#AFORISMO 470/O TUDO E O NADA DE CADA DIA# - GRAÇA FONTIS: PINTURA/ Manoel Ferreira Neto: AFORISMO


Se as flores [des]-aparecessem de todos os jardins e plantações, da produção humana, creio que faria na espiritualidade e intuição um vazio, falta, falha, ausência fálica na libido inters-ticial da alma, enfim, ausência no intelecto da humanidade, imperfeição muito mais indescritível que todos os excessos e erros pelos quais vós, os homens do final do Segundo Milênio, sois os responsáveis e culpados.


Não é razoável pensar que todos os homens que nunca viram flores em suas vidas, nunca as sentiram próximas, os que não conhecem flores no mundo, ingênuos ou sistemáticos, doutos ou sem-não, são frios e calculistas, insensíveis, não são capazes de imaginar tarde de primavera no alto da montanha, tudo sendo flores e mais flores, espetáculo ininteligível. Diria outras coisas, mas penso é o suficiente para compreender e entender o que isto não ser capaz de criar um só barquinho com qualquer folha de papel de tamanho suficiente, são imbecis ou hipócritas, não conhecem a beleza de seguir viagem conhecendo a natureza em cada lugar a menos de alguns passos...


Os sonhos serão algo que se possa alcançar? Viveremos para nos exterminar com a morte? Não, vivemos para temê-la, para rejeitá-la e também para amá-la, e precisamente por causa da morte é que a nossa vida vez por outra brilha tão radiosa num instante nítido e nulo.


Contemplação maior que rima os apelos de sussurros, murmúrios, oscilando ante a natureza e o espírito, em tardes serenas de janeiro, os silêncios e mudez de pensamentos ao longo de invernos; rima os clamores de desejos, aspirações, em manhãs de fevereiro, a luz de palavras e olhos de idéias, longínquos de primavera; com a minha epopéia de asno e asnice, aqui debaixo da terra, outra coisa não estou eu tentando exprimir senão o que já muito antes tinham sido a natureza e o espírito.


Através da magia posso eu modificar os sonhos que não passam de ilusões [antes, e de maneira mais pura do que o poderia eu fazer, delineio esboços, o sentido e a imagem de um olhar, perscrutando, perquirindo a visão que se quer trans-parente das coisas, inquirindo a visualização que deseja acolher as perspectivas da imagem, revelando-as, quiçá, numa memória-poesia], entregar-me de corpo e instintos aos desejos iluminados em seus valores eternos como imagem e como visão fugaz da própria divindade, passos lentos na areia fria, de por baixo dos pés?


Que sou, que me esqueço de dizer o nosso amor que anda calado, andando com mãos em bolsos de calças, busco o nada que neles se encontra?
Relincho, então, comigo mesmo: “Falta ainda muito tempo para o fim da tarde, principio da noite; é quarta-feira, mês de abril. Darei um passeio pelas ruas, talvez até ligue para alguém acompanhar-me. Devo-me esquecer das antigas dores, porque a temperatura está serena e agradável, choveu ontem, e as montanhas ao longe estão altas, chegam até ao céu. Passeando, posso lavar a febre de minhas frontes e então não me sentirei angustiado, deprimido, infeliz”.


O pão nosso de cada instante do sentido de cada palavra, de cada belo, de cada feio, de cada gesto, de cada inspiração. O sentido está em, nascendo do mais íntimo, abrir-me para o outro. Quero viver, não sei viver, por isso, anônimo e encantado, relincho para me pertencer, o que soube o perdi, o que pensei já o foi..., as sensações que me perpassaram ligeiras, o quase ter-me mergulhado nelas, mas posso arrumá-las, ornamentá-las. Tão logo falecido foi fácil... Recitei os relinchos, depois passei a relinchar livremente, espontaneamente, dirigindo-me ao Criador – ao libertador dos homens; depois... cansei? Não vi qualquer explicação razoável para estar rezando na sepultura. Não soube mais o que relinchar, minha cachola instintiva inquieta pulava de uma coisa para outra. Senti medo, senti raiva, até que algo me dominou.


Não estou nem um pouco incomodado com toda a falta de senso com que fui inspirado hoje, até de modo imaginário e imbuído de forte fantasia, com que me pus a relinchar de modo até arbitrário e gratuito, desde que não tenho intenção de qualquer coisa expressar com seriedade, tomado de forte emoção e sentimento, destes que deixam um desejo enorme de tomar uma xícara de café “da hora”, fresquinho, fresquinho, este que acaba de ser coado e servido a alguém que se delicia a todo momento com os sabores que se vão reunindo no seu íntimo, sendo o desejo isto expressar de algum modo.


(**RIO DE JANEIRO**, 15 DE DEZEMBRO DE 2017)


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