SONHOS DE FELICIDADE E AMOR - Manoel Ferreira
Re-colhemos e
acolhemos este excerto de Sentimentos da esperança, terceiro volume das
memórias de Antônio Nilzo Duarte “A felicidade é claramente comovente, sem
poder esconder o meu sentimento interior, pois este prazer está voltado pelo
estímulo que ainda sinto em conseqüência do amor e da felicidade que se agrupam
no seio de nossa família”, Capítulo 6, Nossos Sonhos, página 93, para tentarmos
aprofundar ainda mais na espiritualidade do autor e de sua obra.
|
Em verdade,
neste excerto vislumbramos e con-templamos que em toda sua vida, não apenas a
partir do encontro, da paixão, do amor acima de todas as coisas por sua amada e
querida, foi um homem que sofreu muito em sua vida, com a perda de D. Neusa, mas
conseguiu com os sentimentos de esperança que lhe habitam/habitaram,
re-velam/re-velaram, tornam/tornaram mais nítidos e transparentes, com as
letras memoriais, conseguiu ver o lado positivo de seu sofrimento. Como podemos
imaginar uma pessoa vivendo no sofrimento apresentar-se ao mundo, aos seus
leitores, como homem cheio de amor e felicidade? Perdeu a amada esposa, perda
inestimável como em todas as obras ele nos mostra verdadeira e autenticamente,
mas o seu amor era amplo, múltiplo, era também pelos filhos e netos, e com
eles, neles, no seio deles sentiu não estava vazio o seu coração. D. Neusa
deixou-lhe o maior tesouro da relação que mantiveram durante quase cinqüenta
anos, eram os filhos e netos o prolongamento deles, os sonhos de felicidade e
amor que lhes habitaram, desde que se conheceram, estavam em andamento,
seguiriam a trajetória da vida em busca das realizações sensíveis. Antônio
Nilzo Duarte seguiria com a família buscando eternizar os sonhos de felicidade
e amor que construiu com a esposa. Não só isso, mas o prazer dele está voltado
pelo estímulo – os filhos, os netos são os estímulos que sentira bem profundo
na vida com a sua perda inestimável – que ainda sentia em conseqüência do amor
e da felicidade no seio da família, tornou-se este estímulo, como lemos e
sentimos na leitura de todas as obras, sua característica essencialmente
espiritualista. Antônio Nilzo Duarte conseguiu sentir o pássaro das esperanças,
que lhe acompanhou por toda a escritura de suas obras memorialísticas,
cantando, e no louvor a Deus por lhe haver agraciado com amor verdadeiro de D.
Neusa, de todos os seus filhos, conseguiu olhar a vida e o mundo a partir de
sua sensibilidade espiritual, re-velada com os sentimentos de perda.
Mister é
interrogarmos esta obra a fim de podermos in-vestigar e avaliar o que lhe
habita a profundidade. Quais os sentimentos que habitam a esperança, tomando em
consideração o título? Qual a esperança que habitam os sentimentos, lendo o
título às avessas? Nas linhas da obra,
Antônio Nilzo Duarte diz-nos dos sentimentos vividos, vivenciados ao longo dos
quase cinqüenta anos de vivência com a esposa, com os filhos, a estrutura da
obra são as memórias, e quais foram as esperanças que ambos regaram com os
sentimentos de amor, carinho, ternura, compreensão e entendimento, que foram os
desejos e vontades de se real-izarem espiritualmente, de educarem e
espiritualizarem os filhos nos princípios da fé, da moral e da ética, da
responsabilidade, de a família ser unida pelo amor e espiritualidade verdadeiros
e eternos. Tais esperanças, ao longo de todas as lutas, preocupações,
dificuldades, foram concretizadas, e isto se tornou o maior orgulho dos
cônjuges, as alegrias e felicidades dos filhos. Nas entre-linhas da obra, com a
perda da esposa, diz-nos ele sobre a esperança dos sentimentos de perda, tédio
e angústia, desolação, medo que passaram a lhe habitar, que foram o leitmotiv de
sua escritura memorialista. Os sentimentos da esperança, nutridos e regados no
tempo das relações harmoniosas e felizes, amor, entrega, carinho, ternura,
felicidades e alegrias eram o alicerce da família, com ele se real-izaram. Com
a perda da esposa, estes sentimentos foram misturados a outros, “sentimentos de
sim”, “sentimentos de não”, “pólo positivo” e “pólo negativo” habitando o mesmo
ser, a mesma intimidade. A esperança que se revelou com a perda foi, através do
mergulho em sua vida com a esposa, filhos e netos, em sua vida mesma, o
encontro espiritual, a compreensão e conhecimento de si, da vida, o desejo de
reunir estes dois pólos num só, unificar-lhes, e assim espiritualizando-se.
Contingência e transcendência são as tensões latentes e manifestas no íntimo de
Antônio Nilzo Duarte, são as tensões latentes e manifestas nas entrelinhas da
obra. O desejo mais que explícito era unir-se a esposa, senti-la novamente em
seus braços, poder beijá-la, acariciá-la, estarem juntos como sempre estiveram.
Contingência, Antônio Nilzo Duarte, vivo; transcendência, a ausência física da
esposa, a espiritualidade. O mergulho na vida lhe proporciona a unificação da
contingência e da transcendência, une-se à esposa espiritualmente, tornam-se um
na espiritualidade, como se tornaram um na vida. Com esta espiritualização, é
que consegue reunir o pólo positivo e o negativo, feito e elaborado com conhecimento,
sem a recusa de um em detrimento do outro. Encontrou assim a liberdade e a paz
de que tanto carecia nos momentos de dor e sofrimento, encontrou outras
esperanças na vida, encontrou outro amor em sua vida, Eliete, que lhe
proporciona e proporcionou outros horizontes e uni-versos. Ele mesmo afirma:
“Agradeço a Deus por amar duas mulheres, por ser amado por duas mulheres”. A
esperança dos seus sentimentos de não foram a liberdade, a paz, a
espiritualidade.
Um homem que
consegue viver dimensões profundamente sensíveis e espirituais nestas
circunstâncias, que vislumbra e con-templa a esperança no interior de si, em
meio a todos os sofrimentos e dores, que se curou deles através de um mergulho
na vida, na alma, no espírito, em todas as suas emoções sensíveis, não é um
homem que deixou de sentir a ausência do ente amado, querido, senti-la-á por
sempre, mas quem consegue ver o lado positivo das coisas, o lado mágico e
esplendoroso da vida que foi construída de sonhos de felicidade e amor. Todos
temos problemas, todos sofremos, todos sentimos dores, todos perdemos entes
queridos e amados, existem aqueles que entram em pânico – em princípio, Antônio
Nilzo Duarte sentiu um vazio inestimável na vida, tédio de tudo que o cercava –
diante de uma situação como esta, enfrentou a ausência de D. Neusa, os tantos
sentimentos de perda e ausência, com cor-agem, dignidade, honra, estimulado
pela presença da esperança que sentiu em sua alma, espírito.
Essa situação
dilacerante, vivida por ele, possui um caráter estrutural: penetra na estrutura
de todos os seres, já que não a viveu sozinho, em seu interior apenas,
registrou-a em obras, mostrou-as a nós os seus leitores, à família, aos amigos,
de todas as iniciativas, de todas as instituições e no profundo do coração de cada
pessoa que lê o seu memorial. Não existe um oásis reconciliado ou um jardim
recluso de pura unidade e unificação. Tudo vem quebrado, melhor dizendo, nas
obras tudo se mostra aos poucos, tudo se manifesta em miríades de sentimentos e
emoções. Importava-lhe recomeçar e de novo re-colher as lembranças de todos os
instantes e momentos ao lado de D. Neusa, dos filhos, dos netos, genros, noras,
para refazer o tesouro precioso na busca incansável pela espiritualidade,
espiritualidade-una, isto é, a Koinonia, a comunhão espiritual dele e da amada
esposa, o aberto, fecundo, relacional.
O desafio que
sentiu, desde que iniciara a escritura de suas memórias, residiu em fazer
conviver presença espiritual e ausência contingente de forma criadora, isto é,
a criação da espiritualidade que se encontrava latente desde o encontro dele e
a esposa, a criação do amor, da felicidade que agruparam não só no seio dos
cônjuges, mas no seio de toda a família. Como acumular energias de ambos os
pólos, presença espiritual e ausência contingente, cosmo e caos, a fim de que
pudesse realizar verdadeiramente a espiritualidade-una que foi o leitmotiv de toda
a escritura, que nos mostra de forma simbólica:
Existe em mim um poder determinado: um dia ainda
poder inclinar-me e, humildemente, colocar os meus lábios juntos aos seus,
minha querida Neusa, para um beijo muito querido e, em sua face, as minhas mãos
poderem acariciar-lhe com afeto e meiguice, como outrora. (Sentimentos da
esperança, pág. 93)
Este excerto
mostra-nos com transparência um pólo: o do amor, da união, da fé, da verdade,
da esperança, da alegria e da luz. Assumir e reforçar o pólo positivo, com
afeto e meiguice tocar com as mãos o rosto da esposa, beijar-lhe, beijo
querido, não significa que tenha anulado o pólo negativo, as dores da ausência
contingente, os sofrimentos. O próprio Jesus em seu Evangelho nos recorda que
joio e trigo sempre estão misturados e não há como separá-los definitivamente.
Se Antônio Nilzo Duarte houvesse tentado separar o amor, a felicidade vividas ao
lado da esposa e filhos, as dores e sofrimentos, angústias, tédios, medos com a
ausência dela, não teria conseguido que a esperança, a partir das memórias,
originasse a espiritualidade. O que real-izou na obra, na vida mesma, foi
distinguir com percuciência o trigo e o joio de sua vida amorosa, sensível,
assim vivendo o projeto da vida que se orientou não apenas pelo trigo, mas
também pelo joio, sem nunca perder de vista a presença angustiante e desoladora
do joio.
Há uma
convicção dos mestres espirituais e dos sábios de todas as culturas segundo a
qual a paz entre as pessoas e os povos passa pela alma e pelo coração. A
felicidade e o amor em Antônio Nilzo Duarte, em sua obra memorialística, passou
pelas alegrias, felicidades, contentamentos, passou pelas dores e sofrimentos,
pela esperança de liberdade, de espiritualidade, pelo seu coração cheio de
amor, de carinho, de ternura, de meiguice.
Se alguém
quiser estar bem com a vida, com os entes queridos, deve estar bem consigo
mesmo, isto quer dizer que deverá mergulhar bem profundo em si, des-cobrir com
autenticidade e verdade o que lhe habita, o que lhe vai dentro. Deve pacificar
sua alma, encontrar sua centralidade e reunificar as tendências dis-persivas e
destrutivas que conspiram contra a paz. Antônio Nilzo Duarte mergulhou profundo
em si, conheceu a verdade da esperança em comunhão com o amor e felicidade
sentidos, vividos, vivenciados no seio da esposa, de toda a família, conheceu
as tendências dis-persivas e destrutivas com as dores da perda e da ausência de
seu ente mais que amado e querido, reunificou-os, espiritualizou-os,
libertando-se
Podemos
real-izar esta tarefa sozinhos? Não! Os mesmos mestres testemunham que podemos
fazer muito por nós mesmos e que somos responsáveis pelo que nos cabe. Mas ainda
não é o suficiente. Diz Antônio Nilzo Duarte neste excerto que escolhemos para
aprofundar mais em suas mensagens de espiritualidade nas entre-linhas de sua
vida e obra: “... este prazer está voltado pelo estímulo que ainda sinto em
conseqüência do amor e da felicidade que se agrupam no seio da nossa família”.
A família então esteve sempre presente na sua esperança de espiritualidade, de
liberdade, incentivando, sendo não apenas filhos, mas amigos solidários,
compassivos, re-conhecendo-lhe e amando-o ainda mais. Por isso, devemos nos
abrir de modo verdadeiro à Fonte primordial da vida, de onde emana toda a paz,
Amor, Esperança, Fé. Se não bebermos desta Fonte através de nossos desejos e da
busca incessante do Espírito da Vida, nossa paz poderá ser apenas uma trégua
momentânea, mas jamais a paz almejada pelo nosso coração.
Santo Agostinho
nos adverte continuamente: “Irrequieto estará meu coração enquanto não
descansar em Ti, Senhor”. Irrequieto permaneceria o coração de Antônio Nilzo
Duarte se não comungasse verdadeira e sensível o trigo e o joio de sua vida,
não apenas a contingente eivada de felicidades e tristezas, de alegrias e
angústias, mas a transcendente que é o Espírito da Vida. A paz nasce somente
quando houver harmonia entre os pólos negativos e positivos, entre os
sentimentos de não e de sim, entre as dores e sofrimentos e as esperanças de
superação, de liberdade, de espiritualidade, entre a contingência e a
transcendência.
A figura física desapareceu, mas ainda posso sentir
o calor de seu corpo e uma grata sensação de seus lábios puros e delgados
tocarem a minha face e, sobretudo, não ignorar que esse sentimento intuitivo
que ainda se apodera de mim, infelizmente, já se encontra envolto na sombra de
um passado sem volta, pelo sono eterno no qual encontra definitivamente
definido (Sentimentos da esperança, página 94).
Antônio Nilzo
Duarte de homem-desejo de liberdade, de espiritualidade através do amor à
esposa, da esperança, fez-se homem-paz a partir de sua obra, como ele próprio
compreendeu e entendeu:
... este amor que ainda me empolga e que me encanta
está como antes, continua presente. Ele está marcado em um coração que pulsa
cheio de fé e terá o suporte necessário para um desfecho grácil (Sentimentos da
esperança, página 98).
Comentários
Postar um comentário