**CASTELO DE SUSPEITAS SOBRE PALAVRAS - Manoel Ferreira**
Não acredito que alguém tenha percebido
conscientemente que para cada palavra não tenha sido construído um castelo de
suspeitas, terminando de ler o que resta são dúvidas, suspeitas do sentido da
obra, as idéias e intuições do autor, sonhos, então tomando em mãos uma
literatura impregnada de sentidos filosóficos, o que resta da leitura é
simplesmente nada, nada mais podendo dizer senão que nada entendeu,
compreendeu.
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Oh, devo sim confessar isso com o
sentimento de júbilo e louvor que se me anunciou nesta manhã de início do
inverno, restando apenas dezoito dias para ser oficialmente, mas para quem vive
no alto da serra, em região montanhosa, o frio se anuncia alguns dias, ainda
mais quando esse ano chovera o tempo inteiro, não tendo verão, ano a-típico
como está sendo chamado por alguns. Confessar que não é nada fácil ler esses
artigos, contos, romances impregnados de idéias filosóficas, linguagem
abstrata, difícil de mergulho.
Dizia antes do castelo de suspeitas que
criamos sobre as palavras que lemos a todo momento, mesmo que inconsciente,
quotidianamento, não dizendo a respeito de livros. E a intromissão da filosofia
em obras literárias dificultam a leitura, torna-se ela uma linguagem para pessoas
elitizadas culturalmente, leitura para poucos.
Amigo muito íntimo fora ter a ousadia
de num encontro nosso na porta de cemitério, num sepultamento – que lugar mais
sinistro para dois homens de letras se encontrarem, conversarem neste assunto –
dizer que sou um artífice das palavras, não mais bastando um segundo para
enfiar na cabeça ser a verdade absoluta, tinha mesmo razão para dize-lo – se é
ele quem o diz não me resta outra alternativa senão acreditar de modo absoluto,
não apenas por sermos amigos, mas por ter ele qualquer motivo para encômios
esquisitos e estranhos à inteligência.
Pondo-me agora a falar dessa
experiência, vivência e convivência, sendo o alimento que me sacia a fome e a
sede, deixando sempre outras possibilidades de sedes outras com outros desejos
de ser saciado.
Experiência, vivência e convivência
minhas, e de mais ninguém, sendo o único que responde por elas, dando-me
prazeres, alegrias, angústias, depressões, medos, o que não importa muito, são
dimensões de nossa inconsciência coletiva, não houve até o momento quem não
sofresse delas, alguns mais, outros menos.
Obvio que não acredito por me dar
prazeres então necessariamente é motivo de júbilo, louvor de quem quer que
seja, ao contrário mesmo, o que se espera é que não sejam, não fechem as
possibilidades de outras revelações, mergulhos mais profundos.
As mentes engenhosas e artífices – não
sei se o termo adequado aqui seria “relacionar”, contudo elas intuem alguma
ironia e cinismo com isto de dois amigos se encontrarem à porta de um
cemitério, no momento do sepultamento de alguém, discutindo sobre a obra de um
e outro, quando lhe disse que o ensaio de uma nossa conterrânea era “um
mistério, que só poderia ser desvendado, se é que se deve fazer isto, os
mistérios não são para serem desvendados, mas só lendo a autora irá compreender
a profundidade de sua linguagem e estilo”, o que lhe fez dar uma gargalhada,
chamando atenção de alguns presentes à porta do cemitério.
O dia que pensarmos e julgarmos que
somos motivo de júbilo e louvor por causa das letras, podemos providenciar o
sepultamento o mais rápido possível, não necessitando dizer os motivos e
razões, delas e seguir outros caminhos cada um seguindo a sua trilha.
Ah, sim, havia alguém de nossas
relações a pouca distância de nós, ouvindo o nosso colóquio, regado de
risadinhas as minhas cínicas e irônicas, não se conteve de nos questionar:
“Esse é o assunto de todos os encontros. Isto é que é gostar”. Continuamos a
falar do que nos preenche a vida, alimenta-nos, sacia-nos, regado, óbvio, a
muitos sofrimentos e dores.
Este é um ponto de vista que se pode
seguir com segurança de alcançar os objetivos da leitura, esse encontro fúnebre
entre dois homens de letras, sepultamento de alguém muito íntimo de um amigo
nosso. Há outros muito mais interessantes de ser descobertos, aquele que indica
e orienta os passos nas trilhas da busca de algo que sacie a fome e a sede que
nos habita a alma, só Deus sabendo alguns mistérios de sua profundidade, porque
é Ele que sabe de tudo.
A entrega de alguém, entrega sem
limites e fronteiras, sacrificando outras dimensões da vida, que, aliás, são
necessárias ao amadurecimento e crescimento, a favor de realizar o sonho que
habita o espírito e a alma, e só isto interna, não importando como se revela e
como se processa no tempo e no espaço. Creio até que a alegria maior é a
descoberta do sofrimento e a busca de algo que transcenda. Quem mais faz rir é
quem está sentindo dores, e transformando tudo na arte de fazer alguém rir.
Até neste momento, lendo o que já fora
escrito, são inúmeras as suspeitas sobre as palavras, um verdadeiro castelo, o
que sobrará, ao terminar. Aprendi, quem sabe para superar, suprassumir este
sofrimento, a deixar as palavras em mim dentro, seguirem as suas próprias
trilhas, através de alguns lugares sinuosos, verdadeiros labirintos, esfiras,
não se sabendo onde é que se vai dar, onde é que se vai parar com tantos
mistérios, enigmas, imagens.
O melhor mesmo fica sendo não perder
tempo com esse mergulho profundo nos sentidos, significações, os prazeres do
quotidiano são mais tranqüilos, eficazes, dão mais resultado, que a partir de
palavras começar a pensar o que é da vida, se não se está apenas enganando a si
com o sentido da vida, a Vida mesma se encontra sendo perdida, negligenciada, e
chegará tempo em que estas sendas perdidas se tornam necessárias, e aí começa o
longo período de uma aprendizagem difícil e pujante, não sem angústias e
depressões, por que se esqueceu de se conhecer intimamente. Se houvesse lido
mais, se a partir das leituras não traçasse os rumos de seus questionamentos
acerca desta ou daquela problemática.
Não renunciando ou recusando o sentido
que as mentes engenhosas e artífices relacionaram com o encontro de dois homens
das letras à porta do cemitério, no momento do sepultamento de alguém das
relações íntimas de um amigo a quem respeitamos muito, isto de se pensar que
por serem homens de letras devem ser motivo de júbilo e louvor dos homens, da
humanidade, o que não deixa de ser verdade, não há quem não se sinta assim na vida,
mas se perder nisso é um problema sem solução, a queda é fatalmente óbvia.
Se acreditamos que por causa deste
mergulho profundo nas palavras, buscando a nosso encontro com elas, a perda
nelas, isto nos impedirá de a seu tempo específico não sentiremos as dores e
sofrimentos de não nos termos buscado intimamente, conhecer mais e mais de nós
mesmos, o que nos livraria de uma velhice de muitas dores e sofrimentos, aí a
coisa é bem mais séria.
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