**JOAQUIM FOI AO AR - Manoel Ferreira**


Bons dias!


Quê viagem supimpa!
Quem deu a volta ao mundo em oitenta dias não fez viagem tão supimpa, tão linda! Olhar as montanhas, serras, abismos, florestas do mundo inteiro, de cima não é tão lindo assim, nas nuvens o olho não vê tanto, no ar nada é perdido, a memória fica cheiinha de coisas, causos e mais causos vão sair daí, um livretozinho de crônicas para levar todos ao ar, mostrar a todos a supimpez da vida, está tão cheia de trancos e barrancos. Imagino a felicidade, as alegrias, os prazeres que Joaquim sentiu no ar, pairou e lambuzou a carinha de rato de esgoto na maionese da batatinha, coraçãozinho bateu forte, quase não pulou garganta fora, a alma ficou toda empoladinha, nem precisava coçar, para que espantar tão gostosa sensação, orgulhos e mais orgulhos da raça, da estirpe, da laia, a carne se sentiu toda iluminada de verbos, os ossos à luz das cinzas eternas ficaram resplandecentes.  As Josefinas encalhadas ficaram geladinhas, quê homem! As Patricinhas ficaram excitadas, quê pedaço de mau caminho! Pediram a Santo Antônio para também viajarem com Joaquim no ar! Na escuridão e silêncio de seu covil, rendeu graças e louvores a Deus por tão supimpa oportunidade de ir ao ar, nunquinha podia imaginar que fosse ter esse privilégio, ele um Joaquim qualquer –, tinha também de pedir a Deus o paraíso celestial para o seu povo, sem o povo a viagem supimpa ao ar não tinha acontecimento, povo é povo,  o povo é sábio, o povo é mestre, o povo conhece todas as graças e maravilhas, o povo é divino, quando quer faz o nego sentar na cadeira e palitar os dentes cariados, sentir aquela dorzinha gostosa, balançar os perninhas, olhar para o espaço e infinito de boca aberta, só com o carinho e amor do povo ter ido ao ar foi verdade. Foi acima de todas as nuvens, de todos os espaços cósmicos, de todos os buracos negros, a alma explodiu. Depois da oração a Deus, dos pedidos para o povo que lhe deu os valores merecidos, dos relembramentos de sua viagem ao ar, disse para ele mesmo: “Joaquim foi ao ar!”, a gargalhada de taquara rachada deu fim à tranqüilidade e serenidade da noite, e as montanhas todas gritaram em uníssono: “Louvado seja Joaquim! Foi ao ar!”  
Numa viagem tão dessa grandeza tanta, Joaquim não botou o seu terno preto chique feito por um grande alfaiate, do tamanho do mundo inteiro, camisa de seda branca, gravatinha borboleta, sapatinhos brilhantes de coro e bico, cabelinho cortado, muito bem penteado, barbinha feita, perfume francês. Joaquim foi ao ar de roupinha simples e humilde, camisa de manga curta, calça de muitos verões atrás, sem maquiagem nenhuma, a nu e bruto, perfume lá do Paraguai, era ele mesmo, um capiau das montanhas e serras, os caipiras do sertão mineiro, nordestino, goiano..., se fossem ao ar como Joaquim, iam colocar a roupinha de ver Deus, a famosa domingueira. Sua simpliceza é que fez a diferença no ar, um homem como todos e quaisquer uns, como mesmo diz a Bíblia, e ele acredita em Deus, ele acredita nas Palavras de Deus, o Reino de Deus é dos simples e dos humildes. Para que orgulhos no ar? Para que vaidades nos ventinhos de leste-oeste? Não. Joaquim foi ao ar com sua simpliceza, com sua vozinha baixa e de taquara rachada, seus olhinhos de pulga amestrada, dando pulinhos nas imagens do ar, deslumbrada. 
E Joaquim caprichou no capiauguês.  Falar bem o capiauguês é importante, é com a guês do capiau que se mostra a alma e os princípios, é que chega aos capiaus da cidade, do mato, dos casebres no fundo do abismo, das choupanas no topo da serra, nas beiradas e margens dos esgotos a céu aberto. Deu lá os seus deslizes numa ou noutra guês, mas no ar tinha sim que usar de esperteza, dar uma de criar outras gueses diferentes, tinha de aproveitar o ar para isto, seu povo amante vai usar de suas gueses em todas as esquinas de becos, ruas, alamedas e ruas, nos bares e restaurantes, lojas e estabelecimentos comerciais, repartições públicas. E se lhes perguntarem aonde é que foram arrumar gueses tão diferentes no capiauguês, de pronto dizem: “Foi quando Joaquim foi ao ar! Ele é que ensinou”, sentindo-se orgulhosos e vaidosos de suas prendizes capiauguesas.  
Quem está pensando que Joaquim simplesmente entrou num balão com toda a indumentária de viajante de oitenta dias pelos cantos e recantos do mundo, que colocou umas asas postiças, subiu na montanha, atirou-se abismo abaixo, entre equilíbrios e desequilíbrios alçou vôos, ultrapassou as serras, foi vagar pelo vale afora, registrando nos seus olhinhos de pulga amestrada as imagens lindas e maravilhosas, dando um tempo para sobrevoar o sertão mineiro desde Cordisburgo até Montes Claros, sobrevoando Curvelo e rindo dos caipiras sem cultura, sem artes, sem quês e porquês, entrando pelas encruzilhadas do norte e nordeste, retornando aos ritmos e melodias de asas dançantes, subindo e descendo, pupilas cheiinhas de imagens, retinas carregadas de beleza e maravilha de viagem tão gostosa, a memória às tampas de tanta coisa para contar ao seu povo amante, está muito enganado. Deus não deu asas ao capiau nem as cobras, só aos caipiras e as andorinhas. Joaquim fez uma viagem de sessenta minutos apenas, o ar foi  um “set” de gravação. Joaquim deu entrevista frente às câmaras numa rede de televisão. 
O entrevistador, dos mais inteligentes, dos mais cultos e intelectuais, dos mais sensíveis, fez-lhe perguntas de altos níveis sobre cultura, artes, literatura, jornalismo, literatura, artes-plásticas, história, que são as suas especialidezas. Joaquim foi ao ar para falar destas coisas de gente importante, de celebridade. Um grande capiau lançando ao ar palavras profundas, conhecimentos de abismos profundos. A cada pergunta, calmo, tranqüilo, senhor de sua capiauguês de grande, não como os outros capiaus numa coisa desta, frente às câmaras, perdem o rebolado, gaguejam, tremem dos dedos do pé ao último fio de cabelo da cabeça, tremem mais que bambu ao vento, ia respondendo com propriedade, com direitos até de risadinhas taquarinas, a pobrezita da cabecinha dando voltinhas, imaginando e pensando nos telespectadores, o grande orgulho dele, um capiau jamais tido e havido na face da terra, Deus é milagroso, Deus é Deus, Deus lembrou de todos, botou num buraco de mundo um capiau de grande estirpe, de grande raça. Os seus iguais babando de inveja, despeito, vertendo lágrimas pujantes e quentes de orgulho: “Está desperdiçado aqui! Devia estar lá na Europa falando de cultura e artes, levando nosso pedacinho de terra às alturas da fama e da glória”. 
O entrevistador de olhos brilhantes e faiscantes, na vida toda nunca imaginou que fosse estar diante de uma personalidade tão importante e culta nos anais da história – quê momento! quê oportunidade supimpa! só mesmo o ar pode dar estes prazeres! nunca vai se esquecer! Com esta entrevista vai para sempre para os anais da história, vai sentir o gostinho do que é isto não morrer nunca, vai até sentir o cheirinho das páginas de manuais históricos. Quem pode, pode; quem não pode, cheira o perfume paraguaio do capiau-capiau ou se sacode. Ele pôde sentir o cheirinho dos conhecimentos profundos de Joaquim, pôde conhecer de perto e de imagens o que é isto, o milagre sem igual do capiau às capiaugueses da cultura. Vai anotar no caderninho de duas margens e linhas os momentos mais emocionantes de Joaquim, aqueles que sentiu bem frios os calafrios dos poderes da cultura e da intelectualidade, quando por uma intuiçãozinha de nada sentiu que os telespectadores na mesma farinha de todos os sacos levantaram da cadeira e se ajoelharam, renderam graças a Deus, beijaram a cruzinha dependurada na corrente no pescoço. Isto merece ser registrado para a posteridade.
As montanhas e serras acordaram cobertas de neblina, friozinho, ventinhos eriçando os pelos dos braços, as folhas das árvores cobertas do orvalho da noite, a natureza em festa, os pássaros entoando seus cantos por todos os espaços. Joaquim foi ao ar. As pessoas, depois do grande espetáculo do ar, da entrevista com Joaquim, sentiram-se bem, dispostas, animadas, nunca lhes brotaram tantos sonhos maravilhosos, os conhecimentos capiaugueses lhes subiram as cabeças, vão agora arregaçar as manguinhas da camisa e mandar as mãos na massa, podem agora andar com elas todas altas, peito estufado, fazer poses em todas as esquinas, usarem a língua capiauguês com todos os ristes das palavras belas e maravilhosas, Joaquim no ar mostrou a grande importância da cultura de seu povo, de seu buraco de mundo querido.
Pena é que Joaquim não saiu do abismo, do espaço das montanhas, a imagem não as ultrapassou. Joaquim devia ter ido ao ar em rede mundial, com direitos a todos os satélites de transmissão. Nem no ar Joaquim foi ao mundo, mas o mundo com certeza vem a Joaquim, para um jantar dos mais suntuosos, para conhecer o grande capiau, para ouvir suas palavras de grande conhecimento cultural, artístico, histórico. 
E Joaquim está pelas ruas da cidade, por todos os cantos e recantos, não há outro assunto, de boca em boca, a euforia de toda a comunidade, num segundinho dos menores possíveis, Joaquim é falado por todos, a bomba joaquina explodiu, e todos gritam a plenos pulmões: “Joaquim foi ao ar”. E ele está a sete chaves no seu escritório, ouvindo a entrevista para passá-la para o jornalzinho, a edição está nas portas do mundo, só tem até quarta-feira para o “boom” jornalístico, no final de semana, o Brasil e o mundo vão conhecer a sua entrevista, os conterrâneos e contemporâneos ausentes vão se sentir os mais abençoados e iluminados com a ida de Joaquim ao ar, só ele para endeusar a cultura da cidade, só ele tem todos os pedigrees de culto e intelectual para engrandecer os anais históricos.  
Só amanhã Joaquim vai sair às ruas, ser cumprimentado, laureado, glorificado, abraçado, os três tapinhas no ombro, risos e sorrisos de orelha e orelha, está de parabéns, fez bonito e lindíssimo frente às câmaras, mostrou sem pingos nos “ii” sua cultura, sua intelectualidade, seu amor pelas artes, pela história. Mas vai sair às ruas com passinhos simples, cabecinha alta só para não trombar nos postes de cimento armado, nas pessoas pelas calçadas, não tropeçar nas pedras e dar com a fuça no chão, será gentil, humilde, delicado com todos, vai até aproveitar as gueses de capiau que usou, a propaganda é a alma do negócio, para o povo assimilar bem e usar mesmo nos assuntos mais aleatórios possíveis. 
Uma noite das mais maravilhosas, noite de estrelas e de lua brilhante. E Joaquim foi ao ar dia depois da Grande Festa de Hollywood, a festa da oitava maravilha do mundo, a Grande Festa do Oscar Americano.  A primeira maravilha do Vale!
Ninguém nunquinha vai esquecer desta noite, todos estavam bem sentadinhos nas cadeiras, nos sofás, no chão, encarrapitados no tetos das casas, dos bares, restaurantes, para ouvirem a entrevista de Joaquim na emissora de televisão. 

Joaquim foi ao ar! Joaquim foi ao ar! Joaquim foi ao ar!    

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  1. Joaquim Ribeiro Barbosa - Editor-chefe do tablóide VOZ DE DIAMANTINA, Diamantina, Minhas Gerais.

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