**A CAMINHO DO CALVÁRIO" - Manoel Ferreira


Apenas uma tentativa, mas me empreenderei no sentido de alcançar os objetivos que, durante a noite, pensei. Não é de meu costume e hábito acordar e ficar pensando em que vou escrever. De antemão, sei que estaria perdendo tempo e sono, pois não escrevo nada do que fora pensado. Sento-me e escrevo, só publico se me causa de algum modo emoção forte. 
Na Sexta-feira Santa, Rogério Adriano desta emissora de rádio lê poemas que retratam e representam a Paixão, Morte e Ressurreição de Cristo. A esposa não perde esta oportunidade. Jamais me encontrei com alguém tão apaixonado com Jesus Cristo quanto o é minha esposa. Assim, mostrou-me um poema, pedindo que no sábado, aquando de minha gravação, entregasse a Rogério Adriano. Li. Olhei-a seriamente. “Amor, não acredito que tenha coragem de publicar um poema deste. Está horrível”. Não aprecia nem um pouco que se faça comentários a respeito do que escreve. Interessante, é que adora ser elogiada. Não ficou satisfeita com os comentários feitos por mim. Podia eu dar uma trabalhada no estilo, mas não cria em absoluto que se pudesse melhorar. Nasceu horrível e assim seria por todo o sempre. “Isto depõe contra você mesma. O leitor vai perguntar de imediato se você não podia escrever uma coisa melhor. Mas, se assim deseja, a responsabilidade é sua”. 
À noite, aproveitei um instante em que estava ela contente e feliz, não me recorda agora o motivo, disse-lhe que procurasse escrever um outro poema. Não custava nada. Li outra vez e com efeito não vi modo de melhorar coisa alguma. Olhou-me de modo triste. Estava sendo muito exigente. Não tem ela o mesmo hábito de escrever todos os dias. Só de quando em vez produz um poema. Quanta vez brinquei com ela, dizendo que era uma escritora sem letras, o que nunca ouvira eu dizer de alguém ser escritor sem letras, a menos que publicasse páginas em branco para o leitor preencher. 
Não mais falei no assunto. Havia pedido que fosse até ao seu protético apanhar um trabalho que mandara fazer, o seu cliente precisava o mais rápido possível, tinha de retornar a Itamarandiba. À tarde, fui realizar o seu pedido. Não mais pensava em seu poema, no fato de Rogério Adriano ler poemas de poetas na Sexta-Feira sobre a Paixão e Morte de Nosso Senhor Jesus Cristo. Retornando, olhou-me, dizendo: “Produzi uma obra de arte. Quero que leia”. Não duvidei que o tivesse feito, nem critiquei a sua pretensão. Para alguém dizer que produziu uma obra de arte, seja em prosa, em poesia, deve sê-lo, pois no mínimo passará por um ridículo sem limites, e ninguém gosta de passar por uma situação desta. 
Sentei-me na cadeira do dentista, pondo-me a ler. Emocionei-me sobremodo. A esposa havia criado um poema em que Jesus Cristo já surge carregando a Cruz, e a esposa com engenho e arte consegue levar Cristo até a Cruz, seguindo todos os seus passos, até quando Miriam de Mágdala enxuga os suor de Cristo. Realmente lindo o poema. O título é simples e sugestivo: “O Caminho”. Devo confessar que, por instantes, e, em verdade, até agora me sinto desta maneira, fiquei um pouco com inveja desta criação de minha esposa. Queria muito escrever algo assim. Ultimamente, tenho escrito muitas coisas de que não gosto, e só publiquei, pois não me restou tempo para outras tentativas. 
O que desejava eu era escrever algo que os homens soubessem ser a verdade absoluta, mesmo que não soubessem como colocar em prática os ensinamentos, encontrassem dificuldades em vive-la diante desta ou daquela situação. É o que sinto eu quando leio Sua Santidade Dalai Lama. O que ele diz é verdadeiro, a verdade em sua origem mais pura e mais sublime. A dificuldade é nossa de compreender e entender, colocando em prática. Desejava eu uma obra prima, escrevendo a caminho do calvário, vivendo todas as dores e conflitos da criação, sentindo-me angustiado, triste, mas sabendo que ao final a Redenção seria o final feliz. 
Escrevi um pouco, e ainda não vejo o que há de tão especial, o que neste escrito mostra a Verdade Absoluta. Talvez a Verdade Absoluta aqui seja o desejo d´Ela. Só isto não me satisfaz. Com certeza, pensei em tomar de alguns versos do poema de minha esposa, adaptando ao meu estilo, mas isto seria não um plágio deslavado e cretino, mas a confissão de uma incapacidade sem limites de escrever algo em nível. Difícil. 
Contudo, em verdade, sinto-me feliz por a esposa conseguir escrever um poema tão lindo e que é capaz de emocionar qualquer leitor, qualquer ouvinte; um poema capaz de fazer o homem pensar e meditar sobre isto a Paixão, Morte e Ressurreição do Senhor, buscando, assim, melhorar o seu nível de vida. Aliás, penso eu, seguindo os passos de Sua Santidade Dalai Lama, um poema só é bom e verdadeiro, quando ele consegue modificar os caminhos dos homens. Sua Santidade Dalai Lama diz que a Espiritualidade é boa quando Ela consegue mudar a vida dos homens. 
O poema de minha esposa fez-me pensar e meditar sobre o caminho do escritor, sua verdadeira função e missão no mundo, isto é, levar seus leitores e ouvintes ao Calvário. Confesso que nunca ouvi dizer que algum escritor tenha pensado assim, seguindo esta filosofia. É verdade que ele sempre pensa em conseguir a eternidade, sua obra fica no mundo por todo o sempre. 
Traz-me ela uns pãozinhos de queijo saídos do forno. Encontro-me aqui tentando dar vida ao meu Calvário – aliás, encontra-se deserto e solitário. Lê um parágrafo. Pergunta-me se já coloquei o seu poema no meu, referindo-se à intertextualidade, que, aliás, é a minha principal ferramenta de trabalho. De modo algum. Bom ou não, apenas uma tentativa de realizar algo em nível do poema dela, mas com certeza saiu de mim, é fruto de minha interioridade, de minha fé. 
Não acredito que tenha de longe alcançado o meu objetivo com este escrito, mas, no auge de minha dores, digo comigo mesmo: “onde encontrar o silêncio indispensável à força, o longo hausto graças ao qual o espírito se recompõe, a coragem se mede a si mesma? Mas onde encontrar a pura solidão, atrás do silêncio, o halo divino de outros nós graças ao qual a eternidade e a imortalidade se me afigure a entrega por inteiro, somos feitos para a graça”. 
Manoel Ferreira 

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