã, a pena oscila vagamente sem que a mão haja influenciado, influído neste gesto. Seja de que maneira for, é preciso continuar a vida, e esta só refulge suas luzes e cores, se redigida, se tira o mundo ao mundo com a redação vinda diretamente do invisível, do incognoscível, da alma além de suas con-tingências. Tudo ou sobra ou fica pouco demais, e eu olho de esguelha para as coisas que me cercam, o cinzeiro cheio, o maço de cigarros sobre a escrivaninha ou uma taça de vinho, um copo de cerveja geladinha por vezes abro-lhe a gaveta, fixo as coisas sem nada fixar, nada procuro, nada quero de dentro delas, molduras de pinturas suspensas na parede, a luz acesa, as sombras e a claridade em torno da lâmpada.


Ai de mim!... Ai de mim!... Não sei ser quotidiano, nítido, não sei ser prático, a prática única está nisto de redigir no espaço imaginário da página, com todo o esmero com artificiar letras góticas. Levanto-me da mesa, ando à toa pela casa, de cômodo em cômodo, uma razão para descansar, necessidade de me distrair, a inspiração é delicada, qualquer deslize ou ausência de atenção esvaece-se, é preciso, então, resgatá-la, e como é vaidosa em demasia pede afecto, carinho, afago. Toda forma não assume por ínfimos instantes o mesmo ser. A lucidez das imagens traz-me um silêncio cheio de vernáculos, e, curioso por saber onde habita este silêncio, em que sítio se encontram os vernáculos, são ausências de essências, de habitat, tão unicamente vida, e esta transcende o silêncio, os vernáculos. O sentimento de uma plen-itude de vida lega-me o ensejo de vislumbrar, e torna a voltar. O menor momento de vida é mais longo que os sentidos, os significados que em si trazem, redijo surpreso, encantado pelos verbos, pelas regências que banham suas bordas de tempos inestimáveis, longínquos, de conjugações de sensações e imaginações. Por onde o espírito, a alma passeiam, as ondas sensíveis voluteiam imensas e suaves.


A utopia vive a esperança de seu culto, de seu ritual. Crio a mim para envelar a minha ausência. Trago-me ao mais longínquo de mim, onde só a intuição é capaz de revelar-me.


(**RIO DE JANEIRO**, 15 DE DEZEMBRO DE 2017)


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