DA IN-FECÇÃO À ESCLEROSE MÚLTIPLA - Manoel Ferreira
Ah, sim, gostaria de com-partilhar com alguns, muito
poucos, e só Deus saberia o por quê, algumas gargalhadas a plenos pulmões,
risinhos de soslaio, risadas diplomatas e estratégicas, isso se considerar
sejam pensamentos e intuições de um ser humano, se de um asno, só Deus saberia
também o por quê, dizer as diferenças de um e outro, e se fizer qualquer menção
a isto serei condenado a tecer outra rede do último nó até ao seu início, sem
desmanchar um só ponto, também Deus sabe o por quê gratuitamente doou este
dom...
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Deixemos de preâmbulos e escusas as mais diversas, e
dissemos que só resta a alguns saírem dividindo as palavras aleatória e
inconseqüentemente, dizendo assim que estão transformando o sentido das
palavras, dando-lhes o seu real valor, isto dentro de certos princípios
intelectuais, que não interessam a ninguém e nem a mim, contudo, se olhadas de
soslaio, divididas e até colocadas em negrito e itálico, enfatizando que o
vocabulário está muito modificado e humanizado, que, enfim, encontrou a
expressão do momento, e todo o resto não interessa mais, pode-se dizer algo
diferente e inusitado, algo que compromete até a medula espinhal.
Aliás, devo lembrar de antemão e
revezes que afirmara “resta a alguns saírem dividindo as palavras”... Disse-o.
Se houver alguma dúvida, é o caso de in-vestigar, lendo, desde o início, o
parágrafo anterior a este. Não resta qualquer.
Se houver alguém que ao escrever
“infecção”, dividisse-a, “in-fecção”, colocando ou não as aspas, mas usando o
hífen, para mostrar que os seus conceitos acerca do mundo e da realidade se
evangelizaram, não há de se crer, em hipótese alguma, que a sua inteligência e
cultura, imiscuídos nas entranhas mais sórdidas do intelecto, estejam
crescendo, e muito menos iriam faze-lo, dariam crédito total e absoluto à
linguagem vulgar: “quem tenta imitar o que não é imitável, acabará sendo
ridículo”.
Não faria isto nunca. Será entregar-se
de graça e falta de propósito numa bandeja. Se alguém fosse in-vestigar muito
profundamente a palavra escrita, de modo normal, respeitando os princípios
clássicos e eruditos da língua, dissesse, então, que, embora não a escrevesse,
separando-a, mas nas entrelinhas, com um risinho de escárnio usara, para
ridicularizar e espezinhar alguém que o faz de modo espontâneo e singular.
Negaria, de pés juntos, que não tivera essa intenção, mostrando os porquês e
entretantos por não o ter feito. E por
quê?
Aí, está o escárnio, provocando os
risinhos, gargalhadas, sorrisos, e tudo o mais que se possa imaginar ou criar,
a respeito desta questão tão singular e originalmente dizendo, se não se acreditar
nisto é só nas entrelinhas intuir o além das linhas, como dissera alguém a
respeito de um seu amigo a quem adorava e venerava por sua enorme capacidade de
brincar com as palavras, jogava-as fora e não se esgotavam nunca, isto era
impressionante, ainda o é, se assim posso dizer.
Inveja. Dizem que a inveja é própria
dos incapazes, inúteis. Não é de minha intenção exclusivíssima negligenciar
este princípio secular, milenar, eterno, assim creio eu. Acrescentaria algo
ainda muito sutil, não havendo ainda palavras que possa de algum modo
conceituar, diminuindo o termo, aumentando, sei não, mas “definir”.
Acrescentaria que a inveja não divide as palavras; reconhece quem sente inveja
que são indivisíveis; os seus interesses é que são divididos de um extremo ao outro,
desde o corpo, alma, espírito, até o resto que se possa encontrar nos
vernáculos da língua e dos princípios.
Ninguém iria separar a palavra para
mostrar que os seus conceitos estão passando por mudanças e transformações,
estaria decidido, desde então, a buscar caminhos outros que levam à
originalidade e autenticidade. Não faria também a proeza de não a dividir,
deixando-a como manda os figurinos dos séculos e milênios, intacta, extática e
inerte. Não diria “in-feccionar”, usando ou não as aspas, para mostrar
inteligência e espírito aberto ao seu tempo e época. Não usaria a palavra de
modo normal, desejando que nas entrelinhas estivesse no sentido da outra
dividida pelo hífen. De algum modo, as algemas e correntes estariam no chão de
todas as pedras: “caíra num extremo ridículo”, aliás, dito não sei por quem
acerca de alguém por quem tinha sérias e sinceras admirações pela sua
originalidade da brincadeira com as palavras, mas quem tentasse imitar cairia
num ridículo sem limites e fronteiras, estaria condenado a ser lembrado por seu
ridículo.
Talvez ele não se referisse em hipótese
alguma a esta palavra, saltasse-a, mas no seu espírito e alma estivesse desde
toda a eternidade inscrito isto, não podendo negligenciar ou ridicularizar,
escrevendo “à esclerose múltipla”, o que elimina em absoluto o sentido da
palavra - outras idéias, intenções e intuições - e alguém quem aprendera desde a eternidade as
correntes-algemas das palavras se encontram nos abismos da alma, de onde os
ventos frios vindos de todos os cantos do mundo e da humanidade, se reúnem e
deixam a “saudade” de algo que sacia a sede e a fome.
Não cairia no ridículo de tentar imitar
o que é inimitável. Antes, de acordo com os seus interesses e particularismos,
reconheceria o inimitável, e nem procuraria o original, autêntico, seguiria
simplesmente os seus instintos vulgares e imbecis, o de que sente inveja e nem
as cinzas se esquecerão de tamanha inércia e inépcia – possível um homem assim,
preferindo a inveja do que se ver por dentro, buscando algum modo de se
superar, mas in-felizmente no seu espírito a palavra se acha dividida para que
não se depare nunca com o que é e representa no mundo.
Se quem ler estas palavras escritas
neste diário que trago comigo desde tempos imemoriais, após haver lido desde o
início – quinze cadernos de espiral de duzentas folhas – disser que são
palavras de um esclerosado, rindo a bandeiras soltas, não tirarei jamais a sua
razão e motivos para isto, inclusive quem sabe até pudesse rir com ele, numa
brincadeira de “vamos ver quem ri mais alto e o seu riso possa ser ouvido por
toda a humanidade”. São sim de um esclerosado.
Agora, e se houvesse alguém quem
mergulhasse mais fundo, dizendo que, em verdade, não se trata de mim, não sou
quem está esclerosado, mas nas entrelinhas está bem definido e conceituado se
tratar de alguém, aliás, quem resolvera aqui e ali imitar o que é inimitável,
assim caindo no ridículo, e ainda há quem parabeniza e vanglorie, isto não é
admissível.
Bem... para mim. Aprendi assim a ver-me
de dentro.
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