#A VIDA FICOU MUITO MAIS EXTENSA# GRAÇA FONTIS: PINTURA Manoel Ferreira Neto: POEMA



A lua vai alfim aparecer.
Vinho e azeitonas, que delícia
Curtindo os instantes de devaneios,
Uma fogueira...
As estrelas vão enfim brilhar.
Tomar da pena,
Aproveitando os efeitos do vinho,
Escrever alguns versos
Para um amor imaginário,
Só para sol-rizar as coisas do mundo.
A neblina alastra ao meu horizonte sem fim,
Aos meus uni-versos por serem,
Aos meus horizontes por virem,
Os olhos doem-me da nitidez estéril,
Do nítido nulo,
Da aparência frígida,
Da folha limpa por escrever,
Pela janela do automóvel, na rodovia,
Vendo as imagens passarem tão ligeiras,
Sentia mais um momento dentro de
Tantos outros de alegria, felicidade,
Memória de uma comunhão de almas
À busca do Verso-Uno,
Estou no meu/nosso caminho.
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Timbre de prata, flutua.
As cordas da lua tremem.
Passam a legenda e os anjos,
Passam os mitos e as fadas.
Passam os ritos e as bruxas.
Passam as Filosofias, as Literaturas, os Poemas.
Passam as Políticas. Passam as religiões/Religiões,
Passam as Ciências,
Passam os causos e os sacis-pererês.
Passam as mentiras e os lobisomens.
Que é que isto quer dizer?
Ou nada quer dizer?
Devo estar velho,
A solidão ec-siste insuportável.
Ou estou a re-nascer,
Re-fazendo o retrógrado, o démodé,
As aposiopeses,
O velho, o caquético?
O silêncio e--xis--te pleno de linguísticas,
Semânticas, absoluto de metafísicas.
Ou quê por ela? Ou o quê por ele?
De repente a vida ficou muito mais extensa.
Os olhos deambulam muito longe,
A longitude da correspondência entre o horizonte e o infinito,
Entre a terra e o mundo.
Tão extensos, tão longe que tudo atrás fica lendário,
A distância dos corações entrelaçados de amor,
Aquela paixão serena, suave,
E, num milagre, a distância esvaeceu-se,
Tudo atrás é conto do vigário,
É estória da carochinha.
É nostalgia de Zagaia.
É saltitância do Tempo do Onça,
É melancolia da cidade de Braga.
É saudade das couves do Zé,
É lembrança afetuosa do Zé das Couves.
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Respiro devagar,
Trago a fumaça do cigarro lentamente.
Como se me balanceasse o corpo
Ao ritmo sereno do universo.
Noite ofegante, olho-a.
Pela janela,
Ao alto,
Sobre o negrume dos pinheiros, palmeiras,
Silencioso céu.
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Estendo-me na rede,
Extenuado das memórias do dia,
Quisera mesmo poder dedilhar as cordas
De violino,
Tocaria "Anu para Cantagalo"
Com todas aquelas pompas hollydwoodianas,
Travessia de perdições dos anus,
Não sabiam que trilha tomarem,
Catagalo é muito longe, muito distante...
Ou o "Cão que Latia" incansavelmente
Por estar preso pela corrente,
Do barulho da água
Que enchia o tanque de lavar roupas...
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É no silêncio que vivo,
É no silêncio que con-templo
O mundo e a terra,
Aprenderei outra linguagem?
É na solidão que prolongo os dias,
É na solidão que amo a companheira.
É dizendo a mim o que tenho a dizer
Ao outro
Que arrasto os ponteiros do relógio,
Corro contra os ventos,
"É preciso ter coragem, Diadorim!",
Aprenderei outro estilo?
Assimilarei outra estética?
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Não há palavras ainda para inventar o mundo novo.
Não há sentidos ainda para re-velar
O outro dos sonhos,
Utopias,
Dos verbos que hão-de ser.
Estou só, horrivelmente povoado de mim.
As coisas mudaram bastante,
Não costumo olhar para trás com saudades,
São perspectivas de um tempo existido,
Sigo as sendas para a confecção do retrato do destino
Valeu a pena viver?
Valeu a pena trilhar as estradas de poeira?
Valeu a pena passear pelas manhãs,
Con-templando
As folhas verdes umedecidas do orvalho da noite?
Valeu a pena sentar-me no quintal, no alvorecer,
Observando o canteiro de tomate, os pés de limão,
De laranja da terra, de caju, de manga
As primeiras maçãs do pé, inda miudinhas?
Matei a curiosidade,
Vim ver como isto era,
Valeu a pena.
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É preciso que tudo des-apareça
Para que tudo possa re-construir-se
- re-construir-se através de um "deus único",
um "deus final".
e seria dado reconstruir as coisas, o mundo
por intermédio de um sonho único?
Não sei ainda a linguagem do mundo
Que terei de re-inventar,
O estilo da ec-sistência
Que terei de re-criar,
A estética do Latim que embeleza
As máximas, as expressões
O Latim não é língua morta,
É Língua-sêmen da éresis do poema,
Da iríasis da poesia,
A forma da imanência que terei de re-fazer.


#riodejaneiro#, 18 de novembro de 2019#

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