#AFORISMO 472/MEDO INTELIGENTE# - GRAÇA FONTIS: PINTURA/Manoel Ferreira Neto: AFORISMO


A intenção é conhecer-me a mim. Procuro cansar-me os desejos em vão. São nobres os sentimentos, emoções, a alma, modificando poucochito os caminhos do homem - e estas modificações tornar-se-ão meta-morfoses. Cada um de meus pensamentos, por mais multi-facelados se encontrem, é um fervor, chama, latência, ardência. O íntimo entre-abre-se num átimo de segundo num aconchego de luz. É a nobreza do desejo intenso alcance o que o testemunho do mundo reflete na sua plen-itude. Imaginar as lágrimas, a comoção, a alegria, e no fundo a conquista do espaço em meu interior.


A escrita lenta destas palavras - fosse na fala verbal, a explicação estaria consumada, alfim a dificuldade de concatenar as dimensões sensíveis e as idéias é-me um desvario sem precedentes, agonia, quase não falo senão as trivialiades... Ao menos ficam da amargura desta escrita lenta a tentativa, o esforço com que arranco as palavras, com que arranco de mim o que me habita, mesmo que daqui a minuto as atire fora, in totum inúteis, nada disseram ou patentearam, como as que invocam metáforas invocam metáforas invoco a mim próprio e me não é possível encontrar nada, até indago de mim mostrando sorriso trigueiro nos lábios se em verdade a intenção é arrancar de cada palavra o vazio, elencar cada um deles e performar a passagem célebre do tempo... Seja o que for, se pode inspirar que inspire. As palavras são estrangeiras, mister, sine qua non falar a língua delas.


O medo que em mim trago neste momento desta escrita lenta - vou debochar de mim com a data vênia das palavras: bicho preguiça, se tivesse o dom da escrita, escreveria com mais rapidez - é inteligente. Medo inteligente? Preciso elucidar isto com clareza e trans-parência. A constituição inteira de meu espírito é de dúvida e incerteza, jurei pelas conchas à beira-mar que daria a mínima para isto, a vida são dúvidas e incertezas, até mesmo de eu ec-sistir. Nada é lúcido ou pode ser para mim; todas as coisas giram ao meu redor, rodopiam frente aos olhos, todas as coisas oscilam, e, com elas, uma insegurança comigo próprio. Tudo para mim é in-condizente, in-congruente, in-coerente e transformação. Tudo é mistério e está repleto de sentido, tudo é enigma e está entupigaitado de significado. Todas as coisas são des-conhecidas, todas as coisas são in-visíveis, todas as coisas se escondem de si mesmas, todas as coisas são simbólicas do Inter-dito, do Desconhecido, do In-inteligível. Aí o horror, o tremor, o temor, o mistério, o medo inteligente.


Pelas minhas tendências naturais, pelo ambiente que me cercou a infância, pela influência dos estudos realizados, a compulsão pelo saber e conhecimento, por tudo isso o meu caráter é do tipo intros-pectivo, intro-vertido, circunspecto, in-teriorizado, concentrado, e isto explica a escrita lenta de quando em vez tomo a pena. A minha vida tem sido sempre de devaneios e sonhos, de dispersões e fantasias. O caráter consiste na incapacidade que invade tudo quanto em mim existe, físíca e mentalmente, angustiado, com sérios problemas, coxeio a perna direita em demasia, para as certezas, as convicções, para pensamentos definidos. Novos pensamentos se inter-põem, novas idéias se inter-ferem extra-ordinárias e in-excluíveis, de término in-finito, de conclusões in-temporais e a-temporais.


Ah, esquecia-me o caráter de minha mente!... Primeira vez que ouso tocar neste assunto delicado. Tenho urticária de começos e fins das coisas, assim é que detesto o efêmero, porque são pontos definidos. O que mais me aflige é a idéia de que algum gênio ou mesmo um atoleimado des-cubra solução para os mais elevados e mais nobres problemas de ciência e filosofia. Sou louco, aquele louco que conceituam, denominam, definem "manso", e isto de um modo difícil de conceber, e, se con-cebido, difícil de ser con-sentido. Estremeço ao pensar quão conservo em mente as coisas - a minha memória é indecente, inconsequente, imoral, guarda, armazena, conserva tudo nos mínimos detalhes de minha vida passada. Eu, o homem que afirma que o nada é travessia para o ser, sou menos do que o nada, e sendo menos que ele como posso patentear esta travessia?


Teci, após duas horas e meia, numa lentidão de escrita inconcebível, inimaginável, estas palavras. Mergulho com grandes gargalhadas. Há como nas obras célebres o passo da simulação e da re-conciliação.


Sirvo-me da espera do belo futuro, e o caminho que a este conduz jamais se me afigura interminável, e por ele vou me deslocando a passos lentos, comedidos.


(**RIO DE JANEIRO**, 15 DE DEZEMBRO DE 2017)


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