#AFORISMO 471/PROFUNDIDADE INVISÍVEL AOS OLHOS DO HOMEM** - GRAÇA FONTIS: PINTURA/ Manoel Ferreira Neto: AFORISMO


Fazem parte da nossa sublime existência...


Relincho “sublime” com o coração na garganta - quem até não saiba possa intitular-lhe, epitetar-lhe, chamar-lhe, conceituar-lhe, definir-lhe, nomear-lhe relincho supremo, magnânimo, divino? Amo-o de paixão instintiva des-vairada.


Parece que um discurso foi terminado com uma palavra de ordem, como fazem os engajados em um partido, a fim de receberem palmas dos ouvintes, para sustentarem as idéias do Partido, para serem acreditados por todos, recebendo, no dia da eleição, votos, com chave de ouro que abre todas os portões, todas as porteiras para a corrupção. Para os que votaram, eles são os homens que estavam faltando, são os homens adequados, a tábua da salvação. Com a existência destes homens, haverá justiça, não haverá miséria, fome, desgraça, corrupção, censura. O mundo será puro, sublime, todo-poderoso. Pergunto-vos se eles se adeqüam a si mesmos, se são os puros, os justos, os sublimes, os todo-poderosos. Respondereis, com a certeza, que a sociedade precisa de homens com raça, dispostos a lutar pela justiça, pela liberdade, pela honra, pela dignidade. Palavras deles? Qual nada! São princípios do partido o que eles têm medo de violar. No quarto, à noite, não acreditam em mudança, não creem em coisa alguma. São uns mentirosos, uns crápulas, uns caguinchos... Queriam a cadeira e a mesa em frente deles. No fundo, não acreditam em nada. São uns desesperados. Sentem a dor profunda da existência, mas a voz do Partido conseguem abafar. Esta dor.


Eu não. Não faço discurso. Teria vergonha de ver-me na frente de várias pessoas, gesticulando, relinchando feito um louco, procurando frases de efeito e, no fundo, estar pensando que estou a iludir não a eles mas a mim. Ilusão de palavras é a pior ilusão. Relincharia, num interregno inesperado, inimaginável a qualquer nível da fala, não para recarregar as energias, a pujança do pulmão, sim para criar empatia com os presentes, sim para causar delírio, ansiedade, expectativa, plena admiração de todos pelas idéias nele contidas. A pior amiga da humanidade é a ilusão. Toda a humanidade vive a iludir-se com palavras de falsos profetas, políticos, clérigos, com suas próprias palavras. Já não me iludo com frases. Aprendi o gosto que é ver as palavras volatizarem-se, pulverizarem-se, dissolverem-se. Estou satisfeito. Nada me toca. Caso haja uma revolução, sei, de antemão, tudo o que vai acontecer. Apreenderei todo o processo da revolução, todas as suas idéias, mas sentir-me tocado nunca. Com o tempo, tudo serão cinzas. Uma nova necessidade. Serei até capaz de sair à rua, a fim de ver a angústia das pessoas, a polícia armada, os tanques de guerra, passeando pelas ruas, os tiros e as lutas, mas não me sentirei tocado. Nada, absolutamente nada, é capaz de tocar-me, de fazer-me sorrir ou chorar, de sentir-me alegre ou triste. Tudo virará cinzas em um breve instante. Restará o gosto insípido na boca.


O homem. É o eterno exílio de tudo e de todos. Penetra-se. Sente um estranho espanto, estupidifica-se, cai-lhe o queixo com as surpresas. Vê-se na imensa escuridão, escuridão esta muito maior e profunda do que a noite em todos os seus mistérios, do que a solitária no presídio. Por que condenar um homem a setenta e dois anos de prisão? Melhor seria setenta e dois anos de solitária, com arroz, feijão e barata para saciar-lhe a fome. É o seu próprio espanto. Vê-se na imensa gratuidade, absurdidade.


O exílio é a própria ausência de comunicação. O que não há é a comunicação. Tudo é a falta de comunicação. Existem só palavras vagas e evasivas, exclamações vãs e interrogações insípidas, ênfases escalafobéticas, afirmações voluptuosas. Seres ignóbeis, desprovidos de fisionomia brincam no azul de seus olhos. Seres ignominiosos trabalham ao cinismo e ironia. Os olhos afastam tudo e todos. São a barreira para o relacionamento. Usa de seus olhos para afastar as pessoas. Cria, através deles, uma barreira in-transponível. A sua beleza ameaça as sensibilidades. Interfere nas emotividades.


Mas por que tudo isso? Por que tudo isto? Procura em si aquele algo que se chama ser. Mas não encontra. Quanto mais aprofunda, mais desliza, escorre por entre os dedos. O ser é um ideal impossível. É uma mancha que a História extirpou. Enfiaram-lhe uma faca tirando-lhe todo o sangue, deixando-lhe estirado no chão.


(**RIO DE JANEIRO**, 11 DE DEZEMBRO DE 2017


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