#DIALÉTICA DA CRIAÇÃO E DO AMOR ENTRE OS DIVINOS TRÊS# (UMA LEITURA DE ‘A SANTÍSSIMA TRINDADE É A MELHOR COMUNIDADE, LEONARDO BOFF) GRAÇA FONTIS: PINTURA Manoel Ferreira Neto: DISSERTAÇÃO EM TEOLOGIA




I PARTE G


A morte de Cristo, independentemente da luz advinda da ressurreição, possui um sentido que está em coerência com a vida levada por ele. Todos aqueles que, como Jesus, fazem exigências de mais justiça, mais amor, mais direito para os oprimidos e mais liberdade para Deus, deve contar com a contestação e com o perigo de liquidação. Exemplo desta caminhada no seio do Cristianismo, é o próprio Leonardo Boff, que se viu forçado a retirar-se da Igreja. A morte é vencida, enquanto ela não é mais feita o espantalho que amendrontava o homem e o impedia de viver e proclamar a verdade. Ela é aceita e inserida no projeto do homem justo e do profeta verdadeiro. Ode-se e deve-se contar com ela. A grandeza de Jesus foi de, apesar da contestação e da condenação, não se deixar tomar pelo comodismo. Mesmo sentindo-se na cruz abandonado por Deus a quem sempre servira, não se entrega à resignação. Perdoa, continua a crer e a esperar. Entrega-se, no paroxismo, às mãos do Pai misterioso em quem reside o Sentido último do absurdo da morte do Inocente. No auge do desespero e do abandono, revela-se o auge da confiança e da entrega ao Pai. Não possui mais apoio nenhum nele mesmo ou na sua obra. Só em Deus se apóia e só em Deus pode repousar sua esperança. Esperança assim já transcende os limites da própria morte. É a obra perfeita da libertação: libertou-se totalmente de si mesmo para ser todo de Deus. Se, como diz Bonhoeffer, Sócrates nos libertou do morrer por sua serenidade e soberania, Cristo fez muito mais: libertou-nos da morte. Seu morrer beirou às raias do desespero. Mas sua entrega em favor dos homens e de Deus foi tão irrestrita e total que venceu o império da morte. É o que significa a ressurreição irrompida no coração mesmo da aniquilação.


A solidão, o sentir-se e saber-se só, desligado do mundo e alheio a si mesmo, separado de si, não é característica de um só povo, de um só homem. Todos sentimos em algum momento da vida sós. Estamos condenados a viver sozinhos, mas também estamos condenados a ultrapassar nossa solidão e a reconstruir os laços que nos uniam à vida. Viver é nos separarmos do que fomos para nos adentrarmos no que vamos ser, futuro sempre estranho. A solidão é a profundeza última da condição humana.


Solidão e pecado original se identificam. E saúde e comunhão voltam a ser termos sinônimos, só que situados num passado remoto. Constituem a idade de ouro, reino vivido antes da história e que talvez possa ser atingido se demolirmos o cárcere do tempo. Nasce, assim, com a consciência do pecado, a necessidade da redenção. E esta origina a do redentor.


O sentimento da solidão, nostalgia de um corpo do qual fomos arrancados, é nostalgia de espaço. Segundo uma concepção muito antiga e encontrada em quase todos os povos, este espaço não é senão o centro do mundo, o “umbigo” do universo. Ás vezes, o paraíso se identifica com este lugar e ambos, com o local de origem, mítico ou real, do grupo.


O homem é o único ser que se sente só e o único que é busca de outro. O homem é nostalgia e busca de comunhão.
A experiência humana mais pura e mais elevada, ao mesmo tempo que a mais rica em significado, é a do encontro com o outro. É aí que a presença de Deus se manifesta, por assim dizer experimentalmente, ao homem que está aberto à mensagem dos seres e dos acontecimentos. Deus é a Presença definitiva no coraçào de qualquer encontro autêntico com outrem. Ele está neste apelo à incondicionalidade que exige todo o amor humano. Com efeito, o amor do outro encaminha-nos, pelo seu mesmo dinamismo, para uma exigência de ultrapassagem própria e ilimitada. Ele exige a incondicionalidade para ser absolutamente ele mesmo. Na medida em que nosso amor se toerna incondicional, transpõe os limites que, de contrário, nós imporíamos inevitavelmente à aparição do outro. É na transposição destes limites, na incondicionalidade inertente a todo o amor autêntico, que Deus se apresenta.


“Ensine-me, seja, o próprio ser que só é na medida em que for com o Senhor, conviver com o Absoluto, deixar-me conduzir pelo eterno. Ensine-me o sentido de sua distância quando celebro o seu jorro, sobretudo ser vida, ser participação na plenitude de sua vida, a partir da verdade eterna da vida sem fim – fácil amar, suficiente res-peitar e com-preender...” (Manoel Ferreira, Na fonte Originária do Rio de Águas Límpidas, Folha de Curvelo, 1999)


O homem não foi criado para viver sozinho. Nasce e cresce numa família, para depois se inserir, pelo seu trabalho, na sociedade. Assim a pessoa aparece integrada, desde o seu nascimento, em várias tradições; delas recebe não apenas a linguagem e a formação cultural, mas também muitas verdades nas quais acredita quase instintivamente.


Entretanto, o crescimento e a maturação pessoal implicam que tais verdades possam ser postas em dúvida e avaliadas por meio da atividade crítica própria do pensamento. Isso não impede que, uma vez passada esta fase, aquelas mesmas verdades sejam ‘recuperadas” com base na experiência feita ou em virtude de sucessiva ponderação. Apesar disso, na vida duma pessoa, são muito mais numerosas as verdades simplesmente acreditadas que aquelas adquiridas por verificação pessoal. Na realidade, quem seria capaz de avaliar criticamente os inumeráveis resultados das ciências, sobre os quais se fundamenta a vida moderna? Quem poderia, por conta própria, controlar o fluxo de informações, recebidas diariamente de todas as partes do mundo e que, por princípio, são aceitas como verdadeiras? Enfim, quem poderia percorrer novamente todos os caminhos de experiência e pensamento, pelos quais se foram acumulando os tesouros de sabedoria e religiosidade da humanidade? Portanto, o homem, ser que busca a verdade, é também aquele que vive de crenças.


Cada um, quando crê, confia nos conhecimentos adquiridos por outras pessoas. Nesse ato, pode-se individuar uma significativa tensão: por um lado, o conhecimento por crença apresenta-se como uma forma imperfeita de conhecimento, que precisa de se aperfeiçoar progressivamente por meio da evidência alcançada pela própria pessoa; por outro lado, a crença é muitas vezes mais rica, humanamente, do que a simples evidência, porque inclui a relação interpessoal, pondo em jogo não apenas as capacidades cognoscitivas do próprio sujeito, mas também a sua capacidade mais radical de confiar noutras pessoas, iniciando com elas um relacionamento mais estável e íntimo.


A encarnação do Filho de Deus permite ver realizada uma síntese definitiva que a mente humana, por si mesma, nem sequer poderia imaginar: O Eterno entra no tempo, o Tudo esconde-se no fragmento, Deus assume o rosto do homem.
Desse modo, a verdade expressa na revelação de Cristo deixou de estar circunscrita a um restrito âmbito territorial e cultural, abrindo-se a todo homem e mulher que a queira acolher com palavra definitivamente válida para dar sentido à existência.


#RIODEJANEIRO#, 26 DE JANEIRO DE 2019#



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