#AFORISMO 479/O UNIVERSO SUBMERGIDO EM MISTÉRIO E RE-CORDAÇÕES RES-PLENDE EM CADA ALMA/SER** TITULO E PINTURA: Graça Fontis/PROSA DA POIÉSIS: Manoel Ferreira Neto


Apanho da pena.
O homem, fora.
Fora das muralhas do exílio.
Fora das grades do cárcere.


Re-corda-me, pulsa o coração poucochito acelerado,
Com o pé direito no primevo degrau do ônibus,
Sentira que a liberdade precede a metafísica do verbo,
Sentira que o vazio antecede o in-fin-itivo do sujeito,
Revela-se o Amor,
O tempo saberá o instante...
O ec-sistir patenteará o momento,
O tempo afiará as lâminas do sonho e do eterno,
O amor pleno e suave da entrega e das conquistas.


Con-templava as crianças pelas ruas, brincando,
Os seus brinquedos, as pipas no ar, os peões rodando,
Os desejos eram outros, as vontades, os sonhos,
Achava estranho correr atrás de uma bola,
Até o presente não a toquei com o pé, chute, coloquei-o encima.


Tumbas a brasas eriçadas esgalgam ódios últimos, sorrindo fúnebres as derradeiras lembranças. Covas a chamas esfoladas esganiçam vinganças. Goles tirados a tempo curto re-movem possibilidades cuja força é ser efêmera. Sepultura íngreme cobre de nada as hipocrisias primeiras, ironias retiradas a esmo, cinismos re-postulados, a falsa modéstia é nonada absurda a copos emborcados. Sete palmos, as cinzas esfalpadas abrem letras que esmiuçam tentáculos. Medusa tece pedras cruas cujo olhar fundamenta o barro nu de nossas ansiedades. Prometeu troca dedos de prosa com os urubus depois de se empaturrarem com mais pedaços de seu fígado, aquilo seria eterno, os urubus abaixando a cabeça, mas eles serão eternos por causa de Prometeu, são-lhe mucho gratos.


Compreendo a estranheza. O exílio não existirá sem o corpo, sem a ausência No entanto, constitui um impasse. Impasse para o infinito. Viver o imortal. Pensava que as muralhas fossem a liberdade – nem mesmo o desejo de atingi-la, alcançá-la.


Seren-itudes de seren-idades serenas
O amor é tudo
De serenas seren-idades, seren-itudes,
De seren-itudes de suavidades, a ampulheta
Diante do infinito, dos in-fin-itivos, o eu que flora
Na floração do verbo e de suas regências,
O amor haverá de ser, quando
Sentir na alma, no instante de o espaço
Separar-se do tempo,
O verbo ser a ação.
Nas soadas dos verbos emudecidos, mudos calados,
O som rumina, uiva desalentos, inseguranças, medos,
Nas sombras, astúcias para iludir as disposições de sensações,
Intuições, percepções, inspirações, o despertar de outras visões,
O espírito goteja flúmenes, a alma sente os pingos de orvalho
Caindo-lhe no íntimo dos sêmens de sonhos,
Os cofres da inconsciência entoam a plangência desolada,
Ressentida, introspectiva,
Focos de luz expressionista eivando as vontades de voos, viagens.


No exílio, sou ser sem sentido. Fora, a ausência de sentido é o sentido da ausência. É a mãe que está distante do filho, mesmo com ele no útero; longe dele, embora o cordão umbilical não tinha sido extirpado. Está à distância dele, após o cordão umbilical haver sido cortado.
Descobrir a liberdade. Exteriorizá-la no mundo.


Caixões esmorecem tintas que apagam a incólume memória de anos rasgando a seda presa no fio oblíquo de fumaças. A cal cofia ambíguas vestes de linho, o medo de terras recalca o andar cambaio. O ressentimento de tijolos pisa os pés descalços. A amargura de cimento ressoa o silêncio.


O mundo é o exílio. Pensava encontrar um lugar em que descansar os ossos. A liberdade é para não estar fora do mundo. Livre, cadáver de uma perdiz ou de um faisão abatido por caçador furtivo. Todas as possibilidades são no sentido de o corpo estar estendido num fosso ou por trás de uma moita, os joelhos dobrados, os cabelos sujos de terra.


Haverá de poster-iciar(o que é início tornar-se póstero, vice-versa)
As conquistas, quiçá glórias
De serenas "seren-itude" de criações, re-criações,
O sabor da seren-idade do verbo de sonhos, utopias...


Desejos da verdade, sublimes mergulhos no nada,
Angústias, náuseas, o desejo de outros becos, ruas,
Sonhos do absoluto, con-templar nonadas à luz do efêmero
Vontades do Belo, criar esperanças, re-criar fantasias da fé,
Ousadia de avassalar nos cantos e re-cantos ocultos,
Nos sítios e lugares obtusos, oblíquos,
Nos cursos de perspectivas, prospectivas, de claridade e harmonia,
Nos cantinhos de sentimentos e emoções do há-de ser,
Nos contornos e nos ocasos, ocasiões de fascínio, volúpia
Que flanam como neblina sem rumo para rabiscar a minha encenação,
Re-presentação,
Ausentar-se tudo con-templa, ausentar-me con-templo,
Sensibilidades que me travam o intelecto
Insolências, rebeldias, revoltas, prepotências, mazelas
À quimera da solerc-idade o que a idade, o vivido, o vivenciado
Possuem para facultar,
O intelecto trava-me o facultar,
Atulham-me de perplexidade os fachos de luzes
Incidindo-se na chuviscaria da harmonia do tempo, do verbo, do vento,
Percebo e sinto o cogitar as dubiedades do póstero e perene
Com a existência, outroras e pretéritos, passados,
Utopias da Beleza, re-fazer os verbos do eterno
Estesias do Saber, uno-verso da gnose, sapiens,
Conjugados de vazios
Contemplando a manhã de chuva,
Nublado, ensimesmado o tempo


A existência procura inserir-se na morte para não se extinguir. Do termo da transparência do medo das trevas, da claridade da majestade da escuridão alastram-se, da aragem a tristeza resultante da depressão é muito mais que um tipo de emoção centralizada apenas e exclusivamente na psique: afeta todo o corpo. Ela é sentida tão agudamente e causa tanta dor quanto um apêndice supurado – talvez mais.


Lembra-me isto... Talvez não possa denominar uma lembrança, chamar assim. Não consigo penetrar na significação deste termo, no sentido deste símbolo. Diria recordação mesmo. Fora das diversões, brincadeiras, pentelhices com os brinquedos, bater figurinhas com os companheiros, peões, bolas de gude, pipas... Laços infantis cortados, ceifados, as con-versas dos adultos sobre a morte, os problemas existenciais, de saúde, sentimentos e emoções tão diferentes, outro sentir as coisas. E deste tempo tenho consciência do que intenciono dizer.
Início.


Miríades de ilusões, espectros de quimeras
Vir-a-ser do além, porvir do finito
Nas bordas lúdicas de subjuntivos
Do pleno efemerizadas nos temas do silêncio
Silêncio do deserto, o nada per-vaga
Na cintilância das estrelas,
Deserto da solidão, as carências
Passeiam no brilho resplandecente da luz
Nas contingências do nada a luz
Fosforecente dos abismos abissais da alma
Fronteiras de solstícios da verdade...


Necessitei ir a Curiango para levar um documento para Hugo Patrício, o advogado de divórcio, em poucas semanas recebia a comunicação da audiência no Forum Local. De extrema urgência. Separei-me de Liliane. Antes de embarcar, aquando estava colocando roupas na pequena mala, entreguei-lhe uma foto ¾, havia-me entregue duas semanas antes para mandar ampliá-la, o que me esquecera e não houve pedido algum de retorno, dizendo que, sentindo a ausência, poderia olhar na fotografia. Desejava emoldurada uma lembrança para colocar sobre o criado mudo da cama do quarto onde dormisse, dissera-me minutos antes de o motorista dar partida, na janela do ônibus. Quem sabe pudesse ela satisfazer não só a saudade, lembrando-se de algumas de nossas situações, fantasiando outras, criando alguns sonhos passíveis de realização ou não, mas pudesse descobrir mais de meus valores e virtudes, e não apenas achaques, mazelas e pitis, arrogâncias, prepotências e manias pessoais. Claro, aquilo era uma imagem minha. O divórcio era inevitável, o adeus. Disse-lhe por dizer, pois não encontrei algo a ser expresso com convicção o que significaram aqueles anos.


A odisséia do tempo, a epopéia dos verbos
Inscritos a primor, excelência, o porvir arquitetando,
O há-de vir de sensações redigindo,
O há-de ser de idílios rabiscando, de desejos da verdade, o rabisco,
Haverá-de ser às contro-vérsias das conjunturas,
Re-versas das ideologias, hipocrisias, aparências,
In-versas de etiquetas de virtudes, glórias,
In-vertidas de intelectuais de plantão, idéias e ideais servem à hipocrisia, uma luva de seda arábe,
O eu-póstero que se alimenta do néctar de sua
Verdade si-mesma, ao longo do tempo, das circunstâncias
O amor poster-crescer as seren-idades
Das regências de verbos outroras sonhos,
Das conjugações de tempos verbos,
E das chamas secretas das achas na fogueira,
Integralizando-se e con-cebendo a baila dos espíritos
Intros-pectivos, circunspectos, errantes,
Luz na varanda solitária...


Estive hoje pensando, sentado à cadeira de ferro na mesa da varanda de minha residência, que o espírito é a capacidade do ser humano pessoal e coletivo de sentir-se parte e parcela de um todo, de ligar e re-ligar cada coisa, de enxergar totalidades e de decifrar o Mistério que habita o universo e que resplende em cada ser, saber as circunstâncias e situações, tremores e temores pretéritos, e esplender a retina e írís dos olhos a outros horizontes.


É próprio do espírito sentir e experimentar dentro de si, como ressonância, todos os seres e o Ser. Lamento sobremodo nada poder dizer-vos, senhores de tão colossal, magnificência, um templo de cento e vinte anos de existência, de mais rejubilante no tangente ao pretérito, porque o amor que age, comparado com o amor contemplativo, é algo de cruel e de atemorizante. O amor contemplativo tem sede de realização imediata e de atenção geral. Chega-se ao ponto de dar sua vida, com a condição de que isso não dure muito tempo, e que tudo se acabe rapidamente, como no picadeiro, sob os olhares e os elogios. O amor atuante são o trabalho e o domínio de si, e para alguns toda uma ciência, é o "nós" que, enlaçados de utopias, fantasias, quimeras, verdades da contingência, cria o destino, as alamedas por onde trilhar, e para outros estilo, linguagem, a arte do verbo e do sujeito.


Desejo redigir com a afabilidade dos verbos e o eu em conflitos, carregando na mochila as requerências, requerenças, exigências no sendo a vida, In-[vestig}-ação, vestígios que se posterizaram, não se perderam na ação, na ação do verbo dentro do tempo. Redigir desvarios, devaneios, não de demandas dos revérberos, trocas de diplomacias de pósteras hipocrisias, vaidades, o sonido de tudo, con-templando-me ao longínquo, ao alhures, a fragrância das volúpias, das utopias, dos sonhos e verbos. A gustação do há-de ser, há-de porvir, ad-vir.


Até mesmo o deserto adquire um sentido? Sobrecarregá-lo de musicalidade, de ternura, de ensino de Línguas, nacional, estrangeira, as utopias da entrega à educação. É um lugar consagrado por todas as dores do mundo, por todas as peregrinagens na meditação, na reflexão, o sentimento profundo do silêncio que precede talentos, dons, e que concebe as melopéias das serestas e serenatas, melancolias, nostalgias, algazarras das conquistas e glórias, suavidade do violino dos sonhos. Instam nos verbos que teimam a per-sistir, in-sistir, ousar na continuidade, sem-fim da poesia-logus do saber e do intelecto, avançar com a existência.


Contradizem-me o espírito e a alma, entre encalços e tropeços inscritos, prescritos, proscritos, que vou entregando em mão do pretérito e de outroras


Mas o que o coração necessita e reclama em certos momentos, ao invés disso, são justamente lugares constituídos de poesia. Lera no poema de inestimável amiga um excerto, "... a existência é engalfinhar-se que nós a desenleamos com a exultação e erudição..." da memória, e redigi tempos imemorais.


Quiçá ladear os perímetros, extensões, amplidões da ec-sistência seja a inspiração de uma pintura de um menino à volta com os seus brinquetos, atrás dele, ao lado, um rosto perscrutando a cena e o cenário, encostado ao parapeito da sacada, sobre ele um tapete persa enrolado, cogitando, refletindo, meditando as vivências, o vivido; o rosto atrás de si é a criança que não fora, lembrando-se do pretérito, alamedas de poeiras, becos de cascalho e areia, ruas de pedras e avenidas de asfalto, praças públicas, recostado numa porta fechada os brinquedos, representação, o imaginário, mas ficava no seu quarto às voltas com os deveres de casa, os estudos, e antes o baile do alfabeto e suas inúmeras performances, aglutinações, as palavras, as pronúncias, a leitura, o encanto.


(**RIO DE JANEIRO**, 17 DE DEZEMBRO DE 2017)


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