#CREPÚSCULO DO OCASO... A NOITE ESCONDE ILHAS A QUEM NÃO SABE PESCAR# GRAÇA FONTIS: PINTURA Manoel Ferreira Neto: PROSA POÉTICA



Ocaso, con-templado, enxergado sob outros prismas e perspectivas, aquele olhar denso, em cujos fictícios cais da memória reside o lince que, se visto, re-colhe e a-colhe neve prata sobre as ondas, revelará sobre a língua do tempo o que vibra em segredo, isto o que se me a-nunciou num átimo de instante, com evidência deixando-me surpreso e admirado, tanto que me perpassara um calafrio na espinha dorsal tendo- lhe sentido profundo, e esvaeceu-se.
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Não tenho certeza, se alguma vez já experimentei um sentimento tão presente e forte, mas o que vibrava em segredo - sei o que desejo dizer, mister encontrar as palavras certas - podia ser investigado em todos os níveis, sobretudo o inconsciente, solstício de inverno a vista da vidraça da janela de ônibus já próximo da rodoviária, cheiro, paz, espalhando sentidos ininteligíveis, podendo isto explicar no instante do mover de párpados, não havendo quem não confesse serem as palavras certas, nos seus ínfimos átimos de instante, não tenho polícia na minha captura, a minha ilha não tem porto, o padrão de mitos por que vivera muito tempo... desmoronaram de repente.
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Posso dar voltas no jardim pelos seus caminhos sinuosos por alguns minutos, desejando traçar as idéias e pensamentos, sentimentos, emoções, o ziguezague, o mar trans-lúcido a tocar-me, "siguesagueando" os ventos e as ondas, perdendo-me, distanciando-me, dispersando-me, estando inda lúcido, estando inda racional, confissão completa, desabafo rasgado de verbos, diria muito pouco daquele instante de calafrio na espinha dorsal, pensando que poderia enviar para Freud e a alguns de seus colegas dogmáticos sobre isto de não me ser dado dizer o sentimento que me perpassara o íntimo, mas algo dizia-me "... a noite esconde ilhas a quem não sabe pescar..."
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A resposta a este dizer levarem-me longos anos e inda pouco seria para sentir e contemplar o que é pescar numa ilha em que a noite não esconde, remessando-me para o vazio, solidão, murmúrios nesta tépida noite, e a mesma voz dissera-me em Latim "Nemo me lacessit impune", imaginando eu que assim seja escrito, mas habitando os mistérios do calafrio na espinha dorsal, tendo compreendido seria um prisma de re-velação deste sentimento neste/nesse ocaso que o senti, aportando-me, dando-me ao cântico das águas e o das sereias "ai... ai... ai...", seria ele de muito prazer ou alguma dor profunda de que não se sabe qual é, por que razão existe?
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As oportunidades surgem, mesmo que imaginariamente demorem. Restava esperar. Não que as palavras naquele tom e bom som houvessem doído, serem verdade, não queria admitir, defendia-me com o sentimento de mágoa, ressentimento profundo, não era verdade. O sentimento dizia-me haver coelho atrás do mato, as palavras diziam outra coisas, compreendi-as de imediato. Levaram-me anos a resposta, mas categórica - o que é o silêncio! Cala até o mais fino orgulho das origens! -, embora não soubesse o que a máxima latina significa, para mim significava, se assim posso asseverar com lucidez, um suporte psíquico para o entendimento de "... a noite esconde ilhas a quem não sabe pescar...", assim descobriria o acaso de passar alguns dias numa ilha, hospedado em casa de uns amigos, indo ao topo de um morro para assistir ao ocaso, tendo a vista do mar à frente, de longe, ilha pequena, esquecida, onde ninguém sabe de ninguém, tocada pelos ventos do norte. Quem dissera as palavras sentia-se suave e serenamente feliz com os frutos de seus sonhos sendo colhidos, inda mais o orgulho das origens habitava ambos os lados, de família sobremodo orgulhosa de si. Representava eu de origem simples. Instante de compreensão do que realmente foram aqueles longos anos de relações. Virei as costas. Silenciei-me.
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Em quaisquer outros pores do sol não me seria re-velado este sentimento. Inconscientemente estou espalhando pistas de minha identidade, como diz Hamlet, os sonhos podem se converter em qualquer coisa, o investigar com percuciência, platinando exibições no crepúsculo, revelar-me-á a dádiva, a graça de estar realizando esperanças antigas, o pôr do sol à luz de sentimentos reais e verdadeiros, lânguidos e precisos passos ao se diluírem na areia inocente, nós dos nossos sais, em quaisquer sóis das quatro estações, em êxtase. A língua do tempo interpreta no chão desta caminhada há cores, brilhos estelares, tudo vibra em segredo, menos "ninguém me fere impunemente", a resposta virá em estilo e linguagem, cabendo ser interpretada...
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Acaba de alvorecer na ilha... Madrugada de pontos nos "ii", a compreensão, entendimento, a consciência de que as vertentes deste tempo revelam sentimentos de existirem a liberdade, o amor, a felicidade, andam de mãos entrelaçadas, as contingências são as contingências... Aquelas palavras ditas a queima-roupa, na "lata", "Será que acontecerá com você o mesmo que acontecera com Van Gogh?", como dizem nas terras desvairadas da paulicéia, esvaeceram-se com os "ii" ponteados. O resto é silêncio - bem o dissera o eterno gaúcho escritor Érico Veríssimo.
#riodejaneiro, 27 de novembro de 2019#

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