DOS MEANDROS DA ALMA - Manoel Ferreira
Em princípio,
confesso-o de imediato, não desejo análise ou interpretação alguma, seguindo
uma idéia, intuição, algo percuciente seguindo princípios do novo livro do
escritor-amigo-compadre Paulo César Lopes “Uma Dor muito Grande com umas Asas
Enormes”, por haver lido única vez – uma saudade do autor que me habita,
preencho-a com prazer e deleite com a leitura de sua obra, lembranças de muitas
conversas, situações íntimas que vivemos: assim li pela primeira vez este
livro, em duas partes devido a alguns compromissos a serem realizados.
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Difícil desde o
início até ao final o escritor conseguir a atenção do leitor, tecendo a trama,
enredo, tema, temática, construindo a rede das idéias, arquétipos, símbolos, mistérios
que toda obra dentro em si traz, descortinando sonhos e utopias, traduzindo, à
mercê das situações, o que é desejado, o que é vocacionado, o que é dom,
entregando-se, envolvendo-se, perdendo-se, encontrando-se.
Inda mais
difícil, desde o início ao final, é manter linguagem e estilo, poéticos,
envolvendo o leitor, entregando-lhe em mão as asas em que irá seguir viagem
letras adentro, despertando-lhes as dimensões sensíveis, abrindo-lhe as
intuições e percepções do Ser que se faz continuamente, a continuidade sendo
também o Ser, aliás tendo isto escrito Paulo César Lopes em sua belíssima
Introdução de Utopia Cristã no Sertão Mineiro, dissertação de mestrado na
Universidade de São Paulo, publicado pela Vozes, 1997: “Se o Ser se faz
continuamente, a continuidade é também o Ser”.
Sem desvendar
os mistérios, que, aliás, não existem para sê-lo, mas para vive-los na
integridade, corpo, alma, espírito.
Linguagem e
estilo tecidos com perspicácia e engenho, despertando os leitores para os
sonhos, utopias, proximidade e encontro com o outro, realizações e prazeres, a
certeza de que cada passo, passo a passo, é um milagre à busca do Ser, do que
funda e significa a vida, o que fundamenta o para quê somos vocacionados os
homens, o Amor.
À medida em que
mergulhava na obra, no tecimento da história, que por vezes o é, por vezes não,
no mundo sensível e espiritual dos personagens, envolvidos com suas dores, seus
sonhos, desejos e vontades. Por vezes se me anunciava límpido e transparente os
laços frágeis e sedentos de amor, de entrega, de união.
Consegui-lo só
se torna, em verdade possível, havendo uma intimidade espiritual pujante com as
palavras, o toca-las e com amor transformá-las, tornando-lhes verbos e
alimentos que nos sacie a fome e a sede de transcendência, sublimidade – isto
após um mergulho sério e responsável nos meandros da alma, buscando a luz do
auto-conhecimento, autenticidade, individualidade, o “eu” que nos habita,
crendo, experimentando a fé, esperança, compaixão, solidariedade, desejando o
encontro com o outro que nos habita, reconhecendo-lhe sujeito que conosco
co-participa dos sonhos e utopias.
Para mim, às
vezes, é muitíssimo difícil escrever algo a respeito de um livro de Paulo César
Lopes por sermos amigos íntimos, mas tomando em consideração o homem estar
presente na obra integralmente, sou testemunha de que a sua vida mesma é busca,
desejo, sonho, utopia. Estamos juntos há vinte e um anos, desde a época em que
terminara a sua primeira novela, Sonho do Verbo Amar, 1983, conheço muitas de
suas obras.
Aí está a
dificuldade imensa do escritor, a intimidade com as palavras, perdendo-se
nelas, deixando-as expressar, falar no íntimo, mostrar o que nelas há dentro, o
que podemos alcançar com o desejo e vontade de realização do sonho;
sensibilizar o leitor a nível de deixar-lhe aberto e receptível ao novo, ao que
se anuncia, se revela, se oculta, ao que pode e é possível de mudanças e
transformações, ao que ilumina e resgata as sendas perdidas.
Enfatizo bem
que fora uma única leitura, fundamentando-me no que me fora sendo anunciado ao
longo do vôo em direção ao horizonte, por abismos, serras, montanhas, vales da
alma humana, a fé que habita o homem se anunciando em cada situação, em cada
dor que habita, e a ressurreição se mostra nítida, a visão mágica da vida, a
criatividade, o verbo que se vai tornando carne continuamente, e a continuidade
sendo novos desejos e sonhos, esperanças.
Paulo César
Lopes mantém a chama dos sonhos e utopias, a partir da linguagem e estilo,
anunciando-se, ocultando-se, à busca da plenitude do verbo amar, da vontade e
esperança do encontro, a partir do mergulho profundo nos meandros da alma, do
espírito, despertando os leitores, desde o início – nada fácil por a natureza
amar ocultar-se e revelar-se -, por o homem vez e outra temer a entrega.
O que há de
mais profundo nessa obra, quem sabe pela onipresença e onipotência do narrador,
o seu espírito de guru, de mágico, de mestre, de um Sidarta, pela ausência
desta onipresença e onipotência do narrador, é o leitor que se torna o anjo, habitando-lhe
uma “dor muito grande”, a criatividade e invenção em asas enormes sobrevoam os
labirintos e abismos da alma.
A linguagem e o
estilo, embora habitem Paulo César Lopes, as dimensões espirituais e
contingentes do autor magicamente os transforma em um poema, poema de amor, de
entrega, de busca, de desejo, de vontade, de sonho e utopia, é o leitor quem
cria e inventa esta linguagem e estilo, à busca de suas sendas perdidas, com
seus medos, temores, hesitações, de acordo com seus desejos e interesses.
Paulo César
Lopes, nessa obra, longe de indicar as nossas sendas perdidas, ajuda-nos a
in-vestigar e avaliar os caminhos do verbo amar, buscar o sonho maior que nos
habita, buscar a nossa esperança, a nossa fé.
Poética
de um escritor que, a partir de sua entrega às letras, realiza o além das
linhas; as entrelinhas, poética que não apenas ilude por suas imagens
esplendorosas, mas traduzem o que há de profundo no íntimo, na superfície do
olhar que contempla o mundo, a Vida, deseja-a, tem sede dela, e o simples
balançar das asas de anjos e/ou aves é ternura, é compaixão, é solidariedade, é
amor que deseja ser Verbo, que é Verbo, que busca o Verbo...
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